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ELEIÇÕES ARMADAS
"Adiar o pleito seria um sinal de fraqueza aos olhos da insurgência e dos terroristas"
"Estaríamos em situação melhor agora se tivéssemos privilegiado o multilateralismo"
BRENT SCOWCROFT
General Brent Scowcroft afirma que EUA subestimaram hostilidade
Eleição agrava perigo de guerra civil, diz assessor de Bush pai
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
EMBORA TENHAM DE OCORRER hoje porque
seu adiamento significaria, aos olhos da insurgência e
dos terroristas ativos no Iraque, um sinal de fraqueza
da coalizão liderada pelos EUA, as eleições legislativas poderão agravar o perigo da "deflagração de uma
guerra civil aberta" no país. A análise é de Brent
Scowcroft, analista político e amigo da família Bush.
A análise é de Brent Scowcroft,
general da reserva que foi assessor
para Assuntos de Segurança Nacional dos presidentes republicanos Gerald Ford (1974-77) e George Bush (1989-93) e é um dos mais
influentes consultores de política
internacional dos EUA.
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - O sr. disse que a situação
de segurança no Iraque é tão crítica
que as eleições poderiam agravar o
problema. Mesmo assim, o sr. defende sua realização, não é?
Brent Scowcroft - Como a data
das eleições foi estabelecida há algum tempo, seu adiamento deixaria o processo político numa situação muito confusa, e não há
data ideal para a realização da votação a curto ou médio prazos,
pois ainda haverá insegurança.
Ademais, o adiamento do pleito
fará que os insurgentes pensem
que ganharam uma batalha contra as autoridades americanas e
iraquianas. E eles provavelmente
vão intensificar seus esforços.
Não sou, portanto, favorável ao
adiamento das eleições, mas, logicamente, elas ocorrerão num ambiente muito desfavorável. Afinal,
ao menos uma parcela dos iraquianos sunitas e dos insurgentes
acredita que o Iraque vá transformar-se num Estado xiita e tenta
impedir que isso se torne realidade. Cada vez mais, os ataques visam os sunitas que pretendem votar e os líderes xiitas.
Com isso, as eleições podem
agravar o perigo da deflagração
de uma guerra civil aberta. Não
tenho certeza de que isso vá ocorrer, porém a votação não poderá
constituir um grande passo na direção da melhora da situação, visto que os sunitas não serão devidamente representados e os xiitas
ganharão um poder muito grande. Isso complicará as coisas.
Creio, conseqüentemente, que
os iraquianos tenham de fazer algum ajuste após a apuração dos
votos. Afinal, a Constituição iraquiana não poderá ser concebida
sem a participação da comunidade árabe-sunita. Trata-se de uma
situação bastante complicada.
Folha - Qual é o conteúdo e o sentido políticos de uma votação
ameaçada pela violência e pelo
boicote dos árabes sunitas?
Scowcroft - A insegurança mina
o conteúdo político das eleições.
O problema é que a alternativa seria adiar a votação, e, como disse
antes, o adiamento faria que a
coalizão liderada pelos EUA perdesse o controle da situação. Isso
serviria para incentivar os insurgentes a continuar as suas ações,
além de não resolver o problema
sobre a escolha da nova data.
A melhor resposta à crise passa
pela realização das melhores eleições possíveis dentro desse quadro de violência. Como os xiitas
provavelmente vão ganhar, será
preciso abrir caminho para a participação dos sunitas na concepção da Constituição e na formação do governo. Se isso ocorrer, o
desfecho eleitoral será positivo. Se
os líderes árabes-sunitas se recusarem a participar do processo
político ou os xiitas não quiserem
permitir que isso ocorra, todavia,
a crise se tornará mais complexa.
Folha - Mesmo assim, o sr. crê que
as eleições sejam legítimas?
Scowcroft - Uma vez que a data
da votação está marcada, temos
pouca margem de manobra no
que tange a um eventual adiamento, embora saibamos que os
árabes sunitas talvez não compareçam majoritariamente às urnas.
Afinal, adiar o pleito seria um sinal de fraqueza aos olhos da insurgência e dos terroristas.
Folha - O sr. acredita que a democracia possa ser imposta a um país,
como os EUA tentam fazer no Afeganistão e no Iraque?
