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ELEIÇÕES ARMADAS
"Presença de potência invasora provoca repulsa em todos os mesopotâmicos, sunitas e xiitas"
"Embora eleitores ainda não saibam bem quais serão os locais de voto, os guerrilheiros já sabem"
DILIP HIRO
Fracasso anterior de cenários traçados pelos EUA tem tudo para se repetir, segundo Hiro
Eleição é outra promessa vazia, afirma especialista
DILIP HIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A ELEIÇÃO DA ASSEMBLÉIA Nacional do Iraque tem
tudo para se tornar a mais recente das ""viradas" anunciadas pela administração de George W. Bush que, no final, acabam se revelando becos sem saída.
Começando com a prisão de Saddam Hussein, em dezembro de 2003, os cenários cor-de-rosa de Washington
que acabaram virando cinzas incluem a transferência da
soberania para os iraquianos, a ""iraquificação" do aparelho de segurança do país e a recaptura de Fallujah, descrita como fonte primeira da insurgência sunita.
Em lugar de desanimar a resistência contra a ocupação anglo-americana, a prisão de Saddam
Hussein, descrito por Washington como o principal motor da insurgência, a exacerbou.
Descartada a perspectiva de volta de Saddam ao poder, os xiitas
passaram à segunda parte do slogan popular ""não, não a Saddam;
não, não à América". Resultado:
os levantes xiitas de abril de 2004.
O bilhete apressado que Condoleezza Rice enviou ao presidente
Bush em 28 de junho (""Sr. Presidente, o Iraque é soberano") não
demorou a virar piada sem graça
quando Iyad Allawi, o premiê interino do ""Iraque soberano", passou a apelar às forças americanas
para refrear os insurgentes.
A utilização rotineira feita pelo
Pentágono de caças-bombardeiros e helicópteros de ataque contra os insurgentes em áreas urbanas derrotou sua própria campanha para conquistar corações e
mentes dos iraquianos.
As declarações de Washington
quanto à bem sucedida ""iraquificação" das forças de segurança locais também resultaram em fracasso total. Seis meses de esforços
renderam apenas 5.000 soldados
treinados e confiáveis para o
Exército de 120 mil homens.
Um terço dos 135 mil policiais
que integram a folha de pagamentos nunca se apresenta ao trabalho. E grande parte, em lugar de
combater os guerrilheiros, simplesmente deserta ou foge.
Após a reeleição de Bush, no início de novembro, ouvimos que a
recaptura de Fallujah, epicentro
da insurgência, iria finalmente libertar o Iraque do flagelo dos
""terroristas e assassinos". Em lugar disso, os guerrilheiros se espalharam por vários lugares e mudaram seu centro de operações
para Mossul, que tem população
seis vezes maior que Fallujah.
Quanto às eleições no Iraque, o
período que as antecede vem destacando as tensões existentes entre a minoria sunita, tradicionalmente governante, e a maioria xiita governada, tensões que remontam ao tempo em que a Mesopotâmia foi absorvida pelo Império
Otomano, sunita, em 1638.
No entanto a presença de uma
potência estrangeira que é totalmente estranha aos iraquianos
em termos de raça, religião, língua e cultura desagrada ao nacionalismo acirrado de todos os mesopotâmicos, com seus 6.000 anos
de história. Sunitas e xiitas repudiam esse invasor que quer transformar o Iraque em um Estado
cliente para fomentar seus próprios interesses econômicos, militares e diplomáticos na região.
""Não aceitamos a permanência
das tropas americanas no Iraque", disse o aiatolá Abdul Aziz al
Hakim, líder do xiita Conselho
Supremo da Revolução Islâmica
no Iraque (CSRII). ""Consideramos que essas forças cometeram
muitos erros no tratamento dado
a diversas questões, sendo a primeira delas a segurança, o que,
por sua vez, vem contribuindo
para os massacres, os crimes e as
calamidades que ocorrem no Iraque, contra os iraquianos."
Sua opinião encontra eco do outro lado da divisa sectária. A
maioria dos sunitas, religiosos ou
seculares, também está ansiosa
por ver as tropas americanas deixarem o país. Pesquisas de opinião indicam que dois terços dos
iraquianos querem que os soldados estrangeiros deixem o país
imediatamente. A divergência entre as duas correntes diz respeito
aos meios a serem usados para alcançar essa meta.
Os líderes xiitas querem participar da eleição, conquistar a maioria das vagas na assembléia e, então, negociar com os americanos
sua retirada gradual. Já a maioria
dos sunitas vê como ilegítimas as
eleições conduzidas sob a égide de
tropas estrangeiras infiéis.
Para frear a violência no dia da
eleição, a Comissão Eleitoral só
divulgou há alguns dias quais serão os 5.600 locais de voto, e os
partidos não divulgaram as listas
completas de seus candidatos.
Embora os eleitores não saibam
bem quais serão os locais de voto,
os grupos guerrilheiros já o sabem. Seus agentes infiltrados na
Comissão Eleitoral já lhes disseram. Um líder insurgente em Bagdá afirmou que suas celas de resistência já têm guardados estoques
extras de granadas-foguetes, além
de mísseis Grad, e que elas estão
posicionadas de modo a atingir os
locais de voto que são de seu conhecimento.
""Os americanos e Iyad Allawi
insistiram nesta eleição para provar que controlam o Iraque", declarou um líder guerrilheiro anônimo. ""Vamos desmenti-los."
Assim, a eleição que se aproxima provavelmente vai oferecer
mais um exemplo de caso em que
a cura é pior do que a doença.
DILIP HIRO é autor de ""Iraq: In the Eye
of the Storm" (Iraque: no olho da tempestade) e ""Secrets and Lies: Operation
"Iraqi Freedom" and After" (segredos e
mentiras: operação "liberdade iraquiana"
e depois), ambos publicados pela Nation
Books (Nova York).
Tradução de Clara Allain
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