São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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CRÍTICA

Novelização deve comprometer "Sítio"

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Há um tom nostálgico no "Sítio do Picapau Amarelo". Impossível não sê-lo: ainda que esta versão anos 2000 tenha reconquistado alguma espécie de lugar no imaginário infantil, os personagens de Monteiro Lobato habitam um mundo que não existe mais e não é referência para os pais das crianças de hoje.
Não que isso seja um problema em si. Na verdade, boa parte do acerto desse "Sítio", que estreou a quarta temporada nesta semana, está no fato de tratar essa distância sem ansiedade. Ou seja, não há nem um esforço artificial em "atualizar" nem de arrastar didaticamente as crianças para um passado já remoto. O universo criado por Monteiro Lobato é tratado como um mundo fantástico, com animais falantes e seres mágicos.
Funciona -para crianças pequenas, sobretudo. Ou estava funcionando até 2004, quando passou a perder audiência sistematicamente para os desenhos do SBT. O alerta vermelho deve ter acendido em algum lugar e transformaram a estrutura de histórias curtas que imperava até então em uma "novelinha" a se desenrolar em 180 capítulos.
Não dá, ainda, para saber se essa é uma solução para a questão da audiência, mas já salta aos olhos que a "novelização" do "Sítio" traz para a trama o amor romântico e o trato "realista" de lugares e personagens, ainda que pela caricatura. De cara, já no capítulo de estréia, na segunda-feira, há a formação de um par romântico, marcado pela diferença social. Não, nada com Narizinho e Pedrinho, que continuam castos como Monteiro Lobato os desenhou mais de 80 anos atrás. São personagens novos, João da Luz e Cleo, dois adolescentes fugidos -ele, de uma instituição para menores e ela, da madrasta-, que serão acolhidos pela turma do "Sítio".
O que, aliás, isso de ser acolhido está bem de acordo com o espírito do "Sítio" - várias das histórias de Monteiro Lobato começam assim.
Já a caracterização "típica" do Arraial dos Tucanos e a importância que devem assumir as tramas envolvendo os personagens para encher tantos capítulos parecem ser justamente o que Lobato gostaria de evitar.
O que é de perguntar é se os personagens do "Sítio" suportam ser espectadores de uma narrativa estranha. Por mais que Lobato se apropriasse de diversas narrativas, da mitologia grega ao folclore brasileiro, ele sempre fazia seus personagens acabarem como protagonistas, mesmo que em aventuras alheias, como nos trabalhos de Hércules.
Não parece haver muito espaço para os personagens do "Sítio" em peripécias românticas, mesmo que sejam bem ingênuas, nem na abordagem cômico-realista do ambiente rural. Ou melhor, até que há para um deles: a extraordinária Emília, cujo espírito inquisidor às raias da impertinência incomoda qualquer esquema. E vivida pela ótima Isabelle Drummond, primeira "atriz-criança" a interpretar Emília, é ainda mais especial.

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