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"BRASÍLIA 18%"
Nelson filma poder em clima alucinatório
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A atmosfera é um dado determinante em não poucos
filmes de Nelson Pereira dos Santos. Era assim em "Rio 40 Graus"
(55), um canto ao modo de ser da
então capital federal, a seu povo e
a seu calor. Também em "Vidas
Secas" (63), a estiagem infernal
determinava o destino dos personagens e seu modo de vida.
É assim, novamente, que as coisas acontecem em "Brasília 18%",
a cifra dizendo respeito à umidade relativa do ar no Distrito Federal. Uma secura diferente da de
"Vidas Secas", por certo, mas não
menos rica em efeitos. Aqui, o legista Olavo Bilac (Carlos Alberto
Riccelli) chega dos EUA para dar
seu parecer sobre o caso da suposta morte de uma jornalista. Será
dela a ossada encontrada?
Se confirmar essa hipótese, seria
uma mão na roda para um monte
de gente em Brasília, a começar
pelo influente senador Sílvio Romero (Carlos Vereza). Mas a coisa
não parece tão simples. Nosso Bilac, sob o efeito depressivo do luto
(a morte da mulher), do calor e,
quem sabe, das pressões que recebe para dar o resultado do laudo,
passa a ter alucinações.
Na verdade, suas visões de Eugênia Câmara (Karine Carvalho)
podem ser ou não alucinações. Eis
algo que nunca fica inteiramente
claro no filme e é seu fundamento
menos ficcional do que atmosférico: tudo o que acontece em Brasília parece sofrer o efeito da seca.
Como se trata da gente do poder,
ninguém passa sede nem é obrigado a migrar. Em compensação,
todos os acontecimentos parecem
contaminados por um elemento
alucinatório. A seca se dá no interior das pessoas.
Esse diagnóstico de Nelson Pereira -até onde eu saiba bastante
original- evita-lhe o dissabor de
nomear os políticos envolvidos
em escândalos. É uma medida sábia, que evita localizar uma crise
em particular, o que reduziria demais o alcance do filme.
Ainda assim, o espectador pode
imaginar alguns dos personagens
envolvidos: o senador de destaque e sua bela filha (Malu Mader)
nos fazem pensar em José Sarney,
o legista remete a Badan Palhares,
do caso PC Farias. Mas nada garante que tais associações não sejam senão alucinações produzidas pelo filme sobre nós.
Esse não é o único artifício a que
recorre o autor. A idéia de "colar"
nomes de vultos literários quase
sempre nacionais aos personagens reforça essa atmosfera de irrealidade que os cerca, enquanto,
paradoxalmente, o filme se dedica
a detalhar uma corrupção que
existe menos nos fatos do que nos
rostos, nos modos sarcásticos, no
hábito de tramar por tramar que
caracteriza políticos e assessores
(sobretudo assessores).
Que ao final ninguém saiba se
estamos diante de um filme político, policial ou fantástico não deixa de ser um mérito adicional,
que condiz bastante com a imagem que fazemos de Brasília.
Com habilidade, Nelson Pereira
não permite que o sentido assente
e se revele durante 3/4 do filme.
Pena que no quarto final este filme de mestre se empenhe tanto
em encaminhar o fim da trama.
Com isso, a forte ambigüidade
criada até ali se dissolve para passar pelo gargalo das convenções.
Brasília 18%
Direção: Nelson Pereira dos Santos
Produção: Brasil, 2006
Com: Carlos Alberto Riccelli, Othon Bastos
Quando: a partir de hoje nos cines HSBC
Belas Artes, Pátio Higienópolis e circuito
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