São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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ELEIÇÕES ARMADAS

"Não se pode colocar na mesma categoria todas as correntes da insurgência iraquiana"
JONATHAN STEVENSON

"Vários antigos aliados de Saddam disputam o controle da cena política iraquiana"
ROHAN GUNARATNA

Influência de Saddam não é mais preponderante entre os rebeldes, afirmam analistas

Insurgência iraquiana é sunita, mas multifacetada

DA REDAÇÃO

A INSURGÊNCIA IRAQUIANA é hoje eminentemente sunita, mas heteróclita e multifacetada. Ela é composta, de acordo com especialistas consultados pela Folha, por três tipos de grupo principais: os majoritariamente iraquianos e resistentes, formados sobretudo por ex-membros do partido Baath -do ex-ditador Saddam Hussein- e por seus simpatizantes, os que misturam iraquianos árabes ou curdos com combatentes estrangeiros e os "jihadistas" internacionais, que buscam deflagrar uma "guerra santa contra os infiéis ocupadores" e privilegiam atos terroristas.

"Não se pode colocar na mesma categoria todas as correntes da insurgência iraquiana. Esta mistura movimentos de resistência à ocupação com o terror "jihadista", que tem know-how e contato com a Al Qaeda, rede de Osama bin Laden", analisou Jonathan Stevenson, do Instituto Internacional para Estudos Estratégicos (EUA).
"Seria errôneo afirmar que ex-membros do Baath, que sempre estiveram no poder no Iraque, têm as mesmas metas que pessoas como Abu Musab al Zarqawi, um terrorista contumaz que lutou no Afeganistão", acrescentou.
Rohan Gunaratna, do Instituto de Defesa e de Estudos Estratégicos de Cingapura, salientou que os ex-integrantes do Baath não são, em sua maioria, "fiéis ao regime de Saddam, mas nacionalistas sunitas envolvidos numa sangrenta luta pelo poder no Iraque".
"A idéia de que Saddam ainda exerce forte influência sobre a insurgência é falsa. Contudo vários de seus antigos aliados a protagonizam porque disputam o controle da cena política iraquiana. Como sabem que a maioria xiita será mais poderosa em razão da demografia do país, eles tentam impedir a consolidação do processo político", avaliou Gunaratna.
Outra corrente da insurgência, que também pratica atos de resistência à invasão, mas não descarta o uso do terrorismo, é a que mistura curdos e árabes sunitas com uma pequena parcela de combatentes estrangeiros, cujo combate é "jihadista" e antiamericano.
O principal grupo dessa categoria é o Ansar al Sunna (defensores da suna, conjunto de preceitos extraídos das práticas do profeta Muhammad), uma ramificação do Ansar al Islam (defensores do islã), um grupo terrorista curdo com ligações com o governo do Irã e com a Al Qaeda. Seu ataque mais grave ocorreu em Irbil, no Curdistão iraquiano, contra escritórios de partidos curdos. A ação de suicidas deixou 117 mortos.
Em dezembro, ademais, o grupo, composto por sunitas curdos, árabes e estrangeiros, realizou o ataque mais sangrento contra as forças americanas no Iraque desde a invasão, ocorrida em 2003. Um terrorista suicida conseguiu entrar numa base americana perto de Mossul (norte) e matou 22 pessoas, incluindo 14 americanos.
Outro grupo pertencente a essa categoria são os Esquadrões Al Mujahidin, que reivindicaram o seqüestro do brasileiro João José Vasconcellos Jr., embora suas ações estejam, gradativamente, se tornando mais terroristas ou criminosas e menos de resistência.
A última categoria da insurgência é eminentemente estrangeira e terrorista. Sua figura mais conhecida é o jordaniano Al Zarqawi, que lidera a Al Qaeda na Terra do Tigre e do Eufrates e exerce forte influência sobre todas as ramificações da rede no Iraque. Ele também teria contato com os líderes do Ansar al Sunna, no entanto isso nunca foi comprovado.
"Trata-se sobretudo de combatentes estrangeiros de ideologia "jihadista" ou apocalíptica, que expressam mensagens repletas de referências à "guerra santa" e aos "cruzados invasores". A maioria esteve em campos de treinamento da Al Qaeda, e alguns deles tiveram contato pessoal com Bin Laden", explicou Stevenson.
Para agravar o quadro, há ainda grupos iraquianos que se aproveitam do caos reinante no país para cometer crimes comuns, visando obter ganhos financeiros.
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)

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