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CRÍTICA
Novelização deve comprometer "Sítio"
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Há um tom nostálgico no
"Sítio do Picapau Amarelo". Impossível não sê-lo: ainda
que esta versão anos 2000 tenha
reconquistado alguma espécie de
lugar no imaginário infantil, os
personagens de Monteiro Lobato
habitam um mundo que não
existe mais e não é referência para os pais das crianças de hoje.
Não que isso seja um problema
em si. Na verdade, boa parte do
acerto desse "Sítio", que estreou
a quarta temporada nesta semana, está no fato de tratar essa distância sem ansiedade. Ou seja,
não há nem um esforço artificial
em "atualizar" nem de arrastar
didaticamente as crianças para
um passado já remoto. O universo criado por Monteiro Lobato é
tratado como um mundo fantástico, com animais falantes e seres
mágicos.
Funciona -para crianças pequenas, sobretudo. Ou estava
funcionando até 2004, quando
passou a perder audiência sistematicamente para os desenhos
do SBT. O alerta vermelho deve
ter acendido em algum lugar e
transformaram a estrutura de
histórias curtas que imperava até
então em uma "novelinha" a se
desenrolar em 180 capítulos.
Não dá, ainda, para saber se essa é uma solução para a questão
da audiência, mas já salta aos
olhos que a "novelização" do "Sítio" traz para a trama o amor romântico e o trato "realista" de lugares e personagens, ainda que
pela caricatura. De cara, já no capítulo de estréia, na segunda-feira, há a formação de um par romântico, marcado pela diferença
social. Não, nada com Narizinho
e Pedrinho, que continuam castos como Monteiro Lobato os desenhou mais de 80 anos atrás.
São personagens novos, João da
Luz e Cleo, dois adolescentes fugidos -ele, de uma instituição
para menores e ela, da madrasta-, que serão acolhidos pela
turma do "Sítio".
O que, aliás, isso de ser acolhido está bem de acordo com o espírito do "Sítio" - várias das
histórias de Monteiro Lobato começam assim.
Já a caracterização "típica" do
Arraial dos Tucanos e a importância que devem assumir as tramas envolvendo os personagens
para encher tantos capítulos parecem ser justamente o que Lobato gostaria de evitar.
O que é de perguntar é se os
personagens do "Sítio" suportam ser espectadores de uma
narrativa estranha. Por mais que
Lobato se apropriasse de diversas narrativas, da mitologia grega
ao folclore brasileiro, ele sempre
fazia seus personagens acabarem
como protagonistas, mesmo que
em aventuras alheias, como nos
trabalhos de Hércules.
Não parece haver muito espaço
para os personagens do "Sítio"
em peripécias românticas, mesmo que sejam bem ingênuas,
nem na abordagem cômico-realista do ambiente rural. Ou melhor, até que há para um deles: a
extraordinária Emília, cujo espírito inquisidor às raias da impertinência incomoda qualquer esquema. E vivida pela ótima Isabelle Drummond, primeira
"atriz-criança" a interpretar
Emília, é ainda mais especial.
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