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JOÃO PEREIRA COUTINHO
A ideologia abomina o vazio
Nazir-Ali questiona: quando a comunidade cristã recua, que ideologia tomará o seu lugar?
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EXISTEM POUCAS certezas na
história política do mundo.
Mas existe um fenômeno recorrente que é possível resumir em
lei: a ideologia sempre abominou o
vazio. E, quando se destroem formas
de crença tradicionais (como nas revoluções Francesa ou Russa, por
exemplo), um novo dogma acaba
por substituir o velho dogma atacado e proscrito.
O fenômeno foi denunciado por
Burke, no século 18; por Tocqueville,
no século 19; e por Raymond Aron,
no século 20. Quando se destroem
as "religiões tradicionais", triunfam
sempre as "religiões seculares" no
seu lugar.
Essa lição básica nem sempre é tolerada por alguns intelectuais modernos, que acreditam genuinamente que uma sociedade se sustenta no vazio. Tradições, crenças ou
modos de vida particulares podem
ser abolidos sem problema; valores
como o "respeito" ou a "tolerância"
perante diferentes concepções do
bem bastarão para garantir a sobrevivência e o florescimento de uma
sociedade "liberal".
É contra essa visão otimista que
Michael Nazir-Ali se revolta. Nazir-Ali é bispo da Igreja Anglicana. E,
numa nova revista acabada de sair
na Europa ("Standpoint", dirigida
por Daniel Johnson, filho do historiador Paul Johnson), um artigo longo do bispo de Rochester merece
dois minutos de reflexão. Que nos
diz Nazir-Ali?
Uma coisa muito óbvia e, de tão
óbvia, imensamente polêmica: primeiro, que existe um recuo da "comunidade cristã" desde a década de
60 (fato). Mas Nazir-Ali não fica só
nesse truísmo; Nazir-Ali vai mais
longe e questiona: quando a "comunidade cristã" recua, que ideologia
tomará o seu lugar?
A resposta de Nazir-Ali é clara: na
Europa, o recuo da comunidade
cristã permite o avanço de ideologias radicais, como o islamismo militante, que cresce entre as comunidade imigrantes, sobretudo na
França e na Inglaterra.
As palavras de Nazir-Ali merecem
ser ouvidas. E, para complementá-las, aconselho um dos últimos livros
de Roger Scruton, "The West and
the Rest", que tive o prazer de prefaciar na sua edição portuguesa.
O livro de Scruton pretende anatomizar as relações difíceis entre o
"Ocidente" e o "islã", sobretudo à luz
dos acontecimentos do 11 de Setembro. Mas para Scruton não será possível entender as tensões entre o
"Ocidente" e o "islã" sem olhar, primeiro, para o próprio Ocidente.
E, para Scruton, o que vemos no
Ocidente é uma cultura de repúdio
que se foi instalando na Europa. Esse repúdio é múltiplo. Começa por
ser um repúdio político, visível na
forma como o Estado-nação foi sendo atacado por uma construção européia tendencialmente federal, capaz de alienar a soberania dos Estados e o sentimento de pertença fundamental dos povos aos seus países.
A recente vitória do "não" irlandês
ao Tratado de Lisboa, que os burocratas de Bruxelas se preparam para
desrespeitar, é apenas a expressão
do divórcio crescente entre os cidadãos e a União Européia, que apenas
pode conduzir à revolta popular.
Mas o repúdio não é apenas político; é também moral. E, em sintonia
com Nazir-Ali, Scruton entende
igualmente que a crescente desagregação da "comunidade cristã" foi
também a desagregação de valores
que estruturaram as democracias
européias: a dignidade da pessoa humana, por exemplo, foi substituída
por um "multiculturalismo" relativista que apenas criou o vazio ideológico que é presa fácil para programas radicais.
É esse vazio que convida as comunidades imigrantes de procedência
islâmica a procurarem uma identidade possível na pureza radical dos
códigos. A crescente atomização social é uma receita para a alienação e
para a violência dos que não se reconhecem nas sociedades de acolhimento. Confrontados com o nada,
eles procuram sempre alguma coisa.
As palavras de Scruton e de Nazir-Ali devem ser lidas sem preconceitos e, de preferência, com um mínimo de seriedade intelectual.
Será possível que a desagregação
do cristianismo na Europa tenha
conduzido os seus imigrantes a uma
crescente radicalização islamita?
Ou, dito ainda de forma mais específica, seria o cristianismo a barreira
cultural que impedia a inundação
islamita?
As perguntas não são apenas teóricas; elas adquirem uma dimensão
prática quando comparamos o
"multiculturalismo" da Europa com
a religiosidade da América. E não
acham estranho que o radicalismo
islâmico triunfe entre os imigrantes
da Europa, mas seja praticamente
desconhecido entre os imigrantes
da América?
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