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O vocalista Leandro Lehart lança seu primeiro CD solo, um sofisticado trabalho de soul music
Do Art Popular para o impopular
Adriana Elias/Folha Imagem
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Leandro Lehart, vocalista do grupo Art Popular, que lança CD individual e é o maior arrecadador de direitos autorais do país |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
A indústria fonográfica brasileira recebe uma dosezinha a mais
de pressão. Em sua estréia solo,
gravada durante um ano em seu
estúdio caseiro, o paulistano
Leandro Lehart, 28, mostra que
nem tudo é pagode mauricinho
no mundo das bandas pop-samba que dominaram os anos 90.
Líder do grupo Art Popular e há
oito anos arrecadador número
um de direitos autorais no Brasil,
graças a composições suas gravadas por dezenas de grupos de sua
geração e até das anteriores, Leandro já vinha sendo apontado como figura de destaque no mar de
marasmo que assolou o mercado
musical popular dos 90.
Em "Solo", ele mostra que possuía recursos bem mais amplos
que os exibidos nas composições
gravadas pelo Art Popular e pelos
outros conjuntos de pagode, que
ele próprio julga "redundantes".
É um disco de soul music, em
que Leandro diz pretender conciliar influências tanto do Grupo
Fundo de Quintal quanto do
Earth, Wind and Fire, para ele "a
melhor banda do mundo". Reúne
dois mundos distintos, pois foi
co-produzido por Max de Castro,
revelação de 2000 na MPB elaborada e no pop de extração soul.
Pode ser entendido como um
vôo de liberdade de artista que
conquistou cacife suficiente à custa do mercadão, mas coincide
com a fase em que as gravadoras
perdem chão pela queda de vendagens dos gêneros populares.
Em entrevista à Folha, Lehart
falou sem restrições sobre as críticas que se abatem frequentemente sobre o pagode dos 90, sobre o
"rabo preso" de sua geração com
as gravadoras e as redes de TV e
sobre o conflito da necessidade de
se desvencilhar da dicotomia consumo industrial/música de qualidade. Leia trechos.
Folha - O que o Art Popular representa no universo do pagode?
Leandro Lehart - A primeira coisa que queremos é sair um pouco
dessa coisa do consumismo. Todo mundo rotula, a palavra "pagodeiro" ficou pejorativa. Acho
que meu disco solo é o primeiro
passo para isso. Mas dentro do
Art Popular, queira ou não, temos
um compromisso com a massa,
com o público mais humilde, e
também com a gravadora, de vender disco. Nos nossos discos sempre fizemos o que é redundante,
de praxe, mas sempre colocamos
coisas novas e diferentes também.
Folha - Sua geração fez o samba
dos anos 90 ou descaracterizou o
samba nos 90?
Lehart - É difícil falar sem ser polêmico (ri). Não gosto de ser polêmico, mas... Quem critica a gente
é quem ainda não ouviu e não sabe a trajetória. Não é falar ideologicamente, como alguns artistas
criticados falam, que "eles não sabem que a gente passou fome",
essas coisas. Não é isso, é pela própria música que a gente faz. Não
poderíamos gravar com Take 6
ou Billy Paul nem ter aval de todos
esses caras que gostam da gente,
como Caetano e Marisa Monte,
sem ser uma banda legal.
Mas o que posso dizer é que
realmente existe um compromisso, um rabo preso muito grande
desta geração com o mercado fonográfico, de vender disco mesmo, fazer a música mais fácil possível, continuar fazendo sempre a
mesma coisa que funcionou antes. São sempre os mesmos produtores e músicos, os grupos têm
os mesmos empresários. Existem
poucas pessoas nesse mercado,
dominando-o há mais ou menos
dez anos.
Há também o problema do
"cinderelo", o menino pobre do
subúrbio ou da periferia, sem preparação intelectual e musical, que
depois de estourar um disco começa a ostentar, comprar carro,
não paga pensão para ex-mulher.
