|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Cineasta Ingmar Bergman, um dos maiores do século 20, morre aos 89 anos
Filha do diretor diz que ele teve morte "calma e suave"; anúncio comove a Suécia e repercute em todo o mundo; enterro será reservado aos familiares e amigos íntimos
Jonte Wentzell - Expressen Pressens Bild - 22.dez.2000/Associated Press
|
O diretor sueco Ingmar Bergman, em dezembro de 2000 |
DA REPORTAGEM LOCAL
O cineasta sueco Ingmar
Bergman teve uma morte "calma e suave", aos 89 anos, em
sua casa na ilha de Farö, no mar
Báltico, onde vivia sozinho,
desde a morte de sua quinta e
última mulher, Ingrid Karlebo
von Rosen, em 1995.
O anúncio da morte do diretor foi feito ontem por sua filha
Eva Bergman. Ela não mencionou nem a causa, nem a data
precisa da morte de Bergman,
que tinha outros oito filhos.
O escritor sueco Henning
Mankell, genro do cineasta, disse haver percebido que ele "estava de partida" quando o visitou na semana passada. "Era
um homem velho, que morreu
em sua cama. Um velho coração que deixou de bater."
Sem dirigir filmes desde
2003, quando lançou "Saraband", releitura de seu clássico
"Cenas de um Casamento"
(1973), Bergman era "o último
dos maiores", na definição do
crítico e presidente do Festival
de Cannes, Gilles Jacob.
Bergman tratou sempre das
questões da infância, do amor e
da morte em sua obra, iniciada
em 1945, e foi considerado genial pela capacidade de subverter regras e incorporar novos
elementos à linguagem do cinema vigente no século 20.
É traço de Bergman transformar o rosto dos atores num elemento dramático de seus filmes, ao aproximar a câmera
dos personagens muito além do
que se costumava fazer.
A liberdade de narrar histórias fragmentadas é outra característica sua. Ele influenciou gerações de diretores, entre os quais o mais famoso é
Woody Allen, cujo "Desconstruindo Harry" homenageia
"Morangos Silvestres". "Ele é
provavelmente o maior diretor,
desde a invenção da câmera",
disse Allen sobre Bergman.
O sueco desistira (temporariamente) do cinema em 1982,
quando anunciou que passaria
a dedicar-se exclusivamente ao
teatro, após o longa-metragem
"Fanny e Alexandre", que marcou seu retorno à Suécia, e foi
consagrado internacionalmente -teve seis indicações ao Oscar e venceu quatro estatuetas.
Memórias
O diretor se instalara na Alemanha, em 1976, depois de enfrentar uma escandalosa acusação de evasão fiscal em seu país.
Chegou a ser detido para depor.
Antes de ser absolvido, Bergman teve uma crise nervosa
que o levou à internação.
Em suas memórias, ele conta
que, nessa época, suas finanças
eram geridas por um advogado
e que assinou papéis sem ler.
"Fanny e Alexandre" faz um
acerto de contas com a Suécia e
a tumultuada infância do diretor. Bergman nasceu em Uppsala, a 70 km de Estocolmo, e
foi criado segundo as rígidas regras de seu pai, um pastor protestante do qual ele se recordava como "um monstro frio".
No livro autobiográfico "A
Lanterna Mágica", ele descreve
as memórias da infância e o impacto delas em sua vida adulta.
O título se refere ao objeto
que seu irmão ganhou, certa
vez, de presente de Natal. A traquitana, espécie de precursor
do projetor de slides, deixou
Bergman consumido de inveja,
até que conseguiu trocá-la com
o irmão, por uma coleção de
soldadinhos de chumbo.
Para a documentarista Marie
Nyreröd, diretora de "Ingmar
Bergman Completo", o diretor
relembra esse episódio como
inaugural de seu interesse pelo
cinema, mas conta que o fascínio pelo teatro era anterior.
Com a irmã, costumava encenar espetáculos de bonecos.
Em 1940, Bergman formou-se na Universidade de Estocolmo e, dois anos mais tarde, tornou-se diretor-assistente do
Teatro Dramaten. De 1963 a
1966, ele dirigiu o Royal Dramatic Theater, em Estocolmo,
conduzindo paralelamente a
carreira de cineasta, iniciada
com "Kris" (crise), de 1945.
O primeiro sucesso internacional veio dez anos mais tarde,
com "Sorrisos de uma Noite de
Amor", premiado como melhor
comédia em Cannes.
Produzindo ininterruptamente até 1982 -com freqüência, dois títulos por ano-, Bergman dirigiu, em toda a sua carreira, 54 filmes, entre títulos
para cinema e TV. No teatro, foram 126 montagens.
Autor de clássicos como "A
Fonte da Donzela", "O Sétimo
Selo", "Morangos Silvestres" e
"Sonata de Outono", Bergman
tinha "Persona" e "Gritos e
Sussurros" como suas obras
preferidas, segundo declarou a
Nyreröd. "Foi o mais longe a
que cheguei", disse.
Embora tenha sido casado
cinco vezes, a mais notória relação amorosa de Bergman foi a
que manteve nos anos 60 com a
atriz Liv Ullmann, com quem
teve uma filha, Linn.
Bergman e Ullmann fizeram
dez filmes juntos. Em 2003, ela
dirigiu "Infiel", cujo roteiro
(dele) baseia-se na relação dos
dois. Quando interrompeu seu
jejum da direção de cinema para filmar "Sarabanda", originalmente uma produção para TV,
Bergman usou uma metáfora
bíblica para descrever como se
sentia. Disse que se descobriu
"grávido de um filme", assim
como Sara, que, segundo a Bíblia, engravida na velhice.
Ilha de Farö
Desde que decidiu morar em
Farö, a ilha que foi cenário para
diversos de seus filmes, Bergman ganhou fama de misantropo. Contudo, o diretor continuava atento à produção artística de seu país, como demonstrou no documentário "Ingmar
Bergman: Intermezzo" (2002).
Entrevistado pelo jornalista
sueco Gunnar Bergdahl, Bergman, vestido informalmente e
calçando tênis, comenta os filmes da nova geração de diretores suecos, como os de Lukas
Moodysson ("Amigas de Colégio"), e conta que, na velhice,
tornou-se insone.
A família de Bergman anunciou que o enterro do corpo do
diretor ocorreria em cerimônia
privada, para amigos íntimos. Â
Com agências internacionais
Veja cenas de filmes e entrevista com o diretor Ingmar Bergman www.folha.com.br/ilustradanocinema
Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta Próximo Texto: Análise: Bergman filmava alma de personagens Índice
|