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TV PAGA
Beleza supera precariedades em filme brasileiro
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de uma breve primavera, sustentada por umas
dúzias de filmes, não raro muito
ruins, o filme brasileiro já registra
um recuo nos cinemas e ameaça
voltar à antiga pasmaceira.
O que leva quase obrigatoriamente à pergunta: existe de fato
um cinema brasileiro? Não digo a
simples produção de filmes, mas a
instituição em que a sociedade se
reconhece, se discute e se diverte.
Em que ela se vê, enfim.
Esse é um problema antigo. Hoje a Sky passa "O Canto da Saudade" (TVE Brasil, 23h30), último longa e talvez o mais belo de
Humberto Mauro. Mas quem sabe quem foi e o que fez Humberto
Mauro? E, se confrontadas ao filme, saberá reconhecer suas belezas? Saberá identificar na história
trágica e cômica do carreiro e seu
amor rejeitado algo que ultrapassa as fronteiras de Minas? Saberá
ver nas precariedades da produção um espírito que as supera?
Isso me parece improvável. O
cinema tornou-se uma arte de
classe média, e o cinema brasileiro só dialogou, de forma efetiva,
com o público popular, hoje afastado dessa diversão outrora barata. O cinema nunca conseguiu estabelecer uma conexão entre o
gesto intelectual e o poder econômico. Desde Adhemar Gonzaga,
passando pela Vera Cruz, tenta se
mostrar "respeitável". E respeitoso. E dá com os burros n'água: o
cinema só interessa ao capital,
normalmente, como forma de
abater imposto. Mas aí é um problema de fisco, não de arte.
O capital aprecia a respeitabilidade, gosta de música, de livros de
arte e de arte. Isso deixa o cinema
brasileiro sem um braço. Sem
uma arte industrial, por que só
desenvolve o lado intelectual?
Penso numa exceção que é Cosette Alves, que move céus e terras
pela preservação de nossas imagens, com sua Sociedade Amigos
da Cinemateca. Mas quem percebe sua importância? Será preciso
talvez retomar o assunto um dia.
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