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LITERATURA
Escritor paulista lança coletânea de contos fantásticos em que satiriza a passividade dos homens no cotidiano das cidades
Loyola põe humanidade frente ao absurdo
Evelson de Freitas/Folha Imagem
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O autor Ignácio de Loyola Brandão durante entrevista; ao fundo, foto desfocada dele e da mulher |
SYLVIA COLOMBO
Editora-assistente da Ilustrada
Vestir-se de maneira sóbria,
não xingar, não criticar, não devolver comida estragada. São algumas dicas de um dos personagens de Ignácio de Loyola Brandão para que as pessoas se protejam dos perigos do cotidiano nas
grandes cidades brasileiras.
Para caricaturar esses perigos,
Loyola, 62, criou cinco situações
absurdas, kafkianas, em seu mais
novo livro, a coletânea de contos
"O Homem Que Odiava a Segunda-Feira - As Aventuras Possíveis". As histórias giram em torno
de acontecimentos surreais, grotescos e trágicos, como o homem
que tem sua mão decepada por
uma caixa de correio, ou o outro
que perde sua sombra, ou ainda
aquele que acorda de repente falando uma língua ininteligível.
Mas o foco de preocupações de
Loyola não é o aparecimento do
fantástico, e sim a incapacidade
dos homens de se impressionar
com os fatos absurdos.
Como elo de ligação, Loyola
usou uma convenção internacional: a "síndrome da segunda-feira", o sentimento de angústia e
ansiedade que as pessoas sentem
nesse dia da semana e que, segundo ele, as tornaria propensas para
viver situações irreais.
Leia abaixo trechos da entrevista que Loyola concedeu à Folha,
em São Paulo.
Folha - Por que você odeia as
segundas-feiras?
Ignácio de Loyola Brandão
-0Tenho algumas razões baseadas em minha experiência. Por
exemplo, a minha primeira namorada terminou comigo numa
segunda-feira. Eu tinha 10 anos e
vivia em Araraquara (cidade natal do escritor). Mais tarde, fui
reprovado no colégio ao fazer
uma prova de matemática numa
segunda-feira. Li recentemente
que nos Estados Unidos se estuda a "síndrome da segunda-feira" no nível acadêmico. É um dia
em que as pessoas estão mais ansiosas e agitadas. Por isso achei
que seria interessante unir uma
série de histórias que tivessem
em comum o temperamento estranho que as pessoas têm nesse
dia e apresentar situações absurdas que elas então aceitariam,
porque, atualmente, estamos
perdendo a capacidade de nos
impressionar com aberrações.
Folha - Você faz com que as situações de absurdo pareçam
possíveis para as pessoas por
causa das pressões da vida moderna. Isso tem um pouco de cômico -como o fato de um personagem perder a mão dentro
de uma caixa de correio- e
muito de trágico -pois a aberração não causa espanto em
ninguém. Como é trabalhar entre a comicidade e a tragédia?
Loyola - Dei ao livro o subtítulo
"As Aventuras Possíveis", porque, hoje em dia, a gente está aceitando tudo. Não nos assombramos com coisas absurdas que
acontecem. Vou dar um exemplo
recente. O caso do jovem que entrou no cinema e metralhou pessoas foi esquecido em poucos
dias. Hoje lembramos dele, mas
não nos assustamos mais.
Folha - Algumas pessoas presentes na sala do cinema acharam que os tiros fossem um truque de marketing, da mesma
forma que a sua personagem
reage ao ver o homem sem a
mão (no conto "A Mão Perdida
na Caixa do Correio").
Loyola - Exatamente. Porque
não temos mais referencial para
distinguir o real e o não-real. É tão
louca a nossa época que as pessoas estão levando tiros e estão
achando que podem não ser tiros
reais. Há uma mania de interação
no mundo do entretenimento e
isso contribui para que não saibamos mais o que é e o que não é.
Para falar das pessoas que não
percebem o absurdo, eu uso, no
livro, um primeiro instante de
horror e um segundo de comicidade. É a fórmula da velha tragicomédia. Quando eu escrevi "Não
Verás País Nenhum", que é um livro que fala do Brasil sem árvores,
sem água, do calor, eu não aguentei escrever. Parei depois das primeiras páginas e só continuei ao
perceber que eu devia ser irônico.
Folha - O livro tem dois momentos diferentes. A primeira
parte traz os pequenos contos
tragicômicos, a segunda ("As
Cores das Bolinhas da Morte")
exacerba os elementos fantásticos da primeira e é quase um
thriller surrealista. O estilo lembra Jorge Luis Borges e Julio
Cortázar. Há influência destes?
Loyola - Sim, e há também um
pouco de Franz Kafka, de H.P. Lovecraft, de Edgar Allan Poe. Eu li
todos. É impossível se desviar
dessas influências. Mas será que
esses escritores não falaram deste
mundo que eu descrevo? O mundo que eles vieram falando antes,
ao longo dos anos, é um mundo
que não muda. Depois de mim,
virão outros. Aqui no Brasil, tivemos o Murilo Rubião, por exemplo. Acho que o mundo não muda e o fantástico do mundo também não muda.
Folha - Mas Belo Horizonte
muda, não é? (Belo Horizonte é
o cenário do conto "As Cores
das Bolinhas da Morte", por onde vaga o Homem sem Sombra,
um personagem que tenta entender o absurdo de algumas
leis humanas)
Loyola - O fato de ter feito esse
conto se passar em Belo Horizonte é uma brincadeira. Acho que os
mineiros têm um temperamento
curioso. Belo Horizonte sempre
me impressionou por ser uma cidade rodeada por montanhas que
foram sendo destruídas por causa
da extração de minério. Eu imagino aquelas montanhas como folhas de papel que compõem um
cenário. Por isso, joguei dentro
desse cenário uma história fantástica, mas que poderia ser real.
Folha - Os protagonistas dos
contos são solitários e não têm
nome. Por quê?
Loyola - São solitários, sim, mas
não infelizes, porque estão anestesiados pelo excesso de informação, pelas leis esquisitas que têm
de obedecer, pela incapacidade de
compreender o que estão fazendo
aqui e o que é a vida. São anônimos também porque podem ser
qualquer um de nós.
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