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"OS SONHADORES"
Filme é praticamente todo ambientado dentro de um grande apartamento, na Paris de maio de 1968
Bertolucci interioriza sonhos cinematográficos
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Segundo a lógica cruel dos
modismos cinematográficos,
Bernardo Bertolucci está "em baixa". Seus filmes recentes já não
desfrutam o prestígio dos grandes
prêmios, não caem nas graças da
crítica e tampouco colhem os louros do mercado. A trajetória quase inócua de "Os Sonhadores" é
um bom exemplo desse limbo em
que Bertolucci caiu, e que também afetou, de maneira cruel, o
anterior "Assédio" (1998).
"Os Sonhadores" foi exibido pela primeira vez no Festival de Veneza do ano passado, fora de
competição. As primeiras reações
o rotularam de "ingênuo", "risível" e até mesmo de "reacionário". O lançamento nos Estados
Unidos, no fim do ano passado, limitou-se a uma só polêmica: se a
distribuidora deveria ou não cortar os nus frontais masculinos para que o filme pudesse receber
uma classificação indicativa menos rigorosa (não cortou mas
também não investiu um tostão
no seu lançamento). Pouco depois, o filme caiu em um amargo
esquecimento.
É difícil encontrar razões para
tanto desprezo. Talvez elas estejam no fato de Bertolucci ter optado por situar seu filme em maio
de 68 em Paris, uma época de difícil aproximação, por ainda estar
cercada de afetos e de mitos. Opção ainda mais arriscada, talvez,
tenha sido a de evitar uma abordagem mais óbvia, que fosse submissa aos ditames do cinema político tradicional. Se maio de 1968
sugeria o épico, Bertolucci optou
pelo "filme de câmara"; se sugeria
uma juventude militante e obstinada, ele preferiu mostrar jovens
que se mantiveram à distância
desse perfil.
Quase todo o filme se passa dentro de um amplo apartamento parisiense onde dois irmãos (Eva
Green e Louis Garrel) aproveitam
a ausência dos pais para praticar
jogos sexuais e cinematográficos
com o amigo americano (Michael
Pitt), que eles conheceram há
pouco na porta da Cinemateca
Francesa. Como a belíssima casa
romana que serviu de cenário para "Assédio", Bertolucci filma esse apartamento parisiense como
um espaço do desejo. A arquitetura interna é muito mais importante do que a exterioridade, que a
certa altura invade o apartamento
violentamente, na forma de uma
pedra que quebra a janela (já quase no fim do filme, quando os protestos nas ruas de Paris se tornaram mais violentos).
Bertolucci não segue a cartilha
do filme político, mas nem por isso abandona a política. Esta transparece no filme em outras formas,
sobretudo carnal (o sexo), e espiritual (a literatura, o cinema e a
música, que são temas de discussões inflamadas).
O que Bertolucci filma, com a
fluidez de um diretor amadurecido, são três jovens descobrindo
imensos prazeres da vida. Entre as
quatro paredes de um quarto
aconchegante eles recriam momentos de filmes que são evocados literalmente, em montagem
paralela, como "Rainha Cristina",
com Greta Garbo, ou "Mouchette", de Robert Bresson.
E, em um dos raros momentos
que o filme escapa do apartamento, os três correm pelo museu do
Louvre recriando a clássica cena
de "Band à Part", de Godard. Detalhes que fazem de "Os Sonhadores", para qualquer pessoa que
ama o cinema, um sonho (erótico) particularmente maravilhoso.
Os Sonhadores
The Dreamers
Produção: Itália/França/Reino Unido/EUA
Direção: Bernardo Bertolucci
Com: Michael Pitt, Eva Green
Quando: hoje, às 23h30, na Sala UOL;
outras exibições amanhã (23/10), domingo (24/10) e quarta (27/10)
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