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Considerado o maior gravador popular do Brasil, J. Borges,67, comemora aniversário com ateliê próprio em Pernambuco e expõe em Nova York
A chegada de J. Borges ao apogeu
FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A BEZERROS
Parecia difícil chegar ao ateliê do
artista. Na véspera, ele recomendara ao repórter: "Quando avistar
um posto de gasolina na beira da
BR, pare e ligue para mim que eu
vou lhe buscar". Nem precisou
-o frentista sabia explicar o caminho. "Tá vendo aquela barraquinha vermelha do lado de lá da
estrada? Entre na rua de barro pegada nela. Na metade da rua fica a
casa dele."
O artista é José Francisco Borges, 67, o J. Borges. A estrada é a
BR-232, que corta o Agreste pernambucano, às margens da qual
está Bezerros, cidade onde nasceu
e até hoje mora o xilogravurista e
cordelista, apontado por muitos,
incluído o escritor Ariano Suassuna, como o maior gravador popular do país.
O ateliê fica ao lado da casa,
num espaçoso terreno de 50 m x
17 m. São ambas construções simples, mas recentes. Só agora, perto
dos 70, o artista conseguiu erguer
o seu espaço como desejava. A
oficina antiga, a Casa de Cultura
Serra Negra, também na beira da
BR e a pouco metros da atual, ele
deixou para os filhos. Eram 26
herdeiros, 18 naturais ("até agora"), seis adotivos. Morreram seis.
Dos que restam, três seguem o
ofício do pai. Um quarto, Ariano,
batizado em homenagem ao escritor, desistiu e tem uma gráfica.
Se é a mostra mais visível do êxito tardio do artista, o novo ateliê
-que será inaugurado no dia 20
em festa que celebrará também os
seus 68 anos- está longe de ser a
mais significativa.
Pouco conhecido no Brasil, Borges vai em abril de 2004 pela sexta
vez aos EUA participar de exposições e comandar oficinas de xilogravura (gravura em madeira).
Como sempre, vai a Santa Fé, onde está o Museu de Arte Popular
do Novo México, em cujo acervo
há várias gravuras suas. Desta vez
vai também a Nova York, expor
no Museu do Barro.
"Quero visitar Nova York. Meu
trabalho deve estar conhecido por
lá depois da matéria do "New
York Times'", afirma, em referência à reportagem sobre ele publicada ano passado no mais influente diário do mundo.
Além dos EUA, Borges já esteve
também na Suíça, na França, na
Alemanha, em Portugal, em Cuba
e na Venezuela. Ilustrou o livro
"As Palavras Andantes", de
Eduardo Galeano.
Em 1992 fez a primeira viagem
internacional e não parou mais.
"A base feita muitos anos apareceu agora. Há dez anos eu já era
conhecido, mas não tinha condições de fazer isso", diz, apontando para a casa e o ateliê novos.
Não é uma conquista pequena
para quem aprendeu a ler com 12
anos e passou só dez meses na escola. Borges cresceu na zona rural
de Bezerros, ouvindo o pai ler folhetos. "O cordel era o jornalismo
dos sítios, pois só os comerciantes
ricos e os fazendeiros tinham rádio. Quando fui para a escola,
meu intento era ler cordel."
Aos 20 anos começou a comprar e vender folhetos, atividade
que mantém até hoje -ou seja,
além de cordelista e gravador,
Borges é também um dos poucos
revendedores de cordel que resistem no interior pernambucano.
Como autor, seu maior sucesso
é o folheto "A Chegada da Prostituta no Céu", de 1981, que vendeu
até hoje cerca de 100 mil cópias,
numa estimativa informal do autor. "Misturei sacanagem com
clero, puta com padre. Aí o povo
adora", diverte-se.
Borges -que neste ano resistiu
a um infarto e pôs uma ponte de
mamária- começou como cordelista e virou gravurista para
ilustrar a capa dos próprios folhetos. Nas duas linguagens, aborda
o universo sertanejo e cria personagens fantásticas, como o
"Monstro do Sertão", animal com
um sol no lugar da cabeça, e "A
Mulher-Passarinho".
No início, ele próprio achava tudo muito estranho. "Eu fazia
umas gravuras muito tronchas. E
pensava: "Só podem comprar por
gozação, porque isso é muito malfeito". Depois conheci outros artistas primitivistas e descobri que
arte moderna é essa loucura. Arte
popular também podia ser feita
daquela maneira. Se fizesse bem-feito, ninguém ia gostar."
No ano passado, toda essa história foi condensada pelo artista
no livro "Memórias e Contos de J.
Borges", em edição artesanal
-construído com tipos móveis e
rodado numa impressora tipográfica de 1913. A obra reúne histórias da vida de Borges, cordéis,
gravuras e pensamentos soltos.
Na página 67, escreve: "Assim como tudo que faço, nunca tive escola, e sempre o público admira".
MEMÓRIAS E CONTOS DE J. BORGES
- Edição do autor.
Quanto: R$ 20 (300
págs.).
Pedidos pelos tels. 0/xx/81/3728-0364/3673 e 9937-3838.
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