São Paulo, Segunda-feira, 20 de Dezembro de 1999


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LITERATURA
Escritor paulista lança coletânea de contos fantásticos em que satiriza a passividade dos homens no cotidiano das cidades
Loyola põe humanidade frente ao absurdo

Evelson de Freitas/Folha Imagem
O autor Ignácio de Loyola Brandão durante entrevista; ao fundo, foto desfocada dele e da mulher


SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada


Vestir-se de maneira sóbria, não xingar, não criticar, não devolver comida estragada. São algumas dicas de um dos personagens de Ignácio de Loyola Brandão para que as pessoas se protejam dos perigos do cotidiano nas grandes cidades brasileiras.
Para caricaturar esses perigos, Loyola, 62, criou cinco situações absurdas, kafkianas, em seu mais novo livro, a coletânea de contos "O Homem Que Odiava a Segunda-Feira - As Aventuras Possíveis". As histórias giram em torno de acontecimentos surreais, grotescos e trágicos, como o homem que tem sua mão decepada por uma caixa de correio, ou o outro que perde sua sombra, ou ainda aquele que acorda de repente falando uma língua ininteligível.
Mas o foco de preocupações de Loyola não é o aparecimento do fantástico, e sim a incapacidade dos homens de se impressionar com os fatos absurdos.
Como elo de ligação, Loyola usou uma convenção internacional: a "síndrome da segunda-feira", o sentimento de angústia e ansiedade que as pessoas sentem nesse dia da semana e que, segundo ele, as tornaria propensas para viver situações irreais.
Leia abaixo trechos da entrevista que Loyola concedeu à Folha, em São Paulo.

Folha - Por que você odeia as segundas-feiras?
Ignácio de Loyola Brandão -0
Tenho algumas razões baseadas em minha experiência. Por exemplo, a minha primeira namorada terminou comigo numa segunda-feira. Eu tinha 10 anos e vivia em Araraquara (cidade natal do escritor). Mais tarde, fui reprovado no colégio ao fazer uma prova de matemática numa segunda-feira. Li recentemente que nos Estados Unidos se estuda a "síndrome da segunda-feira" no nível acadêmico. É um dia em que as pessoas estão mais ansiosas e agitadas. Por isso achei que seria interessante unir uma série de histórias que tivessem em comum o temperamento estranho que as pessoas têm nesse dia e apresentar situações absurdas que elas então aceitariam, porque, atualmente, estamos perdendo a capacidade de nos impressionar com aberrações.

Folha - Você faz com que as situações de absurdo pareçam possíveis para as pessoas por causa das pressões da vida moderna. Isso tem um pouco de cômico -como o fato de um personagem perder a mão dentro de uma caixa de correio- e muito de trágico -pois a aberração não causa espanto em ninguém. Como é trabalhar entre a comicidade e a tragédia?
Loyola -
Dei ao livro o subtítulo "As Aventuras Possíveis", porque, hoje em dia, a gente está aceitando tudo. Não nos assombramos com coisas absurdas que acontecem. Vou dar um exemplo recente. O caso do jovem que entrou no cinema e metralhou pessoas foi esquecido em poucos dias. Hoje lembramos dele, mas não nos assustamos mais.

Folha - Algumas pessoas presentes na sala do cinema acharam que os tiros fossem um truque de marketing, da mesma forma que a sua personagem reage ao ver o homem sem a mão (no conto "A Mão Perdida na Caixa do Correio").
Loyola -
Exatamente. Porque não temos mais referencial para distinguir o real e o não-real. É tão louca a nossa época que as pessoas estão levando tiros e estão achando que podem não ser tiros reais. Há uma mania de interação no mundo do entretenimento e isso contribui para que não saibamos mais o que é e o que não é.
Para falar das pessoas que não percebem o absurdo, eu uso, no livro, um primeiro instante de horror e um segundo de comicidade. É a fórmula da velha tragicomédia. Quando eu escrevi "Não Verás País Nenhum", que é um livro que fala do Brasil sem árvores, sem água, do calor, eu não aguentei escrever. Parei depois das primeiras páginas e só continuei ao perceber que eu devia ser irônico.

Folha - O livro tem dois momentos diferentes. A primeira parte traz os pequenos contos tragicômicos, a segunda ("As Cores das Bolinhas da Morte") exacerba os elementos fantásticos da primeira e é quase um thriller surrealista. O estilo lembra Jorge Luis Borges e Julio Cortázar. Há influência destes?
Loyola -
Sim, e há também um pouco de Franz Kafka, de H.P. Lovecraft, de Edgar Allan Poe. Eu li todos. É impossível se desviar dessas influências. Mas será que esses escritores não falaram deste mundo que eu descrevo? O mundo que eles vieram falando antes, ao longo dos anos, é um mundo que não muda. Depois de mim, virão outros. Aqui no Brasil, tivemos o Murilo Rubião, por exemplo. Acho que o mundo não muda e o fantástico do mundo também não muda.

Folha - Mas Belo Horizonte muda, não é? (Belo Horizonte é o cenário do conto "As Cores das Bolinhas da Morte", por onde vaga o Homem sem Sombra, um personagem que tenta entender o absurdo de algumas leis humanas)
Loyola -
O fato de ter feito esse conto se passar em Belo Horizonte é uma brincadeira. Acho que os mineiros têm um temperamento curioso. Belo Horizonte sempre me impressionou por ser uma cidade rodeada por montanhas que foram sendo destruídas por causa da extração de minério. Eu imagino aquelas montanhas como folhas de papel que compõem um cenário. Por isso, joguei dentro desse cenário uma história fantástica, mas que poderia ser real.

Folha - Os protagonistas dos contos são solitários e não têm nome. Por quê?
Loyola -
São solitários, sim, mas não infelizes, porque estão anestesiados pelo excesso de informação, pelas leis esquisitas que têm de obedecer, pela incapacidade de compreender o que estão fazendo aqui e o que é a vida. São anônimos também porque podem ser qualquer um de nós.


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