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RAÍZES
No interior de
Alagoas, parentes
se enfrentam à
bala; uma facção
se apóia na Polícia
Militar, a outra,
nas próprias
armas
O duelo do "sim" e do "não" na terra do homem cordial
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A MINADOR DO NEGRÃO (AL)
Da pesquisa Datafolha divulgada ontem, emerge uma única macrorregião em que a maioria da
população é favorável à proibição
do comércio de armas e munição
-o Nordeste, onde 53% dos entrevistados disseram apoiar o
"sim" (voto 2).
Como se fosse o último refúgio
do homem cordial de que falava o
historiador Sérgio Buarque de
Hollanda, para definir o traço típico do brasileiro generoso e hospitaleiro no trato, o Nordeste contrasta com os Estados do Sul, onde apenas 19% dos entrevistados
manifestaram intenção de votar
no "sim", contra 81% no "não".
Em busca desse tal homem cordial, a reportagem da Folha foi até
o município de Minador do Negrão, sertão alagoano, 169 quilômetros de Maceió, 6 mil almas,
3.500 eleitores.
Ex-distrito de Palmeira dos Índios, cidade que foi governada pelo escritor Graciliano Ramos entre 1928 e 1930, Minador do Negrão esteve na rota do bando do
cangaceiro Lampião e das volantes repressoras (tropas policiais).
Lá também foi filmada parte do
filme "Vidas Secas", de Nelson
Pereira dos Santos (1963), inspirado no livro de Graciliano.
Hoje, a cidade é berço de famosos corredores de vaquejadas, esporte de valentões, capazes de
derrubar um boi em plena corrida, puxando-o pelo rabo.
Emboscada
A cordialidade começou a vazar
pelos 154 furos de bala na carroceria da camionete Nissan Frontier
preta, que levava o deputado estadual Cícero Paes Ferro (PMDB) a
sua fazenda, em companhia do
primo José Maria Ferro. Outros 31
tiros cravejaram o muro da Escola
Estadual Belarmino Vieira de
Barros, a maior da cidade. Oito
balaços se enfiaram no corpo do
deputado. Um fraturou-lhe a perna esquerda, outro passeou pela
cabeça e saiu pela sobrancelha,
um terceiro destruiu parcialmente a arcada dentária inferior. Ao
todo, foram 193 disparos.
O deputado sobreviveu e denunciou o próprio primo, o fazendeiro José Nilton Cardoso Ferro, por tentativa de homicídio. Segundo Cícero, José Nilton estava
acompanhado, na emboscada,
pelos filhos, Waldeck, Wagner e
Wanderley e por outros oito capangas -todos foragidos desde o
crime, em 31 de janeiro de 2004.
Os acusados defendem-se por
intermédio de seus advogados,
alegando que os disparos foram
em legítima defesa, que o deputado atacou primeiro.
Desde o confronto, os primos
acusados já registraram dois assassinatos em suas fileiras: Ednilson Teixeira, agricultor, morreu
com 18 tiros em 15 de outubro de
2004. Segundo a mãe, Lourdes,
"porque era muito camaradeiro e
amigo dos filhos do José Nilton".
Outro cadáver foi o do cunhado
de José Nilton, o pecuarista Jacó
Cardoso Ferro, assassinado no
dia 28 de janeiro deste ano, menos
de 24 horas após a libertação de
um segurança de Cícero Ferro,
preso com uma pistola 9 milímetros sem registro.
A guerra dos Ferros, espécie de
nobreza local, é por poder e prestígio. A prefeitura é o maior empregador do lugar, com 550 postos de trabalho diretos. A influência cresce graças aos programas
de transferência de renda do governo federal, gerenciados em
parceria com as prefeituras.
Minador do Negrão tinha, em
novembro de 2004, 663 famílias
cadastradas no bolsa-família, 217
no bolsa-escola, 317 no auxílio-gás, entre outros programas.
O prefeito atual de Minador, José Emílio Tenório Barros (PSB), é
aliado de José Nilton, a quem chama de "pai da pobreza", uma
construção ambígua.
Há um mês, o deputado foi depor contra os primos no Fórum
da comarca de Cacimbinhas, cidade próxima.
Sob sol do meio-dia, em pleno
verão sertanejo (a primavera inexiste), temperaturas na marca de
42C, Cícero Ferro chegou à construção azulada com colunas decorativas ("quase um edifício romano clássico", diz um morador)
protegido por oito carros da PM,
policiais de metralhadoras.
Desde que se tornou deputado,
Cícero requisita a proteção da PM
em suas andanças pelo Estado.
Agora, pós-atentado, a proteção
foi reforçada. Ele é favorável ao
"sim" no referendo.
Os partidários de José Nilton
são pelo "não". "Se não pudermos
ter nossas próprias armas, quem
vai nos proteger?", pergunta Nadja Cardoso Ferro, 25, atual chefe
do setor de pessoal da prefeitura e
filha de Jacó.
Há oito meses juiz titular da região de Minador, Claudemiro
Avelino, 44, chegou à região logo
depois do assassinato de Jacó.
Lembra ele: "O clima era tão
tenso, que os alunos saíam correndo da escola para casa. Ninguém ficava nas ruas."
"Mobilizamos as polícias civil e
militar, vistoriamos mais de cem
fazendas e apreendemos apenas
30 armas, a maioria espingardas e
pistolas velhas. Não deu certo."
Três caseiros disseram à Folha
que, quando os policiais chegavam às casas, as armas já tinham
sido enterradas, estratégia à la
Saddam Hussein. Em uma fazenda, um funcionário admitiu ter
enterrado tantas armas "que daria para encher um caminhão".
Na sede da prefeitura, um grande letreiro pintado na parede diz:
"Quando Deus Quer É Assim." A
guerra, parece, continua.
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