Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Pai da "Não-Constituição" diz que eleição agora é um erro
SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA
Entre a invasão (março de 2003)
e a eleição (hoje), houve a Autoridade Provisória da Coalizão
(APC). Uma de suas funções mais
difíceis foi a de montar uma
Constituição também provisória,
na verdade um conjunto de leis
que desse suporte para que tanto
o governo provisório quanto às
eleições de hoje ocorressem dentro de alguma ordem.
Para criar este conjunto de leis,
que ganhou o apelido de "Não-Constituição" mas é a Carta que
rege e regerá o país por vários meses ainda, a ONU enviou o diplomata argelino Lakhdar Brahimi.
Já a administração Bush foi buscar no conservador Instituto
Hoover (Califórnia) um professor
de ciência política e coordenador
do Programa de Democracia da
entidade que já trabalhava como
conselheiro da APC desde janeiro
de 2004. Trata-se do americano
Larry Diamond, 52, autor de mais
de 20 livros sobre a implantação
de regimes democráticos em países de Terceiro Mundo ou em
transição de regimes autoritários.
Pois o pai da "Não-Constituição" iraquiana acha que as eleições de hoje não vão dar certo.
"Elas deviam ter sido adiadas pelo
governo provisório, com o apoio
do governo Bush", disse Diamond, que vem discordando publicamente das decisões tanto do
governo de seu país quanto do governo provisório do Iraque.
Folha - O sr. acha que as eleições
vão funcionar?
Larry Diamond - Não.
Folha - Por quê?
Diamond - Porque uma parte
enorme do país vai ser excluída
do novo Parlamento, aprofundando seu sentimento de marginalização e falta de poder. São os
sunitas. Esse problema tem de ser
resolvido, ou a onda de violência
não vai acabar.
Folha - Qual seria uma alternativa viável a essa altura?
Diamond - Adiar as eleições, mudar o sistema eleitoral. A primeira
solução já não é mais possível, por
motivos óbvios. A segunda, sim.
Só que agora vai ser muito mais
difícil, politica e tecnicamente.
Folha - Como os EUA e o governo
provisório poderiam evitar a marginalização dos sunitas?
Diamond - Garantindo que eles
tenham representatividade no
parlamento com um número mínimo de cadeiras, assim como
participação no comitê constituinte. Além disso, os candidatos
sunitas deveriam surgir das comunidades sunitas, e não ser escolhidos por outros atores políticos, como aconteceu agora.
Folha - Se um sistema distrital garantiria a equanimidade, por que a
"Não-Constituição" o rejeitou?
Diamond - Curto e grosso? Porque a ONU não quis. Eles ficaram
com medo de que os dados disponíveis do Censo não eram confiáveis, e o resultado seria uma Assembléia Constituinte distorcida,
dominada por sunitas e com xiitas e curdos em minoria, como
era o parlamento fictício criado e
mantido por Saddam Hussein.
Nós contra-argumentamos que
o Censo poderia ter números viciados, mas nós contávamos com
os números das cotas de distribuição de alimentos, que são bastante representativos e atuais. Explico: para você receber alimento de
graça hoje em dia, e 90% da população adulta o faz, é preciso declarar uma série de dados que permitem que se faça um censo, provisório mas decente, do país.
Folha - Quando o sr. acredita que
as forças americanas deveriam deixar o Iraque e quando acha que
realmente vão sair?
Diamond - Minha opinião não
importa, mas o governo americano deveria dizer publicamente
que não pretende ficar por tempo
indeterminado no Iraque. Deveria definir uma data para a retirada, talvez daqui a dois anos, condicionando-a ao fim da violência.
Folha - O sr. escreveu recentemente que "em condições que se
assemelham a uma guerra civil, você não vai encontrar muitas Madres Teresas, então você negocia
com agentes e simpatizantes da
violência que estejam dispostos a
tomar um rumo diferente". O Iraque se aproxima de uma guerra civil, como aconteceu no Líbano
(conflito que opôs cristãos maronitas e a coalizão de drusos e muçulmanos, matando 150 mil pessoas,
entre 1975 e 1991)?
Diamond - Não, no Líbano foi
pior. Mas eu temo que a situação
iraquiana possa estar caminhando para isso. Já temos dois dados
que tecnicamente definem o que
chamamos de "guerra civil de baixa intensidade", que é um número considerável de guerrilheiros e
uma violência insurgente.
Folha - Quem são as "Madres Teresas" possíveis no Iraque hoje?
Diamond - Não há nenhuma.
Mas precisamos convencer estes
agentes e simpatizantes da violência de que esse caminho só vai
prejudicar seus interesses e de que
a via legal e democrática pode ser
mais efetiva para o que eles querem, que é tomar parte no poder.
Folha - O governo Bush o chamou
para liderar a comissão da "Não-Constituição" com o representante
da ONU. Por que o sr. aceitou? O sr.
foi a favor da invasão ao Iraque?
Diamond - Eu fui um dos opositores a essa guerra do jeito que ela
foi realizada.
Texto Anterior: EUA atingem os seus objetivos com relação ao petróleo Próximo Texto: Insurgência iraquiana é sunita, mas multifacetada Índice
|