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ERUDITO/CRÍTICA
São Paulo descobre os véus da música de Valentina Lisitsa
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Depois de ter aplaudido só
diplomaticamente a "Sinfonia n� 41" de Mozart (1756-91),
que o maestro tcheco Libor Pesek
regeu na abertura do programa, a
platéia explodiu em "bravos" para a pianista ucraniana Valentina
Lisitsa, solista do "Concerto n� 1
para Piano e Orquestra" de Rachmaninov (1873-1943). Talvez não
chegasse a ser a voz de Deus, mas
a voz daquele povo deixava clara a
diferença entre as duas músicas
na interpretação da Osesp, em
concerto realizado anteontem na
Sala São Paulo.
Radicado na Inglaterra há muitos anos, maestro laureado da Filarmônica Real de Liverpool, Pesek é um regente sereno e soberano, sem paciência para fogos de
artifício, mas também sem muitos artifícios de fogo. Seu Mozart
foi, para os padrões de hoje (educados pelas pesquisas de música
antiga), quase inacreditavelmente
lento. Que a própria orquestra parecia surpresa ficou evidente nas
entradas: não foi uma nem duas
vezes que as cordas, ou as trompas, ou algum sopro caiu na música antes do tempo, como se fosse
impossível esperar.
Sutilezas e delicadezas
No mês passado, a Filarmônica
de Israel fez a mesma sinfonia na
mesma sala, com Zubin Mehta regendo o último movimento no limite da velocidade. As proezas de
contraponto, com Pesek, ficam
didaticamente mais claras; mas
será que a vertigem, ali, não é parte do efeito?
Tudo isso virou assunto antigo
nem bem a loiríssima pianista
atacou o primeiro tema do Rachmaninov. Muito menos conhecido do que os "Concertos" de números 2 e 3, o primeiro foi escrito
em 1891, quando o compositor
ainda estava no conservatório. A
versão que se toca é uma revisão
feita em 1917; mas se imagina que
o que foi revisto diga mais respeito à orquestração do que propriamente à estrutura.
Para além dos encantamentos
da música, o que mais espanta é o
quanto da arte de Rachmaninov
já se faz presente desde o início.
Como se tudo o que lhe coubesse,
depois, fosse a exploração desse
núcleo de música, infinitamente
fissionável. Até pequenas figuras
(como as notinhas repetidas nos
trompetes, para ficar só nelas),
coisas que parecem detalhes nesse
opus 1, vão reaparecer, por exemplo, nas "Danças Sinfônicas",
compostas 50 anos mais tarde.
Rachmaninov se achou a si mesmo na adolescência, e nunca mais
precisou de outro interlocutor.
Na cadência do primeiro movimento, Lisitsa honrou a escola
russa e fez tonitroar os baixos do
Steinway. Mas foi quase o único
momento de efusões tão violentas. Porque ela é muito mais uma
pianista de sutilezas e delicadezas,
vestindo sugestivos véus na música, assim como sugestivos tules
nas costas.
Depois disso (e do lindo bis,
uma canção de Schubert transcrita por Liszt), não era preciso mais
nada. Mas Pesek ainda voltaria
com a Osesp para tocar o poema
sinfônico "Taras Bulba", de seu
conterrâneo Janácek (1854-1928).
Muito à vontade nos protomodernismos, regendo de cor, pintou exuberâncias numa sala que
já tinha esvaziado de gente, mas
não de música.
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