São Paulo, segunda-feira, 05 de dezembro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELE VOLTOU!

Prestigiado pela trilogia "O Senhor dos Anéis", o diretor fala sobre "King Kong", filme que tenta fazer desde a infância

Peter Jackson sobe ao topo do mundo

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A NOVA YORK

"King Kong", o novo, começa com a voz de Al Jolson cantando "I'm Sitting on the Top of the World" (estou sentado no topo do mundo), um aviso óbvio do que está por vir (o gorilão no alto do Empire State Building), uma ironia com a situação que é mostrada então na tela (a Nova York de 1933, em plena Depressão) e um recado do diretor: depois da trilogia de "O Senhor dos Anéis", que levou para casa US$ 1 bilhão só nos Estados Unidos e ganhou 17 Oscars, quem está sentado no topo do mundo hollywoodiano é ele, Peter Jackson.
Com o sucesso de público e crítica, o neozelandês de 43 anos nascido em Pukerua Bay conquistou o que mais queria depois de penar três anos com hobbits e anéis: liberdade de escolha.
E liberdade de escolha em Hollywood se resume a duas perguntas, feitas por um dos grandes estúdios, que diretores de mais qualidade que Peter Jackson passam a vida esperando ouvir em vão: qual filme você quer fazer e quanto quer gastar? A resposta já estava na ponta das línguas dele e de sua mulher, Fran Walsh, parceira desde os tempos da universidade, mãe de seus dois filhos: a refilmagem de "King Kong".
Não o pastiche de 1976, mas o original, de 1933, em que uma equipe de filmagem parte de navio de Manhattan em direção a uma locação no Oriente, que acaba sendo a Ilha da Caveira, ainda não-descoberta, onde encontrarão um povo primitivo, dinossauros e um gorila imenso, Kong, que trarão de volta a Nova York para apresentá-lo como "A Oitava Maravilha do Mundo". "Disse a eles (o estúdio Universal): quero terminar o que comecei a filmar aos 12 anos", contou o diretor em entrevista exclusiva à Folha, feita no sábado pela manhã.
Quanto ao dinheiro, extra-oficialmente fala-se em US$ 208 milhões, dos quais US$ 35 milhões teriam vindo do bolso do próprio Jackson no final das filmagens, quando o estúdio fechou as torneiras e o diretor se recusou a deixar de lado todos os recursos imaginados pela empresa de efeitos especiais Weta, de sua propriedade, aliás. A Universal se limita a dizer que houve "um acordo financeiro final". Jackson afirma que "é complicado".
Mesmo assim, é muito dinheiro -"Titanic", de 1997, a maior bilheteria da história do cinema, custou US$ 200 milhões. Quando ganhou o Oscar então, o diretor James Cameron repetiu uma fala de Leonardo DiCaprio no filme: "Eu sou o rei do mundo". Peter Jackson aguarda o dia 14 de dezembro, a estréia mundial, com ansiedade, para saber se o seu rei, o "King Kong", é o novo nobre do pedaço. A seguir, a entrevista.

Folha - Por que "King Kong" e por que agora?
Peter Jackson -
"King Kong", o original, foi o filme mais marcante da minha vida e é o meu preferido até hoje. Assisti aos nove anos, na Nova Zelândia, e me lembro daquele dia até hoje. E também da manhã seguinte, quando refiz com bonecos de papel a batalha dele com o brontossauro, cena por cena, peguei emprestada a câmera fotográfica dos meus pais e fotografei desenho por desenho. Estava utilizando então, instintivamente, a mesma técnica que o filme usava e que se usa até hoje em títulos mais baratos e mesmo em grandes produções, como "Team America - Detonando o Mundo" (2004), chamada "stop-motion". Com o passar dos anos, fui ficando mais interessado e intrigado pelo filme. Aos 12, tentei fazer um "remake", o que pareceu um projeto ambicioso para um pré-adolescente (risos).

Folha - Em 1996, o sr. tentou de novo, dessa a vez a sério.
Jackson -
Tentei, mas a Universal não me permitiu. Aí aconteceu "O Senhor dos Anéis" e, depois da trilogia, eu estava numa posição confortável, em que poderia filmar literalmente o que quisesse. E sempre quis "King Kong". Disse isso a eles: quero terminar o filme que comecei a fazer aos 12 anos.

