São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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MÔNICA BERGAMO

O fantasma milionário

Fotos Fernando Moraes/Folha Imagem
O argentino San Roman veio ao Brasil orientar a equipe chefiada pela brasileira Adriana Lima


Faltam dez dias para a abertura do espetáculo mais caro produzido no Brasil neste ano -e certamente o mais caro da história do teatro no país. "O Fantasma da Ópera" vai custar R$ 26 milhões. Para ter uma idéia, até janeiro os produtores da peça de Bibi Ferreira, que deve se apresentar em breve em São Paulo, suavam para conseguir um patrocínio muito menor, de R$ 350 mil. O filme "Carandiru" custou R$ 12 milhões.

Detalhe: boa parte do espetáculo será financiada por leis de incentivo fiscal. "O Fantasma" conseguiu autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 5,1 milhões. Queria captar R$ 14 milhões, mas o MinC cortou em mais da metade, já prevendo reação de produtores independentes. Afinal, "O Fantasma" pagará royalties a uma produtora inglesa que detém os direitos da obra e deu emprego a estrangeiros que montam a peça no Brasil. Os estrangeiros são 20, de um total de 180 funcionários, entre artistas, técnicos, costureiras, cabeleireiros. Fazem a supervisão de todo o espetáculo e são chamados de "criativos". Recebem em euros.

Nada na montagem é feito sem a autorização dos "criativos", exigência dos detentores dos direitos do musical. Numa sala onde ficam 20 costureiras, por exemplo, despacha Geneviève Petitpierre, mexicana de origem suíça que é chamada de "Genoveva" no Brasil. Ela tem uma "bíblia", com fotos em frente e verso de 187 figurinos usados desde a montagem original e que devem ser copiados fielmente no Brasil. E tem graça copiar tudo? "Tem graça, Nena?", pergunta Geneviève à chefe das costureiras, Nena de Castro. "É maravilhoso. Aprendemos segredos e técnicas de costura de roupas de época", diz ela.

A maior parte dos veludos, brocados de seda, lamês e cetins vem de países como Alemanha, França e Inglaterra. Entre uma apresentação e outra, os tecidos mais pesados serão banhados em... vodca. "Foi uma lição que aprendemos com os bailarinos do Bolshoi", diz Geneviève. Em longas turnês por cidades frias da Rússia, eles não tinham tempo de lavar e secar as peças. Assim, usavam a bebida. "Não fica cheiro. Pelo contrário. Tira o odor forte de suor."

Todos os 37 atores do musical usarão perucas em cena. O peruqueiro argentino Feliciano San Roman passa o dia lavando (com xampu e condicionador), escovando e secando os fios sintéticos e naturais. "A gente tem que adaptar a cor da peruca com a pele de cada um dos atores", explica San Roman. Os fios são implantados um a um pelo argentino na base das cabeleiras. Ele já participou de montagens na Coréia e no México.
Os norte-americanos Arthur Masella, diretor-geral do musical, e Denny Berry, coreógrafa, são as estrelas dos "criativos", ao lado do alemão Rainer Fried, também diretor. Eles já estão no Brasil há quase três meses. Não falam quase nada em português -todas as broncas nos atores são traduzidas por Tânia Nardini, diretora "residente". Os três passam cerca de oito horas por dia nos ensaios e só conhecem, em São Paulo, o bairro do Bom Retiro, onde ensaiaram até a semana passada -agora estão no teatro Abril. Na folga, só têm uma exigência: comer caqui.

Os cenários também vieram de fora -são apenas montados no Brasil. Foram cem toneladas acomodadas em 14 contâineres. O lustre, o principal objeto do cenário, pesa 450 kg, tem 30 mil bolas imitando cristais e 200 velas. Chegou ao Brasil desmontado. Não pôde ser fotografado pois se trata de um "segredo" do espetáculo. A máscara do fantasma também é mantida longe das lentes -pela tradição, só deve ser vista na estréia.

Mil atores brasileiros passaram pelas audições com os diretores estrangeiros de "O Fantasma da Ópera". Dez pessoas por hora, durante cinco dias. A brasiliense Sara Sarres, 24, ficou sabendo que haveria audição no Brasil para o espetáculo. Voou para Milão, na Itália, e passou um mês por lá, aprimorando a voz de soprano. Ganhou o papel feminino principal, Christine.

Ela será a corista por quem o Fantasma se apaixona. O brasiliense Saulo Vasconcelos, 31, ganhou o papel. Ele já estava um degrau à frente da colega- tinha participado da montagem mexicana do musical-, mas mesmo assim fez suas aulinhas. A carioca Kiara Sasso, 26, que canta desde os oito, estava morando nos EUA. Ela já viu o espetáculo "umas 20 vezes" e sabia todas as músicas de cor. Soube que haveria seleção de atores no Brasil e fez as malas. Acabou ficando com Christine.

Mas como? Duas atrizes para o mesmo papel? É que a personagem exige tanto -a intérprete fica em cena cantando sem parar- que as atrizes são obrigadas a descansar um dia inteiro depois de uma apresentação. Assim, as duas se alternam na temporada. Interpretar o Fantasma é missão igualmente árdua. "O personagem vai da extrema raiva a uma profunda melancolia", afirma Saulo, 1,88 m e 100 kg. "Ele não caminha. Ele flutua."

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