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Historiador não vê "gênio político"
DA REPORTAGEM LOCAL
Em 1972, o estudante inglês de
história medieval Ian Kershaw foi
fazer um curso em uma pequena
cidade no interior da Alemanha.
"Lá encontrei um nazista idoso
que lamentava que a Inglaterra
não tivesse se unido aos alemães
na Segunda Guerra, "teríamos dominado o mundo", dizia."
As palavras do senhor de idade
tocaram o historiador, que resolveu imediatamente abandonar a
Idade Média e dedicar-se à história social do nazismo. "Fiquei intrigado com as palavras daquele
homem, queria saber como a
mentalidade da época tinha sido
formada", disse Kershaw.
Quase 30 anos depois, o pesquisador, que chefia o departamento
de história da Universidade de
Sheffield, na Inglaterra, é reconhecido estudioso do nazismo.
Além da recém-publicada biografia de Hitler, é autor de outros seis
títulos sobre o tema. Leia trechos
da entrevista que Kershaw deu,
por telefone, da Inglaterra.
(SC)
Folha - Você diz que ficou surpreso ao descobrir que Hitler fez pouco
para convencer os alemães de que
a limpeza étnica e a guerra eram
necessárias. Por que foi tão fácil?
Ian Kershaw - No começo, eu
queria saber o quanto Hitler tinha
feito para persuadir os alemães.
Logo percebi que a pergunta estava invertida. O que era necessário
levantar era porque Hitler não teve de fazer muito esforço para
convencer as pessoas da necessidade de cometer as atrocidades.
Para mim está claro que Hitler
foi crucial para que as decisões
principais fossem tomadas. Mas
as razões pelas quais elas foram
aceitas já estavam na sociedade.
Folha - Na sociedade como um todo ou apenas em parte dela?
Kershaw - Hitler recebeu o poder
de um setor engajado ideologicamente. A partir daí encontrou
apoio de diferentes setores da sociedade que se identificaram com
questões pontuais de seu programa, como a recuperação econômica, a expansão territorial, a retomada do orgulho nacional, etc..
Até chegar a um ponto em que esse sistema tornou-se auto-sustentável e capacitado a suportar a dinâmica radicalizante em que mais
e mais pessoas foram sugadas.
Folha - Os dois livros que compõem a biografia são enormes, mas
a conclusão é de que o homem que
ela revela não era tão grande quanto se pensava, não é?
Kershaw - Sim. Há um imenso
abismo entre o indivíduo Hitler,
modesto em suas qualidades, que
eram limitadíssimas, e o imenso
impacto que ele causou. Apesar
de ter habilidade para lidar com
as massas, Hitler não era um gênio político nem um demônio.
Era um homem obcecado pela
sua paranóia anti-semita e infantil
em sua visão do mundo.
Folha - Como surgiu a paranóia?
Kershaw - A derrota militar da
Alemanha na Primeira Guerra foi
um trauma nacional, e Hitler radicalizou um sentimento que era
geral. Para ele, esse foi o momento
mais negro da história. Considerava que essa humilhação tinha
sido causada pelos judeus. Mas
essa não era uma opinião só dele,
muitos alemães pensavam assim.
Folha - Hitler é um fenômeno recente, e o impacto que causou foi
enorme. Você acha que compreendê-lo hoje ainda é difícil por esses
dois fatores: a proximidade no
tempo e o trauma emocional?
Kershaw - Sim, acho que ambos
são obstáculos. O impacto emocional criou um limite para um
entendimento racional. Creio que
ainda hoje não é possível se libertar disso, e o meu próprio livro é
um exemplo. O que tentei fazer
foi entender racionalmente algo
que durante todo o tempo me pareceu irracional. Se conseguirmos
estar um passo atrás da análise
emocional, estaremos mais capacitados para compreender como
Hitler foi possível.
Folha - O que você acha da fascinação que ainda exerce a imagem
de Hitler e como ela aparece na indústria cultural?
Kershaw - Acho que, na indústria cultural, há tentativas sérias
de analisar o fenômeno, mas também há a trivialização da exploração de sua imagem. No geral, o
que essa fascinação demonstra é a
importância dessa figura e desse
momento na formação do mundo moderno, mesmo hoje, 60
anos depois de sua morte. É uma
fascinação que mostra também
como nos preocupa saber do que
o ser humano é capaz.
Livro: Hitler (1936-1945) - Nemesis
Autor: Ian Kershaw
Editora: Penguin (importado)
Quanto: R$ 81 (841 págs.)
Onde encomendar: www.livcultura.com.br e
www.leonardodavinci.com.br
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