|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
OLIMPÍADA 2000
Modalidade de origem coreana faz estréia olímpica em Sydney-2000 e encara como principal desafio transformar seus mestres em técnicos e fazer seus discípulos competirem como atletas
Taekwondo quer chutar a fama de "panelinha'
RODRIGO BERTOLOTTO
DA REPORTAGEM LOCAL
O presidente da
Confederação Brasileira de Taekwondo, o coreano
Young Min Kim, já
derrubou a Xuxa
com seus golpes. É que, antes de
ser chefe no esporte, Kim foi um
astro infantil nos anos 80, quando
participava do ""Cometa Alegria",
da extinta TV Manchete.
O sucesso de suas lições na TV
era tanto que ele ajudou muitas
vezes o "Cometa Alegria" a superar no Ibope o programa global
""Xou da Xuxa". E a atração da
Manchete fez Kim virar até herói
de história em quadrinhos.
No gibi, ele se tornava o personagem Mestre Kim, uma versão
carioca de Bruce Lee. Acompanhado da voluptuosa Lady Dragon, ele combatia, na base do
pontapé, vilões como Mestre
Sombra e os Ninjas Satânicos.
""Era tudo ficção: tinha namorada loirinha, viajava pelo mundo e
derrotava até monstro. Minha vida normal era a de um professor",
explica Kim, com português escasso apesar de 25 anos no Brasil.
Mas, agora que Kim é dirigente,
seu desafio é muito maior do que
nos quadrinhos: eliminar todo o
resquício de seita presente ainda
na modalidade, que faz sua estréia
olímpica em Sydney-2000.
""Tem muita gente que pensa
que o discípulo deve seguir cegamente seu mestre. Eles levam o
esporte como uma panelinha.
Precisamos de atletas e técnicos.
Não queremos mais discípulos e
mestres", afirma Kim.
Técnico da seleção, Carlos Negrão experimenta atualmente essa lógica sectária. Por estar treinando Carmem Carolina, única
atleta nacional a obter a vaga
olímpica, ele foi alvo de denúncias
anônimas em uma carta enviada
ao Comitê Olímpico Brasileiro.
""Aposto que essa carta foi escrita por alguém que vive uma serventia estúpida a seu mestre. Querem ir à Austrália no meu lugar e
fazem isso. É uma deturpação",
diz Negrão.
Por seu lado, Carmem chegou a
chorar sabendo da pressão para
substituir seu treinador. ""É uma
situação revoltante. As pessoas
não acreditavam em mim e, agora, se aproximam e falam que estão do meu lado. É muita falsidade", diz a atleta.
O taekwondo obedece uma
doutrina derivada do budismo.
Em toda academia, há sempre
dois quadros na parede. Em um
deles, estão as condutas básicas:
cortesia, integridade, perseverança, autocontrole e, por último,
possuir um ""espírito indomável".
O outro quadro é reservado para o juramento -o segundo
mandamento diz: ""Respeitar o
instrutor e meus superiores".
Pátria, religião e exército
Apesar da apresentação como
arte marcial milenar, o taekwondo surgiu mesmo em 1955.
Saídos da Guerra da Coréia
(1950-1953), os sul-coreanos unificaram as regras de luta sob uma
filosofia que misturava religião,
nacionalismo e militarismo.
O patriotismo está, por exemplo, nas cores dos competidores,
as mesmas do globo na bandeira
sul-coreana: um é vermelho
(hong), o outro, azul (chung).
A influência budista é clara, por
exemplo, nos nomes dos movimentos. Uma série deles se chama
gum-kang (montanha), com golpes sólidos e extensos. Outra se
intitula iliô (vento), de ações aéreas e rápidas.
No momento de criação do
taekwondo, buscou-se eliminar
toda e qualquer influência das lutas japonesas, afinal o Japão invadira o país de 1910 até 1945 e proibira as técnicas locais.
