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CINEMA
Crítica/"Lula, o Filho do Brasil"
Como farsa, filme repete saga trágica
Ao contrário de "Vidas Secas" (1964), cinebiografia de Lula tem imagem acadêmica, linguagem arcaica e conformismo
Divulgação
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A atriz Glória Pires interpreta dona Lindu, mãe de Luiz Inácio Lula da Silva e um dos eixos narrativos do longa de Fábio Barreto
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
"Lula, o Filho do Brasil" é um fato político antes de ser cinematográfico. Seu sucesso, se
ocorrer, teria interferência no
resultado das eleições? Seria sinal do início (apogeu, alguns dirão) de um culto à personalidade? Ou puxa-saquismo? E os
investidores do filme visariam
lucro com o filme ou com futuros contratos oficiais?
As sombras que envolvem
"Lula" não são poucas, mas a
verdade é que não dizem respeito diretamente ao filme, que
sugere uma série de outras indagações. A primeira questão a
ser endereçada ao filme, do
ponto de vista puramente do
argumento (isto é, da história
que conta), é a seguinte: Lula
encarna a ideia de "filho do
Brasil" a que aspira o longa?
A resposta é sim, em mais ou
menos todos os sentidos. Ele é
filho de uma mãe que criou sozinha vários filhos (como a
maior parte das mães de classe
pobre no Brasil). Ele vem do
Nordeste para o Sudeste. Dá
duro como trabalhador e passa
por uma série de dramas pessoais (morte da primeira mulher, perda do dedo etc.).
É certo que nem todo nordestino pobre e de poucas letras e com dramas pessoais na
biografia chega à Presidência
de um país que, afinal, também
não é essa mixaria toda.
Mas o ponto não é esse: a exceção apenas confirma a regra
do nordestino homem de valor,
de luta etc. que o filme vende
(Lula é o presidente que qualquer um poderia ser). E, sobretudo, da nordestina boa mãe
que luta, como os filhos, contra
a natureza ingrata, o marido ingrato etc.
Trata-se de uma história de
"vencer na vida", mas não como
a de "2 Filhos de Francisco".
Aqui o ponto não é vencer. É,
apenas, sobreviver às agruras
da vida (sim, o filme é lulista:
não ataca oligarquias, não culpa ninguém pelos problemas),
de uma vida de que se omite
justamente a vitória (a vida política e a Presidência estão praticamente ausentes do filme).
Há pontos em comum com
"2 Filhos", sem dúvida. O apelo
melodramático é comum aos
dois filmes, por exemplo. Mas
as diferenças são também claras. O pai de "2 Filhos" educa os
filhos para o sucesso. A mãe de
"Lula", para a sobrevivência. "2
Filhos" é um filme em que se
abrem caminhos; "Lula" é o final de uma trajetória.
Não se trata de um juízo de
valor. "Lula" começou a ser feito em 1964 com o nome de "Vidas Secas". Luiz Carlos Barreto,
pai do diretor Fábio Barreto
(que sofreu grave acidente de
carro no Rio no último dia 19),
fotografou magnificamente o
filme de Nelson Pereira dos
Santos sobre a família de retirantes que desce a pé de um
Nordeste miserável e atingido
pelas secas. Nelson Pereira dirigiu esse filme-marco do cinema novo, isto é, algo que via o
cinema como maneira de mostrar e pensar o país, de revelá-lo, mas também de transformá-lo. Um filme de pequeno público (desses que repugnam a nossa atualidade mercadista) e um
clássico.
Feito para o êxito
Quarenta e cinco anos depois, "Lula" repete a rota Nordeste-Sudeste. Como farsa, naturalmente. Pois não existe nada a mostrar, exceto uma saga
pessoal. Não existe nada a
transformar ou a revolucionar.
O filme se dá por feliz de envolver e comover o espectador.
Para tanto, o diretor Fábio
Barreto serve-se do recurso
mais habitual do cinema brasileiro atual: a linguagem arcaica,
fundada na representação clássica, que o cinema mundial utilizava 60 ou 70 anos atrás.
Luiz Carlos Barreto, nordestino e produtor deste filme, parece considerar encerrado o ciclo nordestino, ao menos o seu.
Da trágica saga da família retirante de "Vidas Secas", passamos ao retirante vencedor (se,
no filme, Lula é sobretudo um
sobrevivente, é impossível ignorar o chamado "extracampo", no caso a parte da biografia
ausente do filme e que, num
salto, explode no pós-final), e
vencedor graças à bravura indômita de sua mãe.
Mudou o país? Há um caminho aí que não se pode ignorar,
em todo caso. Mudou, é certo,
no cinema. Do inquieto "Vidas
Secas", passamos ao conformismo satisfeito, à imagem
acadêmica, ao drama "emocionante" (quer dizer: que chora
por nós), a "Lula". Não é um filme de campanha, em princípio.
Mas é um filme feito para o êxito, como as campanhas políticas. Desculpe, eu sou mais "Vidas Secas".
LULA, O FILHO DO BRASIL
Direção: Fábio Barreto.
Produção: Brasil, 2009
Com: Glória Pires, Rui Ricardo Diaz,
Cleo Pires e Juliana Baroni
Onde: Unibanco Arteplex Frei Caneca,
Cine Bombril, Cine Tam e circuito
Classificação: 12 anos
Avaliação: ruim
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