São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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ELEIÇÕES ARMADAS

"Sabemos que a maioria não vai tomar parte [das eleições] por causa da situação da segurança" GHAZI AL YAWAR

"Estamos sofrendo com várias crises: falta de comida, de eletricidade e de combustível" ABU ALI ANWAR

Ghazi al Yawar diz que maioria dos iraquianos deve deixar de votar por causa de violência

Insegurança afasta eleitor, admite presidente

PATRICK COCKBURN
DO INDEPENDENT, DE BAGDÁ

Militares americanos afirmaram que ataques contra tropas americanas e iraquianas triplicaram nos últimos sete dias. Cerca de 6.000 centros de votação foram montados no Iraque, mas o local da maioria está sendo mantido em segredo até o último minuto, para reduzir o risco de ataques. Espera-se que o comparecimento seja baixo em áreas sunitas, onde a insurgência está concentrada. O governo diz que espera comparecimento de 50%.

Militares americanos afirmaram que ataques contra tropas americanas e iraquianas triplicaram nos últimos sete dias.
As afirmações de Yawar contrastaram com o apelo do premiê interino Iyad Allawi para que os iraquianos desafiassem a violência e votassem. Cerca de 6.000 centros de votação foram montados no Iraque, mas o local da maioria está sendo mantido em segredo até o último minuto, para minimizar o risco de ataques.
Espera-se que o comparecimento seja baixo em áreas sunitas, onde a insurgência está concentrada. O governo afirmou que espera um comparecimento nacional de cerca de 50%. Yawar afirmou que qualquer processo político que não inclua sunitas, xiitas e curdos seria inválido.
Nas horas que antecederam as eleições de hoje, Bagdá parecia uma cidade se preparando para a guerra. Helicópteros americanos passavam ruidosamente um pouco acima dos telhados, disparando alarmes de carros. Policiais iraquianos mexiam nervosamente em seus rifles. A maioria das pessoas não quis correr riscos e permaneceu em casa. As ruas, normalmente cheias de carros, ficaram assustadoramente vazias.
Superficialmente, as medidas de segurança do governo parecem impressionantes. O vice-premiê, Barham Saleh, anunciou que o conselheiro militar do militante islâmico mais procurado, Abu Musab al Zarqawi, um iraquiano chamado Anad Mohammed Qais, foi preso, mas houve ceticismo sobre o fato de o anúncio ter sido feito logo antes das eleições.
Enquanto iraquianos fora do país começaram a votar anteontem, as fronteiras terrestres do país foram fechadas e viagens entre as 18 Províncias do Iraque foram proibidas. O toque de recolher vai das 19h às 6h. O ministro do Interior emitiu instruções confusas e contraditórias sobre a proibição de carros hoje. Como as tropas dos EUA e as forças de segurança iraquianas estão com o dedo no gatilho na maioria do tempo, a maioria dos iraquianos vai apostar na precaução e se manter fora das ruas.
Pode ser que as duras medidas de segurança, em vez de acalmar os eleitores em potencial, seja contraproducente e crie uma atmosfera tão ameaçadora que as pessoas ficarão na segurança de seus lares. Anteontem, cinco soldados americanos foram mortos em ataques separados. Ontem, ataques de insurgentes mataram 17 pessoas em todo o país. Nenhum americano ficou ferido.
Um grupo que se recusa a ir para casa são os motoristas de carros presos em filas, às vezes tão longas quanto 3km, esperando para comprar combustível. "Estou em meu carro desde 16h30 de ontem e não andei um metro", disse Abu Ali Anwar. Ele abriu a porta do carro para mostrar a pilha de cobertores em que esteve dormindo durante a noite e completou furiosamente: "Não estamos nos mexendo porque a polícia está aceitando subornos de 25 mil dinares para deixar outros motoristas furarem a fila e passarem na nossa frente".
A maioria dos iraquianos fala mais sobre os problemas da sobrevivência do dia-a-dia que das eleições. "Estamos sofrendo com várias crises: falta de comida, de eletricidade e de combustível", afirma Anwar. "Era ruim o suficiente com Saddam, mas agora é dez vezes pior. Eu me formei na faculdade, mas tenho de trabalhar como taxista e não tenho dinheiro nem para comprar sapatos".
Vários iraquianos entrevistados anteontem disseram que eles viam as eleições como um movimento dirigido pelos americanos para impressionar o mundo. "É como um filme em que os iraquianos são dirigidos pelos EUA para fazer o que mandam", afirmou Abu Draid, um carpinteiro desempregado. "São os americanos que vão controlar o próximo governo, independentemente do que aconteça nas eleições".
No entanto, muitos disseram que não acreditam que a eleição é uma perda de tempo e que votariam na lista de candidatos xiitas, reunida sob os auspícios do aiatolá Ali al Sistani, o mais influente clérigo xiita.
Provavelmente a maioria dos iraquianos acredita que as eleições são um passo à frente, mas poucos acreditam que ela vai solucionar a crise permanente em que eles vivem. Os insurgentes denunciam as eleições como um plano dos EUA para legitimar o governo, mas, na realidade, Washington rejeitou as eleições por muito tempo, pensando que ela traria os xiitas ao poder com líderes clérigos. Somente quando os ataques guerrilheiros em distritos sunitas aumentaram, no final de 2003, que os EUA perceberam que um poder americano direto era impossível. Não poderiam se dar ao luxo de alienar xiitas ou sunitas. A administração americana teve de concordar com os pedidos do aiatolá al Sistani por eleições, nas quais os xiitas esperam demonstrar que eles são a maioria.
A eleição, portanto, serve como um referendo em que os xiitas demonstram sua força. Mas Iyad Allawi fez melhor que o esperado, dado o estado do país, porque ele está se apresentando como um candidato secular xiita. Em Bagdá e em Basra, em particular, os partidos políticos clérigos não são populares. Sunitas moderados podem ser atraídos pelo passado no partido Baath.
Todos os iraquianos com quem falamos nas ruas ontem culparam os EUA por seus problemas, eleitores e não-eleitores, sunitas e xiitas. O crescimento da desconfiança em relação aos EUA é provavelmente o desenvolvimento mais significante no Iraque desde a invasão. "Saddam era o melhor de todos", gritou um trabalhador xiita, um sentimento que ele não teria a coragem de expressar 18 meses atrás.
Mesmo o site em árabe do partido de Allawi afirmou que, nesse ínterim, o premiê gostaria que as forças dos EUA se retirassem em etapas. Quando os americanos protestaram ele rapidamente voltou atrás, dando entrevistas em inglês dizendo que eles deveriam ficar no Iraque.


Com agências internacionais

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