São Paulo, segunda-feira, 08 de janeiro de 2001

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Historiador não vê "gênio político"

DA REPORTAGEM LOCAL

Em 1972, o estudante inglês de história medieval Ian Kershaw foi fazer um curso em uma pequena cidade no interior da Alemanha. "Lá encontrei um nazista idoso que lamentava que a Inglaterra não tivesse se unido aos alemães na Segunda Guerra, "teríamos dominado o mundo", dizia."
As palavras do senhor de idade tocaram o historiador, que resolveu imediatamente abandonar a Idade Média e dedicar-se à história social do nazismo. "Fiquei intrigado com as palavras daquele homem, queria saber como a mentalidade da época tinha sido formada", disse Kershaw.
Quase 30 anos depois, o pesquisador, que chefia o departamento de história da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, é reconhecido estudioso do nazismo. Além da recém-publicada biografia de Hitler, é autor de outros seis títulos sobre o tema. Leia trechos da entrevista que Kershaw deu, por telefone, da Inglaterra. (SC)

Folha - Você diz que ficou surpreso ao descobrir que Hitler fez pouco para convencer os alemães de que a limpeza étnica e a guerra eram necessárias. Por que foi tão fácil?
Ian Kershaw -
No começo, eu queria saber o quanto Hitler tinha feito para persuadir os alemães. Logo percebi que a pergunta estava invertida. O que era necessário levantar era porque Hitler não teve de fazer muito esforço para convencer as pessoas da necessidade de cometer as atrocidades.
Para mim está claro que Hitler foi crucial para que as decisões principais fossem tomadas. Mas as razões pelas quais elas foram aceitas já estavam na sociedade.

Folha - Na sociedade como um todo ou apenas em parte dela?
Kershaw -
Hitler recebeu o poder de um setor engajado ideologicamente. A partir daí encontrou apoio de diferentes setores da sociedade que se identificaram com questões pontuais de seu programa, como a recuperação econômica, a expansão territorial, a retomada do orgulho nacional, etc.. Até chegar a um ponto em que esse sistema tornou-se auto-sustentável e capacitado a suportar a dinâmica radicalizante em que mais e mais pessoas foram sugadas.

Folha - Os dois livros que compõem a biografia são enormes, mas a conclusão é de que o homem que ela revela não era tão grande quanto se pensava, não é?
Kershaw -
Sim. Há um imenso abismo entre o indivíduo Hitler, modesto em suas qualidades, que eram limitadíssimas, e o imenso impacto que ele causou. Apesar de ter habilidade para lidar com as massas, Hitler não era um gênio político nem um demônio. Era um homem obcecado pela sua paranóia anti-semita e infantil em sua visão do mundo.

Folha - Como surgiu a paranóia?
Kershaw -
A derrota militar da Alemanha na Primeira Guerra foi um trauma nacional, e Hitler radicalizou um sentimento que era geral. Para ele, esse foi o momento mais negro da história. Considerava que essa humilhação tinha sido causada pelos judeus. Mas essa não era uma opinião só dele, muitos alemães pensavam assim.

Folha - Hitler é um fenômeno recente, e o impacto que causou foi enorme. Você acha que compreendê-lo hoje ainda é difícil por esses dois fatores: a proximidade no tempo e o trauma emocional?
Kershaw -
Sim, acho que ambos são obstáculos. O impacto emocional criou um limite para um entendimento racional. Creio que ainda hoje não é possível se libertar disso, e o meu próprio livro é um exemplo. O que tentei fazer foi entender racionalmente algo que durante todo o tempo me pareceu irracional. Se conseguirmos estar um passo atrás da análise emocional, estaremos mais capacitados para compreender como Hitler foi possível.

Folha - O que você acha da fascinação que ainda exerce a imagem de Hitler e como ela aparece na indústria cultural?
Kershaw -
Acho que, na indústria cultural, há tentativas sérias de analisar o fenômeno, mas também há a trivialização da exploração de sua imagem. No geral, o que essa fascinação demonstra é a importância dessa figura e desse momento na formação do mundo moderno, mesmo hoje, 60 anos depois de sua morte. É uma fascinação que mostra também como nos preocupa saber do que o ser humano é capaz.

Livro: Hitler (1936-1945) - Nemesis
Autor: Ian Kershaw
Editora: Penguin (importado)
Quanto: R$ 81 (841 págs.)
Onde encomendar: www.livcultura.com.br e www.leonardodavinci.com.br



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