São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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SHOW/CRÍTICA
Percussão e programações prevalecem
Lulu faz trajeto rumo ao samba

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
da Reportagem Local

Houvesse lógica linear orientando Lulu Santos, seu próximo disco seria de samba, ao que indica o show "Calendário", em cartaz até domingo.
A lógica interna de "Calendário" traça esse conduto: começa no rock, namora o tecno e descamba no samba -o rock de entrada, "Fogo de Palha", volta ao final, gravado, num retro-remix de puro samba.
Entre o rock e o samba, o que importa é o mais desabalado duelo do ano. De um lado, o sambista Armando Marçal comprova-se gênio musical, fazendo mágica na percussão. Do outro, o produtor pop Fábio Fonseca comanda teclados e sintetizadores, forrando o ar de barulhos de 2001.
Lulu Santos dá a liga e comanda a massa, mas seria só mais um seu show, não fosse o duelo que quer dizer que no samba e no tecno está o futuro pop brasileiro.
Primeiro ponto: não está no rock. Por isso é lamentável que Lulu tenha abortado o projeto rocker com o trio Jakaré, que ele manteve em cartaz no Rio e pensou em transformar em CD. Era o lado B de Lulu, seus não-sucessos embalados no tradicional rock'n'roll, e era um documento precioso dos lulus que brigam em Lulu.
Agora, ele se acolchoa no que há de mais quadrado em seu histórico: aquele rosário interminável de sucessos pop inquestionáveis e indestrutíveis. Não adianta nem citar, não falta nenhum. Com Marçal e Fonseca, o quadradismo dos seus versos se inverte numa enxurrada de soluções inesperadas, que faz matutar por que diabos "Calendário", o CD, é tão pouco ousado.
O set "do coração", com várias de suas melhores criaturas ("Tempos Modernos", "Um pro Outro", "Tudo Azul", o trio zen-surfismo "Sereia"/"De Repente Califórnia"/"Como uma Onda") levadas em total delicadeza, é desde já antológico.
Num espetáculo que dispõe, com doses iguais de brilho e marketing, de recursos de cenografia, iluminação, entusiasmo e entrosamento de banda, Lulu domina até mesmo interpretação (embora vá se cansando ao longo do show). Intérprete, convulsiona a platéia em "Descobridor dos Sete Mares" (de Tim Maia, sensacional nas interferências sintéticas de Fonseca e nas "naturais" de Marçal) e "Dancin" Days".
Na síntese, entre um "Fogo de Palha" e o outro -e entre as simpáticas intervenções "easy listening" no início e antes do bis- fica "Certas Coisas", bem no meio do show, levada primeiro nos conformes e depois transformada em samba, em Jorge Ben, em tecno, em música do século que vem.
É, enfim, um acontecimento. Se não é o mais criativo entre os pares de sua idade ou mais velhos, Lulu se confirma cada vez mais um dos menos acomodado entre eles. É frio, calculista e preciso. São as mãos sujas do rabo preso com a indústria a serviço da depuração do pop, tanto quanto o contrário. É vida e samba e tecno no mofo. O monstro respira.


Avaliação:     


Show: Calendário Artista: Lulu Santos Onde: Palace (al.dos Jamaris, 213, Moema, tel. 0/xx/11/5051-4900)
Quando: hoje e amanhã, às 22h, e domingo, às 19h Quanto: R$20 a R$55


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