São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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Pai da "Não-Constituição" diz que eleição agora é um erro

SÉRGIO DÁVILA
DA CALIFÓRNIA

Entre a invasão (março de 2003) e a eleição (hoje), houve a Autoridade Provisória da Coalizão (APC). Uma de suas funções mais difíceis foi a de montar uma Constituição também provisória, na verdade um conjunto de leis que desse suporte para que tanto o governo provisório quanto às eleições de hoje ocorressem dentro de alguma ordem.
Para criar este conjunto de leis, que ganhou o apelido de "Não-Constituição" mas é a Carta que rege e regerá o país por vários meses ainda, a ONU enviou o diplomata argelino Lakhdar Brahimi.
Já a administração Bush foi buscar no conservador Instituto Hoover (Califórnia) um professor de ciência política e coordenador do Programa de Democracia da entidade que já trabalhava como conselheiro da APC desde janeiro de 2004. Trata-se do americano Larry Diamond, 52, autor de mais de 20 livros sobre a implantação de regimes democráticos em países de Terceiro Mundo ou em transição de regimes autoritários.
Pois o pai da "Não-Constituição" iraquiana acha que as eleições de hoje não vão dar certo. "Elas deviam ter sido adiadas pelo governo provisório, com o apoio do governo Bush", disse Diamond, que vem discordando publicamente das decisões tanto do governo de seu país quanto do governo provisório do Iraque.

Folha - O sr. acha que as eleições vão funcionar?
Larry Diamond -
Não.

Folha - Por quê?
Diamond -
Porque uma parte enorme do país vai ser excluída do novo Parlamento, aprofundando seu sentimento de marginalização e falta de poder. São os sunitas. Esse problema tem de ser resolvido, ou a onda de violência não vai acabar.

Folha - Qual seria uma alternativa viável a essa altura?
Diamond -
Adiar as eleições, mudar o sistema eleitoral. A primeira solução já não é mais possível, por motivos óbvios. A segunda, sim. Só que agora vai ser muito mais difícil, politica e tecnicamente.

Folha - Como os EUA e o governo provisório poderiam evitar a marginalização dos sunitas?
Diamond -
Garantindo que eles tenham representatividade no parlamento com um número mínimo de cadeiras, assim como participação no comitê constituinte. Além disso, os candidatos sunitas deveriam surgir das comunidades sunitas, e não ser escolhidos por outros atores políticos, como aconteceu agora.

Folha - Se um sistema distrital garantiria a equanimidade, por que a "Não-Constituição" o rejeitou?
Diamond -
Curto e grosso? Porque a ONU não quis. Eles ficaram com medo de que os dados disponíveis do Censo não eram confiáveis, e o resultado seria uma Assembléia Constituinte distorcida, dominada por sunitas e com xiitas e curdos em minoria, como era o parlamento fictício criado e mantido por Saddam Hussein.
Nós contra-argumentamos que o Censo poderia ter números viciados, mas nós contávamos com os números das cotas de distribuição de alimentos, que são bastante representativos e atuais. Explico: para você receber alimento de graça hoje em dia, e 90% da população adulta o faz, é preciso declarar uma série de dados que permitem que se faça um censo, provisório mas decente, do país.

Folha - Quando o sr. acredita que as forças americanas deveriam deixar o Iraque e quando acha que realmente vão sair?
Diamond -
Minha opinião não importa, mas o governo americano deveria dizer publicamente que não pretende ficar por tempo indeterminado no Iraque. Deveria definir uma data para a retirada, talvez daqui a dois anos, condicionando-a ao fim da violência.

Folha - O sr. escreveu recentemente que "em condições que se assemelham a uma guerra civil, você não vai encontrar muitas Madres Teresas, então você negocia com agentes e simpatizantes da violência que estejam dispostos a tomar um rumo diferente". O Iraque se aproxima de uma guerra civil, como aconteceu no Líbano (conflito que opôs cristãos maronitas e a coalizão de drusos e muçulmanos, matando 150 mil pessoas, entre 1975 e 1991)?
Diamond -
Não, no Líbano foi pior. Mas eu temo que a situação iraquiana possa estar caminhando para isso. Já temos dois dados que tecnicamente definem o que chamamos de "guerra civil de baixa intensidade", que é um número considerável de guerrilheiros e uma violência insurgente.

Folha - Quem são as "Madres Teresas" possíveis no Iraque hoje?
Diamond -
Não há nenhuma. Mas precisamos convencer estes agentes e simpatizantes da violência de que esse caminho só vai prejudicar seus interesses e de que a via legal e democrática pode ser mais efetiva para o que eles querem, que é tomar parte no poder.

Folha - O governo Bush o chamou para liderar a comissão da "Não-Constituição" com o representante da ONU. Por que o sr. aceitou? O sr. foi a favor da invasão ao Iraque?
Diamond -
Eu fui um dos opositores a essa guerra do jeito que ela foi realizada.

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