A partir de 1966, com apoio do
governo sul-coreano, centenas de
mestres foram enviados a vários
países. No Brasil, eles chegaram
entre 1969 e 1970. A irradiação
deu tão certo que em 1973 já estava fundada a Federação Internacional de Taekwondo.
Com regras universais e unificadas, essa luta asiática conseguiu
superar na corrida olímpica, por
exemplo, o caratê, modalidade
com muitas versões e regras.
Foi esporte de exibição em Seul-1988 e Barcelona-1992. E, graças
também ao lobby de Un Yong
Kim, vice-presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), virou esporte valendo medalhas.
Para o técnico Carlos Negrão,
porém, o esporte no Brasil deve se
desvincular dos moldes coreanos.
""O Brasil detém a técnica mais
apurada do futebol mundial, mas
ninguém quer copiar a organização daqui. Seria o caos. O mesmo
acontece no taekwondo. Os coreanos dão os golpes mais plásticos, mas não dá para seguir a
mentalidade deles", afirma.
Para ele, o exemplo a ser seguido é o da Espanha, segunda potência no esporte.
Tanto é assim que a equipe brasileira fez um estágio no Centro de
Alto Rendimento, em Sant Cugat,
perto de Barcelona.
A escola espanhola dá prioridade à força física, com os atletas fazendo muita musculação e exercícios de resistência.
O técnico brasileiro e duas atletas (Carmem Carolina e Aparecida Santana) treinaram com a seleção espanhola e ""espionaram" o
planejamento aplicado por lá. No
estágio, deram conta do abismo
existente entre a preparação olímpica espanhola e a brasileira.
Enquanto os ibéricos têm alojamento, alimentação, acompanhamento médico e treinamento
bancado pelo governo, comitê
olímpico e um canal de TV, os
brasileiros vivem e treinam, literalmente, de favor.
O maior exemplo é o da olímpica Carmem Carolina: ela deixou
sua cidade, Londrina, e mora desde janeiro no apartamento de Negrão, em São Paulo. Para alojá-la,
o técnico teve de despejar sua filha, Marina, 3, de seu quarto.
A atleta dorme entre os brinquedos da menina: bonecas, ursinhos, um fogãozinho, os Sete
Anões e um triciclo. O berço da filha foi para o quarto do casal.
""Marina não ficou enciumada
por perder seu lugar na casa. Ela
parece entender a situação", afirma a mãe, Márcia.
Cenas de ciúme de verdade surgiram quando o Vasco da Gama
apareceu neste ano como o primeiro patrocinador da modalidade no país.
O clube carioca, que banca 22
atletas (Carmem incluída), despertou inveja nas tradicionais
academias, dizem os técnicos Negrão e Ricardo Andrade.
Há duas semanas, durante o
Campeonato Carioca, Andrade
foi agredido por um treinador irritado pela ida de um seu discípulo para o Vasco. Ele estava sentado, vendo uma luta, quando foi
atingido por um soco, que quebrou seu óculos. Sua córnea foi ferida e músculos da face, cortados.
Não havia polícia no local.
""É a reação da incompetência,
da inveja. Não existe essa história
de roubar atletas dos outros. Existe transferência legal", diz Andrade. ""Isso acontece porque há muita desorganização. O problema é
que os brasileiros não assumiram
ainda a responsabilidade, e os coreanos seguem mandando",
completa.
Negrão concorda. ""A atitude é
retrógrada, antiga. Tanta resistência é sinal de ciúme em um ambiente amadorístico", afirma.
Um dos resultados de tanta desorganização foi a emigração dos
principais lutadores locais -o último foi Belmiro Giordani, que se
mudou para os EUA.
Ele ficou com a 5� colocação no
Mundial. A delegação brasileira
chegou à Croácia, local de competição, sem ter reserva de hotel. Resultado: os atletas esperaram horas na calçada enquanto os técnicos buscavam hospedagem.
Texto Anterior: Futebol - Tostão: Os volantes não olham para a frente Próximo Texto: Palmeiras e Santos ficam no 0 a 0 em jogo com cerca de7.000 pessoas Índice
|