São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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Um olhar adolescente da guerra no Líbano


O diretor Ziad Doueiri, cameraman de "Pulp Fiction" e "Um Drink no Inferno", faz seu primeiro longa-metragem, filmado em Beirute, testamento ficcional sobre como crescer em meio ao caos


PAULO VIEIRA
especial para a Folha, em Londres

O Líbano deixou de ser manchete dos noticiários internacionais nos últimos tempos, mas, ao longo dos 70 e dos 80, foi um lugar em que bombas, zonas interditadas, parentes mortos e patrulhamento estrangeiro faziam parte dos fatos ordinários da vida.
Sua dividida capital, Beirute, serviu de cenário para uma autofagia religiosa entre cristãos e muçulmanos, o nascimento da OLP (Organização para a Libertação da Palestina) e a presença reiterada e incômoda de tropas sírias.
Ziad Doueiri, cameraman de "Pulp Fiction" e "Um Drink no Inferno", de Quentin Tarantino, nasceu e cresceu em Beirute. Aos 20, foi estudar cinema em Los Angeles, deixando Beirute em meio ao caos (veja quadro). "West Beirut" (Beirute Oeste), seu primeiro longa-metragem, é seu testamento -ficcional, ele faz questão de frisar- de como é crescer nesse lugar durante a eclosão da guerra.
Tendo como protagonistas dois adolescentes (Omar e Tarek), o filme, contudo, não é um relato gris de uma adolescência perdida. É uma celebração juvenil em meio a um fato extraordinário. A guerra, quando muito, serve para interromper as aulas.
"West Beirut" está em cartaz em Londres, estréia em setembro nos EUA e não tem previsão para o Brasil. Ziad Doueiri falou à Folha de Los Angeles.

Folha - Por que um filme sobre a guerra do Líbano?
Ziad Doueiri -
O filme não é sobre a guerra, embora ela esteja lá, como background. Eu queria meus protagonistas como meros teens, crescendo em qualquer lugar. Suas necessidades são as mesmas de qualquer outro adolescente, exceto pela situação aguda que os cerca. Por acaso, descobrem o que os cerca, interessam-se pelos perigos envolvidos, jogam-se naquilo em que deveriam estar fora. Se falo da guerra no Líbano, e não de qualquer outra, é porque eu cresci lá, eu amo a cidade, lembro de Beirute como uma cidade livre.

Folha - Por que o sr. escolheu teens para os principais papéis?
Doueiri -
Porque minhas lembranças de Beirute têm essa perspectiva. Se eu fosse adulto quando a guerra começou, o filme seria mais sério e dark. Os garotos têm menos responsabilidades, podem se movimentar em meio à confusão com muito mais facilidade.

Folha - Houve alguma pressão, de grupos políticos ou religiosos, por mudanças no filme?
Doueiri -
Absolutamente. Eu não havia me comprometido com nada ou ninguém. Expressei minha opinião. Quando o filme foi mostrado ao Comitê de Censura libanês, achei que seria censurado. Mas eu preferia não exibir jamais o filme no Líbano a ter que mudar alguma frase. Falei isso a eles. Deixaram o filme intacto.

Folha - O sr. enfrentou algum problema para filmar?
Doueiri -
Não. A situação em Beirute, contrária à crença popular, é bastante estável. O governo forneceu tudo que precisávamos de graça: soldados, armas, bombas. O problema é que meu orçamento era muito baixo, US$ 800 mil. No final, toda a equipe e o elenco haviam perdido peso.

Folha - O filme, talvez por ser o primeiro a retratar o tema, tornou-se, para alguns críticos, um documento sobre a guerra no Líbano. É justa essa impressão?
Doueiri -
Não o considero como um documento. Eu mudei algumas datas e eventos, mas há pessoas que estão muito ligadas ao passado e não conseguem aceitar isso apenas como referência. Na verdade, não conseguem aceitar "West Beirut" como um simples filme. Acho que a maioria dos espectadores do filme percebeu meu ponto de vista e se divertiu. A reação dos libaneses, por exemplo, foi muito interessante. Eu achei que os jovens, sem memórias da guerra, não iam se interessar pelo filme. Mas, ao contrário, a maior platéia no Líbano foi de teens. Eu os ouvi dizer que não imaginavam os anos 70 tão divertidos.

Folha - Alguns jornais ingleses destacaram os erros de datas e fatos históricos de seu filme. Isso o incomodou?
Doueiri -
As únicas pessoas que conhecem esses detalhes são alguns libaneses, além de alguns especialistas em Oriente Médio. O resto do mundo não sabe ou não se preocupa. Usei esses eventos como símbolos. Meu filme não é um documentário. A primeira coisa que se aprende na escola de cinema é esquecer a realidade. Tenho o direito de mexer na realidade à medida que construo um roteiro lógico, à medida que provoco sentimentos do público. Pode-se chamar isso de propaganda, mas por acaso o filme não é uma forma de propaganda?

Folha - O filme foi bem-sucedido no Líbano?
Doueiri -
Ele é o recordista de bilheteria entre os filmes árabes e libaneses exibidos lá. Poderia até arrecadar mais, mas ele foi exibido na TV antes do lançamento em cinema. Os financiadores do filme, uma rede de canais de TV francesa, tinham o direito de exibição. A França deve ser o único país que se interessa por cinema estrangeiro... Ironicamente, critico o colonialismo francês no começo do filme.


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