Scowcroft - Sou cético acerca da
possibilidade de a democracia ser
imposta de forma exógena. Creio
que a democracia seja o fim de
um processo, não o começo. Diversas circunstâncias devem existir numa sociedade para que ela
possa existir. Devo admitir que
essas circunstâncias não existem
hoje no Afeganistão nem no Iraque. Não posso dizer que a iniciativa de democratizá-los não funcionará no futuro. Todavia exemplos recentes, como o da Argélia,
mostram que isso é difícil.
No início da década passada, os
argelinos tiveram eleições livres e
elegeram radicais islâmicos. O resultado foi uma guerra civil de 12
anos no país. Devemos reconhecer que a democracia é um processo complexo. No mundo ideal,
ela nasce endogenamente. Não
digo que o processo não pode receber ajuda externa, porém não
acredito que a democracia possa
ser criada de modo exógeno.
Folha - Que circunstâncias devem
existir para que a democracia possa criar raízes numa sociedade?
Scowcroft - Há muitas. É preciso
que haja uma sociedade civil bem
estabelecida, tolerância, um sentido de nacionalismo, não de tribalismo, um sentido de que respeitar as regras é mais importante do
que vencer o jogo etc. Ninguém
rouba para vencer uma eleição,
ninguém faz uma guerra porque a
perdeu. Em muitas sociedades,
trata-se de um conceito comum.
Folha - Há o risco de os EUA sofrerem uma espécie de "overstretching" (extensão excessiva), como
disse Paul Kennedy em seu livro
"Ascensão e Queda das Grandes
Potências", por conta de seu forte
envolvimento militar no exterior?
Scowcroft - Estamos engajados
de modo muito pesado em várias
frentes. Com isso, a situação seria
muito difícil para nós se algo inesperado ocorresse e tivéssemos de
agir militarmente. Não sei se podemos falar em "overstretching",
mas é verdade que portamos um
peso muito grande atualmente no
que se refere a ações militares.
Suspeito, aliás, que portemos
um peso bem maior do que pensávamos que portaríamos dois
anos após a invasão do Iraque. Isso é um problema para nossas capacidades militares, visto que limita a margem de manobra, e para nossa habilidade em prestar
atenção a outros focos de tensão.
O Iraque consome tanto nossas
forças que acaba desviando a
atenção das autoridades de outros
temas importantes, como a Coréia do Norte ou o Irã.
Folha - Podemos crer nas notícias
que dizem que os EUA estão se preparando para atacar o Irã?
Scowcroft - Li artigos sobre o assunto, mas tudo me parece significativamente exagerado. No entanto não posso realmente julgar.
Folha - Com base em toda a sua
experiência militar e civil, o sr.
acredita que isso seja plausível?
Scowcroft - Não!
Folha - O governo Bush cometeu
um erro ao ir à guerra contra o Iraque do ex-ditador Saddam Hussein, pois hoje sabemos que ele
não tinha armas de destruição em
massa nem ligações com o terror?
Scowcroft - Trata-se de uma ótima questão. É uma pena que a
história nunca revele suas alternativas. Não sabemos o que aconteceria se não tivéssemos travado
essa guerra. Em 2002, escrevi que
Saddam e o Iraque não deveriam
ser vistos como prioridades para
os EUA. Não penso que seja preciso dizer mais nada a esse respeito.
Folha - E quanto à reconstrução?
Scowcroft - Um dos principais
problemas é que a atual administração subestimou o grau de hostilidade que encontraria no Iraque após a queda de Saddam.
Com isso, não podemos avançar
na reconstrução nem dar aos iraquianos um sentimento de que
sua vida está melhorando. Os
oleodutos e o sistema de eletricidade são constantemente atacados, e a reconstrução não avança.
Isso tende a agravar a irritação da
população, o que é desfavorável.
Folha - Condoleezza Rice, a nova
secretária de Estado, declarou que
os EUA serão diplomáticos e o multilateralistas. Isso é crível?
Scowcroft - Espero que sim. Isso
é necessário porque a maioria dos
problemas globais atuais, como o
terror ou as drogas, ultrapassam
as fronteiras nacionais e, portanto, requerem um tratamento multilateral. Sem cooperação, teremos graves problemas. Estaríamos numa situação melhor agora
no Iraque se tivéssemos privilegiado o multilateralismo.
Folha - Que impacto a crise iraquiana terá sobre o terror global?
Scowcroft - Ele já teve um impacto sobre o terror global. Conseguimos minar as capacidades
da Al Qaeda. Contudo o Iraque
tomou o lugar do Afeganistão e se
tornou o maior centro de treinamento de terroristas islâmicos.
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