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Sem Shirley Horn, jazz perde sua suavidade
Cantora e pianista, que sofria de diabetes, morreu aos 71 anos
CARLOS CALADO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O jazz perdeu uma de suas vozes mais sublimes, talvez a mais
suave delas. A cantora e pianista
norte-americana Shirley Horn
morreu aos 71 anos, após uma
longa batalha contra a diabetes.
Nem mesmo a amputação de seu
pé direito, em 2002, a impediu de
se manter nos palcos.
Seu estilo vocal era único, uma
marca registrada. Apreciadora de
baladas românticas e lentas, cantava como se sussurrasse. Entre
cada palavra ou frase das canções,
introduzia longos espaços de silêncio, procedimento que reforçava a atmosfera intimista, o tom
"cool" de suas interpretações.
"Espaço é umas das coisas mais
importantes para mim, porque
me dá tempo para sentir o que estou cantando. Quero que o ouvinte sinta o que estou sentindo", disse em 2003, dias antes de vir pela
última vez ao Brasil, para se apresentar no Tim Festival.
Nascida em Washington, onde
passou quase toda a vida, Shirley
Horn começou a estudar piano
aos quatro anos. Aprendeu a cantar ouvindo outras grandes divas
do jazz que a precederam, como
Billie Holiday, Ella Fitzgerald e
Carmen McRae. "Tive a sorte de
surgir depois dos grandes dinossauros", brincava, referindo-se a
essa geração.
Lançado em 1960, "Embers and
Ashes", seu disco de estréia, impressionou o trompetista Miles
Davis, que a convidou a abrir uma
de suas temporadas no lendário
clube Village Vanguard, em Nova
York, no ano seguinte. O impacto
dessas apresentações levou-a gravar outros discos, como "Shirley
Horn With Horns" (1963), produzido pelo influente Quincy Jones.
Quando tudo indicava que ela
se tornaria logo uma grande estrela, o nascimento da filha Rainy
estimulou-a a reduzir drasticamente o ritmo da carreira, em
meados dos anos 60. Para se dedicar mais à família, durante as
duas décadas seguintes, só fez
temporadas ocasionais em Washington e algumas gravações para
um selo europeu.
Sua redescoberta pelo grande
público se deu a partir de 1986.
Contratada pelo selo de jazz Verve, gravou 14 discos. Em "You
Won't Forget Me" (1990) contou
com participações dos trompetistas Miles Davis e Wynton Marsalis, assumidos desafetos. Também
gravou CDs dedicados às obras de
Davis ("I Remember Miles",
1997) e Ray Charles ("Light Out of
Darkness", 1993).
Fã da música brasileira, em outras vindas ao país participou de
homenagens a Tom Jobim: no
Free Jazz Festival, em 1993, e no
Heineken Concerts, em 1999.
Chegou até a planejar um projeto
com Jobim, mas não tiveram tempo para isso. "Ele era a pessoa certa para me mostrar qual seria o espírito de um disco brasileiro", dizia, lamentando a morte do compositor, ocorrida em 1994.
Apesar de servir de exemplo a
outras cantoras e pianistas, como
a canadense Diana Krall ou a brasileira Eliane Elias, Shirley Horn
não chega a deixar herdeiras. Talvez seu estilo tão pessoal tenha
desestimulado possíveis seguidoras: qualquer imitação seria flagrada facilmente.
Jon Pareles, crítico do jornal
"New York Times", foi feliz ao escrever que uma canção poderia se
considerar sortuda ao ser escolhida por Shirley Horn. Afinal, ela
era capaz de transformar até uma
lista de supermercado em algo
musical. Como nós, as canções
eleitas pela diva da suavidade estão se sentindo órfãs.
Carlos Calado é jornalista e crítico musical, autor de "O Jazz Como Espetáculo"
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