|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"JOÃO E MARIA"
Crianças, bruxa, bichos, anjos e sopranos
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
É tão bonito, mas tão bonito,
que dá vontade simplesmente de mandar todo mundo para o
Municipal, assistir a "João e Maria". Para crianças de todas as idades etc.; mas o teatro estava mesmo cheio de crianças, sexta passada, e nenhuma pediu para ir embora. Era uma ópera alemã de fins
do século 19, e ninguém com menos de 12 anos deu qualquer importância ao fato. Com mais de
12, já se começa a ser musicólogo;
aí o espanto é menos espontâneo,
mas talvez seja ainda maior.
Primeiro a cena, depois a música. Cenários e figurinos deslumbrantes, de Fernando Anhê, num
registro que vai do "folk" alemão
a toques de orientalismo, harmonizados na idéia de ilustração de
livro. Reforçada, por exemplo, na
viragem das "páginas" que compõem a casa de João e Maria. E em
contraponto com as contribuições engenhosas de Flavio de
Souza ao libreto original de Adelheid Wette, irmã do compositor
Humperdinck (1854-1921).
Anhê dirige a Imago Cia. de
Animação, que faz participação
especial, animando não só pássaros fantásticos na floresta, mas
olhos de bichos na noite, borboletas gigantes e outros pequenos
milagres do teatro de luz.
Depoimentos: "Eu gostei mais
da casa da bruxa, que parecia uma
cara." "Eu, dos capetas que faziam
estrelas." "Gostei mais dos anjos."
Eram 14, para ser preciso, formando um "Lago dos Anjos", por
trás de um véu de orvalho. Isso
por conta da coreógrafa Ana Soares e da Escola Municipal de Bailado. Sua contraparte musical
vem no fim, com o Coral Infanto-Juvenil da Escola Municipal de
Música, encenando as crianças libertas da casa da bruxa, abrindo
os olhos, pouco a pouco, por força
da música dos irmãos. (Cena que
a gente não vê tão bem, detrás do
véu particular de água.)
Cantores. Andrea Ferreira virou
nossa Judy Garland lírica, encenando ao mesmo tempo Maria e
Dorothy. Tanto ela como seu "irmão" Denise de Freitas estão incrivelmente à vontade no canto, e
à vontade no palco, o que é mais
raro. Virtudes do diretor Flavio de
Souza, que adota o estilo de interpretação "para crianças" como
chave da ópera, transformando o
artificialismo em fantasia. Realiza
em gesto o idioma idiossincrático
da música, onde se misturam canções folclóricas, "Singspiel" e
Wagner, numa medida única, impossível de repetir.
Parêntese para salientar que tudo é cantado em português, numa
boa tradução de Dante Pignatari e
Jamil Maluf .
Luciana Bueno (mãe) e Sandro
Cristopher (pai) são um páreo e
tanto para os filhos. Pequenas,
charmosas aparições de Edna
d'Oliveira (Fada do Orvalho) e
Guiomar Novaes (Gênio).
Um parágrafo só para Regina
Elena Mesquita (Bruxa). O último
ato é dela.
A direção musical ficou a cargo
do maestro Jamil Maluf. Se as relativas limitações da Orquestra
Experimental de Repertório continuam evidentes, diga-se logo
que não afetam um espetáculo
com tamanha força de imaginação. O que falta no poço mal se
nota, em meio a tanto encanto.
Num país de sonho, "João e Maria" seria levado de norte a sul,
exibido em rede nacional, programado regularmente no fim do
ano. Aqui, por enquanto, é o Brasil; mas vem aí 2003, e quem sabe
não seja só um conto de fadas.
João e Maria
Onde: Teatro Municipal (pça Ramos de
Azevedo, s/n�, região central, SP, tel. 0/
xx/11/223-3022 r. 256)
Quando: ter. (20h30), qui. (18h) e sáb.
(18h)
Quanto: de R$ 10 a R$ 40
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Crítica: Carlos Fuentes vira "gringo" viajante na TV Índice
|