São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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MÚSICA

No Midem, feira da indústria fonográfica na França, produtores indicam que espaço para o país se diversifica no continente

Europa prova "sabores" musicais do Brasil

DIEGO ASSIS
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

De quando em quando, os ventos sopram a favor do Brasil. E é em meio a uma dessas novas lufadas verde-e-amarelas, que arrasta consigo sandálias Havaianas, novas promessas do futebol e supermodelos de biquínis, que o país começa a construir uma outra imagem de si mesmo.
Quem circulou pelos corredores do Midem, maior feira mundial anual da indústria fonográfica, encerrada na última quinta-feira, em Cannes, na França, não foi servido (apenas) com o esperado coquetel bossa nova e axé music. Pelo contrário, na noite em que o Brasil foi destaque e que abriu, simbolicamente, o Ano do Brasil na França, os franceses provaram um pouco do exótico bandolim de Hamilton de Holanda (que não é choro), do samba vira-lata de Seu Jorge e do tempestuoso Cordel do Fogo Encantado. Aplaudiram todos.
"Há um potencial enorme para a nova música brasileira na Europa", sublinha o alemão Frank Hessing, dono de uma agência de consultoria, a MusiConsult, especializada em oferecer os aperitivos brasileiros para os cardápios musicais de gravadoras e selos em todo o mundo. "Durante muitos anos, os europeus tinham uma certa imagem do Brasil, que era baseada apenas em certos fragmentos de bossa nova e samba, mas que não dava conta da diversidade que existe no Brasil. Só com [a turnê de 95 de] Chico Science e Nação Zumbi, é que o europeu passou a perceber que tinha mais, que tinha rock, que tinha música eletrônica", aponta.
A opinião de Hessing é quase unânime entre os diversos personagens envolvidos nesse novo quadro ouvidos pela Folha. "Tudo o que não é cantando em inglês é world music. E a world music moderna não é mais aquela coisa hippie de antigamente. São artistas que, como a Björk, conseguem romper as fronteiras do isolamento musical, mas usando sempre as raízes da sua cultura", defendeu Marc Hollander, proprietário da gravadora belga Crammed Discs, que, sob o selo Ziriguiboom, lança vários artistas brasileiros desde 1998.
Mais que uma ponte entre os mercados, Hollander diz que faz questão de produzir pessoalmente cada um desses álbuns, que incluem tanto nomes conhecidos do público brasileiro, como Trio Mocotó, Celso Fonseca e Bebel Gilberto, que sozinha rendeu 1 milhão de cópias vendidas para a Crammed, quanto outros mais obscuros, como a cantora Cibele e o grupo brasileiro-holandês Zuco 103.
No início de março, a Crammed promove o lançamento mundial do novo disco de DJ Dolores com a Aparelhagem. Uma semana antes, vale destacar, de o álbum chegar às lojas do Brasil.
"A música brasileira acabou se tornando uma das coisas mais importantes da gravadora nos últimos cinco anos", afirma o belga, que conta com a ajuda de Béco Dranoff e dos próprios artistas que contrata para o garimpo de novas pepitas. "Não estou interessado em vê-los estourar. Quero desenvolver suas carreiras de forma consistente. Qualquer superexposição acaba virando um problema, as pessoas não querem mais ouvir nem falar."
A idéia de superexposição também levanta os cabelos do inglês David Buttle, diretor administrativo do selo Mr. Bongo, que licenciou internacionalmente o primeiro álbum de Seu Jorge e, atualmente, tem apostado todas as suas fichas no funk carioca. "Sempre que vejo os DJs tocando [funk carioca] nos clubes de tecno e electro da Inglaterra me lembro dos primeiros anos do punk, com os Sex Pistols, e as pessoas pulando enlouquecidas sem saberem direito o que era aquilo", disse Buttle, que tem também no catálogo Marcelo D2, Marcelinho da Lua e Black Alien, o qual ajudou a emplacar num comercial de televisão da Nissan, no ano passado.
Por fim, não é só de remixes, neo-sambistas e modernos afins que é formada a nova safra de brasileiros que vem desembarcando na Europa. Entre os nomes que se apresentam na França entre março e dezembro deste ano estão incluídos Coco Raízes de Arcoverde, Heleno dos 8 Baixos, Maciel Salu e o Terno do Terreiro e outros representantes do tradicionalíssimo e ainda pouco divulgado folclore pernambucano.
"Não vai mais ser show para brasileiro morando no exterior. Essa gente que for esperando um pagodinho ou um axé vai sair de lá frustrada, com certeza", adianta o produtor Paulo André Pires, responsável pelas turnês de Dolores, Siba e Silverio Pessoa pelos festivais de verão europeus.


O jornalista Diego Assis viajou à convite da BM&A.

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