CYNARA MENEZES
da Reportagem Local

A primeira coisa que vem à cabeça ao assistir "Instinto", com Anthony Hopkins e Cuba Gooding Jr., é: por que o cinema norte-americano se interessa tanto por filmes com e sobre gorilas?
Desde o primeiro "King Kong" (1933), o animal representa sempre o mesmo papel de "elo perdido" entre a civilização e a barbárie -repleto dos melhores sentimentos, apesar da aparência.
"Instinto" parece o resultado do cruzamento esquisito de "Na Montanha dos Gorilas" (88) com "O Silêncio dos Inocentes" (91).
Ligeiramente inspirado no livro "Ismael", de Daniel Quinn (ed. Peirópolis), o filme traz Hopkins como um estudioso dos primatas que, de volta de uma período entre gorilas na África, está preso por matar dois guardas florestais.
Um jovem e ambicioso psiquiatra (Gooding Jr.) se interessa pelo caso. Fazer o "homem-macaco" voltar a falar é todo um desafio que o irá lançar como um foguete em direção ao topo da profissão.
Como acontece entre o Hannibal Lecter e a agente do FBI Clarice Starling (Jodie Foster) em "O Silêncio dos Inocentes", a relação entre ambos se transforma em um tenso embate professor-aluno pelo qual, aos sustos, o psiquiatra vai se tornando "um ser humano melhor", quase tão bom quanto os gorilas que Ethan Powell (Hopkins) conheceu na selva.
A tensão é constante: irá o cientista atacar também o pupilo e se entregar de vez ao lado animal?
Logo, a parte lacrimogênea, representada pela filha de Powell, saudosa do pai que deixou a família humana pela símia. E a mensagem: o progresso e as ambições pessoais estão fazendo o homem esquecer sua "humanidade".
Espertamente, o "civilizado" é representado pelo negro Gooding Jr.; o "selvagem", pelo branco Hopkins, o que dá um lustro politicamente correto à coisa. Ambos perfeitos em seus papéis.
Mas, tão pródiga em "gorilâncias", a indústria norte-americana persiste em não quebrar um velho tabu: o clima de romance entre o psiquiatra negro e a filha branca do cientista é evidente. Não "rola", porém, um só beijo.
Mostrar o amor do cientista pelos gorilas, os toques carinhosos entre o homem e o animal, as trocas de olhares, parece, pelo visto, bem mais aceito por lá.

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