São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Nos EUA, tema tabu ganha espaço no cinema e na TV, como no seriado "House", que estréia quinta no Brasil

A morte pede passagem

Divulgação
O ator britânico Hugh Laurie, que vive um médico no seriado "House"


SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Pelo menos três gerações se lembram da cena mais chocante que viram no cinema, talvez logo no primeiro filme que viam na vida: abatida pelos caçadores, a mãe de Bambi morria. O desenho animado de 1942 produzido por Walt Disney contava a história do pequeno veado que, órfão, sofria seu rito de passagem numa floresta sombria. Fosse produto da indústria cultural dos EUA de hoje, a sra. Bambi seria dissecada por uma equipe de legistas, escreveria do céu depois de morta, sofreria técnica de ressuscitamento por veterinários ultrapreparados ou, pior, veria seu filho crescer para combater o terrorismo.
Na última semana, dos dez livros mais vendidos de ficção do jornal "The New York Times", seis tinham a morte como tema principal. Do 11 de Setembro ("Saturday", de Ian McEwan) a um homem escrevendo do céu ("The Five People You Meet in Heaven", de Mitch Albom), da vítima de um franco atirador urbano ("Cold Service", de Robert P. Parker) a um possível terrorista, que recebe o perdão presidencial e passa a ser seguido pela CIA ("The Broker", de John Grisham).
Na TV, segundo a medição do instituto Nielsen, os cinco programas mais vistos na semana passada que não eram "reality show" passavam todos pelo sombrio: "CSI", o pioneiro da franquia de médicos legistas e o campeão dos campeões, seguido pelo vice "Desperate Housewifes", em que a narradora se suicidou no primeiro episódio e conta tudo a partir do além, "Without a Trace", em que uma equipe de detetives investiga desaparecimentos, "House", sobre médicos de elite que cuidam de pacientes com doenças raríssimas (leia ao lado), e o novato "Grey's Anatomy", a primeira cópia de "House".
Desde quando a morte é pop? "O assunto "morte" não é novo, mas é nova a maneira com que vem sendo apresentado ao público norte-americano hoje", disse à Folha o acadêmico Charlton S. McIlwain, autor do livro "When Death Goes Pop - Death, Media and the Remaking of Community" (quando a morte vira pop -�morte, mídia e a reforma da comunidade), que acaba de ser lançado. "Agora, a morte não é apenas tangente, um aspecto secundário, mas o centro da trama."
Segundo o professor de comunicação da Universidade de Nova York, até então o público via alguém morrer ou ser assassinado e era isso. "Mesmo nos dramas de hospital, geralmente ninguém morria." Não mais. Num dos primeiros episódios do novíssimo "House", por exemplo, a equipe têm de decidir qual de três bebês recém-nascidos será sacrificado para que os outros dois possam sobreviver. "A indústria do entretenimento descobriu que não só as pessoas podem lidar de maneira leve com sentimentos tão sofisticados quanto os que envolvem a morte como querem lidar com eles assim", diz McIlwain. "Precisamos de uma válvula de escape para esta nova realidade, em que duas torres podem desabar no centro de uma cidade como NY."
E o tema viaja bem? Um país cuja população é de maioria católica como o Brasil não lidaria com a espetacularização da morte de uma maneira diferente da dos EUA, de dominância protestante e cuja indústria do entretenimento tem forte presença judaica? O autor teoriza: "A revolução industrial e o desenvolvimento econômico aconteceram antes aqui, então as pessoas tiveram mais tempo de fazer o ciclo histórico completo, que é se distanciar do assunto via novas tecnologias, se desencantar com elas ao perceber que nem toda a riqueza do mundo compra a imortalidade e voltar a lidar com o tema, dessa vez com menos tabu." No Brasil, acredita ele, acontecerá o mesmo. A ver: "House" estréia nesta quinta, no Universal Channel, às 23h.

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