Folha - A Amazônia brasileira foi realmente uma inspiração para a flora da Ilha da Caveira, como disseram seus dois especialistas em efeitos especiais, Richard Taylor e Joe Letteri?
Jackson -
Sim e não. Na verdade, a principal inspiração foi mesmo o filme de 1933. Quisemos recriar com meios de hoje o que aparecia então. Era artificial, mas ao mesmo tempo impressionante, pelo conhecimento que se tinha de cinema na época. A floresta era pintada em lâminas de vidro, e os atores eram filmados em frente a elas. O que fazemos hoje em dia é colocá-los em frente a uma parede verde e depois acrescentamos o resto por computador. Ou seja, os meios mudaram, mas o princípio é o mesmo.

Folha - Em termos de efeitos especiais, qual foi a importância do filme de 1933?
Jackson -
Um marco. Nada parecido tinha sido feito até o estúdio RKO bancar a idéia -e sair da falência por isso, mas isso é um detalhe... Pouco se sabia então dos gorilas, daí a idéia do roteirista Edgar Wallace (1875-1932) de usar um como tema principal da história, recorrendo ainda ao conto do século 18 ("A Bela e A Fera", escrito por Jeanne-Marie Leprince de Beaumont em 1756).
Pouca gente tinha visto um avião no ar, daí a batalha final do gorila com eles no topo do Empire State Building. E a era dos arranha-céus chegava ao ápice com o aquele edifício, que aliás foi concluído naquele ano. O "King Kong" de 1933 era o que mais moderno o cinema poderia mostrar, sem esquecer a ousadia, que é uma mulher dividida entre o amor de um animal e o de um homem, no caso um dramaturgo que é roteirista nas horas vagas.

Folha - Há ainda a paixão pelo cinema, também, que o sr. retrata com muita... bem, paixão.
Jackson -
Pelo cinema, pelo teatro e pelas artes em geral. Quando a atriz Ann Darrow (Fray Wray no original, Naomi Watts no atual) é convencida a trabalhar no filme que Carl Denham (Robert Armstrong então, Peter Black agora), o produtor inescrupuloso, quer rodar nos trópicos, trabalha no vaudeville e quase cede ao burlesco, que era o equivalente ao striptease da época.

Folha - O seu Kong, no entanto, é mais humano, concorda?
Jackson -
Bem, ele é um gorila gigante, sanguinário e amedrontador, mas um gorila com um coração, digamos assim. Tem emoções. Andy Serkis [o ator cuja "interpretação" facial e corporal é a base para a construção digital do monstro, também a criatura Gollum de "Senhor dos Anéis"] estudou muito esses animais antes de "compor" seu personagem. E eles são surpreendentemente parecidos conosco. Mas tentamos não humanizá-lo muito, o que o tornaria infantil. Não se esqueça de que este é o "king" (rei) Kong, com toda sua nobreza, mas é diferente, e tem a imprevisibilidade selvagem que o torna verdadeiramente assustador.

Folha - Há também cenas-homenagens ao clássico de 1933 e a outros filmes e algumas piadas que só serão entendidas por quem se interessa por ou conhece o funcionamento da indústria do cinema hoje, não?
Jackson -
Bem... Sim, é verdade, colocamos uma ou outra a mais que não constava do roteiro original de Wallace. Quisemos dar algumas risadas por último.

Folha - Sua última aventura no cinema rendeu 17 Oscars. "King Kong", no entanto, é um filme estritamente de ação e efeitos especiais, não exatamente o gênero preferido da Academia. Alguma expectativa quanto à cerimônia de 2006?
Jackson -
Não, mas espero que pelo menos os prêmios técnicos sejam ganhos por "King Kong". Se o de efeitos especiais, por exemplo, for para qualquer outro será uma injustiça.

Folha - E, depois de terminar o épico do épico, que é a engrenagem colocada para funcionar na divulgação de um filme desse valor, o que o sr. vai fazer?
Jackson -
Essa engrenagem deve me tomar mais um ano, com o filme, o DVD, os extras do DVD etc. etc. Então, quero descansar. Entre o ponto final da trilogia "Senhor dos Anéis" e o início do processo de "King Kong" se passarem exatamente três dias. Temos alguns filmes que queremos fazer, mas vamos tirar um ano de folga e recarregar os neurônios, nossos pobres neurônios... (finge estar ficando cada vez mais fraco) Reenergizar... (risos). Falando sério, parar e pensar em novas idéias.


Texto Anterior: Televisão - Daniel Castro: Globo cresce 13%, metade que em 2004
Próximo Texto: Crítica: Novo Kong é humano, demasiado humano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.