Tudo isso é fruto também do despreparo, não só dos artistas, mas
de quem gerencia e administra.
Folha - Como você classifica o que
faz? É samba, pagode,
rhythm'n'blues, o quê?
Lehart - Chamaria de pop-samba. Fazemos samba, mas com características de linguagem pop,
colocamos as coisas de uma maneira mais ampla que num samba-raiz. Mas é samba, porque tem
pandeiro e cavaquinho.
Folha - O mito do "cinderelo" não
é usado pela indústria como um
pretexto para ela ser pouco exigente, deixar de pedir letras melhores,
músicas mais elaboradas?
Lehart - Se eu disser que sofro
pelo compromisso de fazer coisas
fáceis para vender, vou estar mentindo. Mas nunca achei que sempre tem de ficar rimando amor
com dor ou essas coisas. É importante frisar que todos esses grupos
vieram de uma tendência que começou nas gravadoras independentes de São Paulo. E aconteceu
até porque os jovens que se dizem
injustiçados esperavam. O cara
comprava disco não só por causa
da música, mas porque o Netinho
do Negritude Jr. morava na Cohab, fazia parte do mesmo mundo que ele. Mas isso se tornou tão
grande, tão enorme em vendagem de discos, show e dinheiro,
que as gravadoras e até os grupos
já não tinham mais como mudar.
Folha - Comparando seu disco solo com os do Art Popular, seu mundo parece ter mudado muito, não?
Lehart - Mudou muito. E "Solo"
e o acústico da MTV são dois trabalhos próximos, em questão de
meses. Estou apreensivo com este
disco, com o Art Popular e com o
que vai acontecer na música daqui para a frente. Há enigmas que
ainda não consigo entender, como o fenômeno da Marisa Monte.
Mesmo não fazendo televisão,
não aparecendo em revistas, sumindo, quando ela lança um disco sempre vende muito. Neste
disco quis fazer uma coisa com
coragem, sem receio de nada. Não
estou querendo vender disco, ganhar disco de ouro. Sinceramente, não sei exatamente o que a gravadora quer. Está saindo com 30
mil cópias, um disco do Art Popular sai com 200 mil. Existe uma
fórmula que os caras de rádio
querem, de começo, meio e fim e
refrão. Tem de haver, e ele tem
que ser mais alto e mais apelativo
que o começo e o meio da música.
Tentei fugir dessa fórmula, e eles
estranham totalmente.
Folha - Você não deveria convencer seu público de que essa música
mais sofisticada pode ser cantada
na rua, como o pagode?
Lehart - É exatamente o que
penso. Faço parte da vida de muita gente que não teve a oportunidade que tive. Vou fazer programas de TV, mas o que espero é o
boca-a-boca. Não quero usar o espaço que tive com o Art Popular
para falar "ouça esse disco". Não
posso vendê-lo assim, fazer propaganda em causa própria.
Folha - Você não quer fazer isso
ou é a gravadora que não se dispõe
a investir?
Lehart - Os dois, né? Está acontecendo um fenômeno de muitos
vocalistas saírem dos grupos. As
gravadoras estão interessadas em
que aconteça isso. A divulgação
de banda com oito ou nove integrantes é muito cara. Os discos ao
vivo, de custo bem menor, existem por isso. Há uma crise no
mercado fonográfico do Brasil.
Hoje a vendagem no mercado pirata equivale a 40% da oficial.
Folha - "Solo" é um CD de samba?
Lehart - Não. E nem os outros
serão, porque o samba não retrata
tudo o que penso. Aconteceram
tantas coisas na música pop desde
os anos 60, e a década de 90 foi a
pior em relação à criatividade. Eu
me sinto frustrado de fazer parte
desse sistema, de muitos jovens se
espelharem na gente, e a gente
não poder transformar toda a informação que tem em criatividade. Este disco é como se fosse um
protesto contra isso também.
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