São Paulo, segunda-feira, 16 de dezembro de 2002

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"JOÃO E MARIA"

Crianças, bruxa, bichos, anjos e sopranos

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

É tão bonito, mas tão bonito, que dá vontade simplesmente de mandar todo mundo para o Municipal, assistir a "João e Maria". Para crianças de todas as idades etc.; mas o teatro estava mesmo cheio de crianças, sexta passada, e nenhuma pediu para ir embora. Era uma ópera alemã de fins do século 19, e ninguém com menos de 12 anos deu qualquer importância ao fato. Com mais de 12, já se começa a ser musicólogo; aí o espanto é menos espontâneo, mas talvez seja ainda maior.
Primeiro a cena, depois a música. Cenários e figurinos deslumbrantes, de Fernando Anhê, num registro que vai do "folk" alemão a toques de orientalismo, harmonizados na idéia de ilustração de livro. Reforçada, por exemplo, na viragem das "páginas" que compõem a casa de João e Maria. E em contraponto com as contribuições engenhosas de Flavio de Souza ao libreto original de Adelheid Wette, irmã do compositor Humperdinck (1854-1921).
Anhê dirige a Imago Cia. de Animação, que faz participação especial, animando não só pássaros fantásticos na floresta, mas olhos de bichos na noite, borboletas gigantes e outros pequenos milagres do teatro de luz.
Depoimentos: "Eu gostei mais da casa da bruxa, que parecia uma cara." "Eu, dos capetas que faziam estrelas." "Gostei mais dos anjos."
Eram 14, para ser preciso, formando um "Lago dos Anjos", por trás de um véu de orvalho. Isso por conta da coreógrafa Ana Soares e da Escola Municipal de Bailado. Sua contraparte musical vem no fim, com o Coral Infanto-Juvenil da Escola Municipal de Música, encenando as crianças libertas da casa da bruxa, abrindo os olhos, pouco a pouco, por força da música dos irmãos. (Cena que a gente não vê tão bem, detrás do véu particular de água.)
Cantores. Andrea Ferreira virou nossa Judy Garland lírica, encenando ao mesmo tempo Maria e Dorothy. Tanto ela como seu "irmão" Denise de Freitas estão incrivelmente à vontade no canto, e à vontade no palco, o que é mais raro. Virtudes do diretor Flavio de Souza, que adota o estilo de interpretação "para crianças" como chave da ópera, transformando o artificialismo em fantasia. Realiza em gesto o idioma idiossincrático da música, onde se misturam canções folclóricas, "Singspiel" e Wagner, numa medida única, impossível de repetir.
Parêntese para salientar que tudo é cantado em português, numa boa tradução de Dante Pignatari e Jamil Maluf .
Luciana Bueno (mãe) e Sandro Cristopher (pai) são um páreo e tanto para os filhos. Pequenas, charmosas aparições de Edna d'Oliveira (Fada do Orvalho) e Guiomar Novaes (Gênio).
Um parágrafo só para Regina Elena Mesquita (Bruxa). O último ato é dela.
A direção musical ficou a cargo do maestro Jamil Maluf. Se as relativas limitações da Orquestra Experimental de Repertório continuam evidentes, diga-se logo que não afetam um espetáculo com tamanha força de imaginação. O que falta no poço mal se nota, em meio a tanto encanto.
Num país de sonho, "João e Maria" seria levado de norte a sul, exibido em rede nacional, programado regularmente no fim do ano. Aqui, por enquanto, é o Brasil; mas vem aí 2003, e quem sabe não seja só um conto de fadas.


João e Maria
    
Onde: Teatro Municipal (pça Ramos de Azevedo, s/n�, região central, SP, tel. 0/ xx/11/223-3022 r. 256)
Quando: ter. (20h30), qui. (18h) e sáb. (18h)
Quanto: de R$ 10 a R$ 40


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