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Um olhar adolescente da guerra no Líbano
O diretor Ziad Doueiri, cameraman de "Pulp Fiction" e "Um Drink no Inferno", faz seu primeiro longa-metragem, filmado em Beirute, testamento ficcional sobre como crescer em meio ao caos
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PAULO VIEIRA
especial para a Folha, em Londres
O Líbano deixou de ser manchete dos noticiários internacionais nos últimos tempos, mas, ao
longo dos 70 e dos 80, foi um lugar
em que bombas, zonas interditadas, parentes mortos e patrulhamento estrangeiro faziam parte
dos fatos ordinários da vida.
Sua dividida capital, Beirute,
serviu de cenário para uma autofagia religiosa entre cristãos e muçulmanos, o nascimento da OLP
(Organização para a Libertação
da Palestina) e a presença reiterada e incômoda de tropas sírias.
Ziad Doueiri, cameraman de
"Pulp Fiction" e "Um Drink no
Inferno", de Quentin Tarantino,
nasceu e cresceu em Beirute. Aos
20, foi estudar cinema em Los Angeles, deixando Beirute em meio
ao caos (veja quadro). "West Beirut" (Beirute Oeste), seu primeiro
longa-metragem, é seu testamento -ficcional, ele faz questão de
frisar- de como é crescer nesse
lugar durante a eclosão da guerra.
Tendo como protagonistas dois
adolescentes (Omar e Tarek), o
filme, contudo, não é um relato
gris de uma adolescência perdida.
É uma celebração juvenil em meio
a um fato extraordinário. A guerra, quando muito, serve para interromper as aulas.
"West Beirut" está em cartaz em
Londres, estréia em setembro nos
EUA e não tem previsão para o
Brasil. Ziad Doueiri falou à Folha
de Los Angeles.
Folha - Por que um filme sobre
a guerra do Líbano?
Ziad Doueiri - O filme não é sobre a guerra, embora ela esteja lá,
como background. Eu queria
meus protagonistas como meros
teens, crescendo em qualquer lugar. Suas necessidades são as mesmas de qualquer outro adolescente, exceto pela situação aguda que
os cerca. Por acaso, descobrem o
que os cerca, interessam-se pelos
perigos envolvidos, jogam-se naquilo em que deveriam estar fora.
Se falo da guerra no Líbano, e não
de qualquer outra, é porque eu
cresci lá, eu amo a cidade, lembro
de Beirute como uma cidade livre.
Folha - Por que o sr. escolheu
teens para os principais papéis?
Doueiri - Porque minhas lembranças de Beirute têm essa perspectiva. Se eu fosse adulto quando
a guerra começou, o filme seria
mais sério e dark. Os garotos têm
menos responsabilidades, podem
se movimentar em meio à confusão com muito mais facilidade.
Folha - Houve alguma pressão,
de grupos políticos ou religiosos, por mudanças no filme?
Doueiri - Absolutamente. Eu
não havia me comprometido com
nada ou ninguém. Expressei minha opinião. Quando o filme foi
mostrado ao Comitê de Censura
libanês, achei que seria censurado. Mas eu preferia não exibir jamais o filme no Líbano a ter que
mudar alguma frase. Falei isso a
eles. Deixaram o filme intacto.
Folha - O sr. enfrentou algum
problema para filmar?
Doueiri - Não. A situação em
Beirute, contrária à crença popular, é bastante estável. O governo
forneceu tudo que precisávamos
de graça: soldados, armas, bombas. O problema é que meu orçamento era muito baixo, US$ 800
mil. No final, toda a equipe e o
elenco haviam perdido peso.
Folha - O filme, talvez por ser
o primeiro a retratar o tema,
tornou-se, para alguns críticos,
um documento sobre a guerra
no Líbano. É justa essa impressão?
Doueiri - Não o considero como
um documento. Eu mudei algumas datas e eventos, mas há pessoas que estão muito ligadas ao
passado e não conseguem aceitar
isso apenas como referência. Na
verdade, não conseguem aceitar
"West Beirut" como um simples
filme. Acho que a maioria dos espectadores do filme percebeu
meu ponto de vista e se divertiu. A
reação dos libaneses, por exemplo, foi muito interessante. Eu
achei que os jovens, sem memórias da guerra, não iam se interessar pelo filme. Mas, ao contrário, a
maior platéia no Líbano foi de
teens. Eu os ouvi dizer que não
imaginavam os anos 70 tão divertidos.
Folha - Alguns jornais ingleses
destacaram os erros de datas e
fatos históricos de seu filme. Isso o incomodou?
Doueiri - As únicas pessoas que
conhecem esses detalhes são alguns libaneses, além de alguns especialistas em Oriente Médio. O
resto do mundo não sabe ou não
se preocupa. Usei esses eventos
como símbolos. Meu filme não é
um documentário. A primeira
coisa que se aprende na escola de
cinema é esquecer a realidade. Tenho o direito de mexer na realidade à medida que construo um roteiro lógico, à medida que provoco sentimentos do público. Pode-se chamar isso de propaganda,
mas por acaso o filme não é uma
forma de propaganda?
Folha - O filme foi bem-sucedido no Líbano?
Doueiri -Ele é o recordista de bilheteria entre os filmes árabes e libaneses exibidos lá. Poderia até
arrecadar mais, mas ele foi exibido na TV antes do lançamento em
cinema. Os financiadores do filme, uma rede de canais de TV
francesa, tinham o direito de exibição. A França deve ser o único
país que se interessa por cinema
estrangeiro... Ironicamente, critico o colonialismo francês no começo do filme.
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