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TELEVISÃO/ANÁLISE
"Mandrake" é a versão masculina de "Sex and The City"
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A estréia de "Mandrake", série
brasileira produzida e exibida pela HBO, vem repercutindo. Motivos não faltam.
O trabalho é baseado na obra de
Rubem Fonseca, dirigido pelo filho do autor, José Henrique Fonseca, e realizado pela sua produtora independente, a carioca Conspiração, que atua -com bossa e
competência -em publicidade,
cinema e TV.
Para além do pedigree mais
aparente e do cuidado de produção já apontados, a série sugere
uma possível semelhança com a
bem-sucedida "Sex and the City"
(1998-2004). Bem situada no Rio
de Janeiro de hoje, com uma ligeira pitada de bom humor, "Mandrake" poderia ser considerada
uma versão masculina, meio retrô, do seriado norte-americano,
também originário na HBO.
Marcos Palmeira, muito à vontade como o protagonista, dá o
tom. Seu Mandrake, como a Carrie de Sarah Jessica Parker, narra a
história em tom confessional, em
off e na primeira pessoa: "Esse aí
sou eu, advogado criminalista.
Não julgo, tento entender".
O personagem transita da alta
sociedade ao submundo carioca.
Sem preconceitos, se envolve com
putas, empresários e artistas. É o
cafajeste, malandro, herói, anti-herói; um tipo simpático e charmoso, politicamente incorreto,
que povoa a ficção literária e cinematográfica brasileira.
De maneira análoga à heroína
bem-sucedida de "Sex and the
City" -que compartilha com o
público as confidências de suas
melhores amigas, mulheres dotadas de tipos variados de sensibilidade feminina, nova-iorquinas
do limiar do século 21-, Mandrake penetra o universo da subjetividade masculina de um Rio
de Janeiro que ainda existe, mas
que já estava lá nos anos 50.
As aventuras do advogado detetive são recheadas de revelações
pessoais, suas e dos comparsas
mais próximos. O personagem se
vangloria de inúmeras conquistas. Um pouco como as garotas
modernas da crônica de costumes
estrangeira, que fez a cabeça do
público brasileiro, os machos cariocas esbanjam indiscrição.
Mandrake e seu melhor amigo,
o policial Raul (Marcelo Serrado),
vão ao banheiro juntos. O lugar é
perfeito para fazer as pazes. Mandrake um dia traiu o amigo roubando-lhe o amor de sua vida, para abandoná-lo em seguida.
Já com o sócio Wexler, mais velho (Miele em ótima atuação), o
jovem profissional se instrui sobre as aventuras do pai morto, de
quem segue cuidadosamente os
passos e a profissão.
A mistura é curiosa. Os dois seriados buscam inspiração nas cidades em que as histórias se passam. Ambos se esmeram no tratamento da intimidade. "Mandrake" apresenta um capricho a mais
na fotografia em tom noir.
As diferenças realçam o inusitado das semelhanças. Um, no registro da comédia, cheio de luz
chapada, lida com perspectivas
femininas em tempos de liberação sexual. O outro, em tom de
policial, trata de pontos de vista
masculinos convencionais. O seriado, à diferença de sua base literária, introduz, com muita sutileza, algum humor no tratamento
desses personagens homens,
cheios de amor para dar.
"Mandrake", como outros trabalhos patrocinados pela HBO no
Brasil e na América Latina, representa um esforço rumo a um formato que ainda estamos para dominar, o do seriado.
Rubem Fonseca é autor bastante adequado para esse experimento, mestre no gênero policial,
igualmente pouco enraizado por
aqui. O trabalho literário do pai
abriu o caminho. O personagem-título tem carisma. O filho, diretor
de cinema, com Toni Bellotto e
Felipe Braga, escreveu os dois últimos episódios. A série pode pegar, especialmente se ousar ganhar autonomia frente à âncora
do texto original.
Esther Hamburguer é antropóloga e professora da ECA-USP
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