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Sonhos tecendo a vida real
"A Vida Sonhada dos Anjos", primeiro longa do cineasta francês Erick Zonca consagra diretor e elenco e estréia hoje em São Paulo
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BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Erick Zonca, 42, é hoje praticamente uma unanimidade. Depois
de três curtas-metragens, seu primeiro longa, "A Vida Sonhada
dos Anjos" (1998), ganhou o prêmio de melhor atriz em Cannes
(dividido entre Elodie Bouchez e
Natacha Régnier) e foi recebido
com todos os louros na França e
nos Estados Unidos.
Zonca não é o modelo de cineasta francês. Não se pode dizer
que seja um homem teórico. Nascido num meio pequeno-burguês
do interior, com uma formação
muito pouco cultural e fascinado
pelo cinema americano, saiu de
casa cedo e foi para Nova York,
onde se matriculou num curso
para atores. Ao voltar para a França, começou a trabalhar como estagiário de cinema e acabou consagrado com "A Vida Sonhada
dos Anjos".
Seu próximo filme (para TV) irá
ao ar no início do ano que vem.
Chama-se "Le Petit Voleur" (O
Ladrãozinho) e se passa em Marselha. Hoje, Zonca trabalha em
Paris no roteiro de um novo projeto: "É ainda um rascunho. São
só premissas", diz. Leia, a seguir, a
entrevista que Zonca deu à Folha,
por telefone, na semana passada.
Folha - Você já disse que não
foi influenciado pelo cinema
francês mas que, antes, sofreu
uma atração do cinema americano.
Erick Zonca - Isso foi há 20
anos. Gosto do cinema americano
de autor: Scorsese, Coppola, Cassavetes, Abel Ferrara. Mas fui
muito influenciado pelo cinema
francês, por Godard, Pialat, Truffaut, a nouvelle vague. Estava
pensando em Pialat quando fiz "A
Vida Sonhada dos Anjos".
Folha - O que você via no cinema americano há 20 anos que
não existia no cinema francês?
Zonca - Eram aventuras que se
ligavam ao real. Havia as duas coisas ao mesmo tempo, um cinema
que fazia você descobrir a ficção,
só que muito colada ao real.
Folha - Mas o seu filme não
tem nada a ver com o cinema
americano. Há inclusive uma cena em que as duas protagonistas fazem um teste para garçonete e imitam Madonna e Lauren Bacall. Não há aí uma ironia
melancólica em relação à cultura pop americana?
Zonca - Não. É antes em relação
ao comércio que se faz a partir da
cultura americana na Europa, nos
supermercados, nos bares, nos
restaurantes. É inevitável o fascínio pela cultura americana, mas
ao mesmo tempo é irritante, ela
nos encobre completamente.
Folha - O cinema francês poderia sobreviver diante da
ameaça americana sem o auxílio
do Estado?
Zonca - Sem os recursos do Estado não daria para fazer cinema
na França. O jovem cinema francês não tem espectadores suficientes para fazer face ao cinema
americano. Talvez essa situação
mude com os canais de televisão.
Folha - No cinema americano
recente há uma obsessão pela
família, mesmo entre os independentes. No seu filme, ao
contrário, as relações familiares
são periféricas, quase inexistentes. Os personagens são nômades e solitários.
Zonca - Queria falar de personagens separados de suas famílias. Duas garotas entregues a si
mesmas no mundo de hoje. Elas
apenas evocam suas famílias. Não
queria sobrecarregar tudo com
um contexto familiar. Queria falar
das garotas. O interessante era
não determiná-las pelos seus passados.
Folha - Você acha que pode
haver mais verdade e intensidade nessa vida alternativa?
Zonca - São apenas duas garotas marginais, sem pontos de referência ou contato. Queria mostrar
como uma se vira em sua capacidade de reencontro com o mundo
e como para a outra, que é mais
fechada, as coisas são mais difíceis.
Folha - Você baseou os personagens em pessoas reais. É sempre assim que você trabalha?
Zonca - É o que todos fazemos.
Observamos o que se passa em
volta. É assim que trabalham os
escritores. Mesmo quando estamos totalmente na ficção. São
personagens que encontramos na
vida.
Folha - Você diz que nunca
parte de um ponto de vista teórico. Foi isso que o afastou de
uma certa tradição do cinema
francês e o ligou ao cinema
americano?
Zonca - Houve outras razões.
Quando eu era jovem, não tinha
muita cultura. Conhecia mais o
cinema americano, como todo espectador. Descobri o cinema
francês nos Estados Unidos,
quando estudava teatro em Nova
York.
Folha - Que diferença você vê
entre o que você faz e o que fazem os cineastas mais próximos
dos "Cahiers du Cinéma", por
exemplo?
Zonca - Para mim é um pouco
difícil dizer. Gosto de cineastas
como Olivier Assayas. Acho que
são bastante fortes. Já o que eles
dizem é problema deles. Estou
mais próximo de gente como Manuel Poirier. Gente que conta histórias.
Folha - Qual a sua opinião sobre o manifesto Dogma 95?
Zonca - Eles estão se divertindo.
Gostei dos dois primeiros filmes.
Thomas Vinterberg é um sujeito
muito talentoso. Seu próximo filme não tem nada a ver com "Festa
de Família". O próximo filme de
Lars Von Trier é uma comédia
musical. Eles se divertem provocando o mundo dos críticos e dos
jornalistas. Entre os cineastas, o
Dogma não diz nada. Vemos os
jornalistas e os críticos achando
graça ou se irritando, mas o Dogma não representa nada para nós.
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