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As novas feiras
PARA O CRÍTICO ARTHUR DANTO, AS BIENAIS DE ARTE SUBSTITUÍRAM AS EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
As bienais substituíram as grandes feiras mundiais no
jogo simbólico entre nações. Segundo Arthur Danto, por meio das megaexposições
os países comunicam uns aos outros intenções políticas, integrando-se na cultura transnacional.
Danto, 76, é um dos críticos de arte mais poderosos do mundo. Escreve para as revistas "Art Forum" e "The Nation".
Professor emérito de filosofia da
Universidade de Columbia
(EUA), publicou obras de referência internacional, como "A
Transfiguração do Lugar-Comum" (1983), cuja tradução será
lançada em breve no Brasil, pela
editora Cosac & Naify.
"Após o Fim da Arte" (1996)
confirmou Danto como o opositor de Clement Greenberg (1909-1994), teórico maior do formalismo na Guerra Fria. O livro sustenta que os critérios definidores da
arte moderna, claramente delimitados por Greenberg, ruíram sozinhos após as caixas de sabão em
pó de Andy Warhol serem consideradas obras de arte, em 1964. A
expansão global da arte contemporânea desde a década de 60 é
um passo em direção à liberdade,
afirma o hegeliano Danto, que
nunca veio ao Brasil.
Em entrevista à Folha, Danto situa a Bienal de São Paulo no panorama das megaexposições internacionais.
Folha - Por que há megaexposições, hoje?
Arthur Danto - Para que as exposições chamem a atenção para si,
elas devem ser grandes. Se uma
exposição como a Bienal de São
Paulo fosse pequena, seria uma
desgraça. São como feiras mundiais de arte.
Folha - Elas ocupam o espaço das
exposições universais do século 19
e começo do século 20?
Danto - Há uma analogia entre
ambos os fenômenos. A questão é
despertar interesse mundial. Voltando ao exemplo de São Paulo, a
Bienal não é apenas para as pessoas da cidade, mas apresenta São
Paulo como um centro cultural ao
mundo como um todo.
Folha - Por que essas exposições
são tão grandes?
Danto - Porque o mundo da arte
global tornou-se grande. Hoje
muitas nações integram a indústria da arte. Todos querem participar, tal como nas exposições
universais, embora nessas houvesse uma diferença entre países
colonialistas e colônias: aqueles
eram participantes, enquanto estas eram objeto de exibição. Mas
hoje todos querem mostrar que
fazem parte da cultura cosmopolita da arte, não havendo mais a
distinção anterior. O resultado é
muito significativo para os países
que mantêm megaexposições como centros de cultura.
Folha - Uma megaexposição num
país periférico tem o mesmo sentido de uma num país "central"?
Danto - É até mais importante
num país periférico. Nos Estados
Unidos temos a Bienal do museu
Whitney, de Nova York, mas é
um museu de arte norte-americana: embora tenha interesse internacional, não é uma exposição internacional. Para países como a
África do Sul, Turquia e Coréia,
que mantêm bienais, é muito importante ter uma identidade como centros de cultura artística internacional.
Folha - Esses países estão conseguindo construir uma identidade
cosmopolita por meio das megaexposições?
Danto - Sim. É cada vez mais
perceptível a presença do mundo
da arte transnacional nos eventos:
jornais e revistas mandam repórteres para cobri-los, levantam-se
fundos para enviar trabalhos, e os
artistas consideram importante
mostrar a própria obra. Já pertencem ao mundo da arte global.
Folha - Qual é a relação entre arte
e capital em megaexposições com
custos milionários?
Danto - O custo é negligenciável
quando o comparamos, por
exemplo, com o mercado de capitais. E, no entanto, quanto mais
próspero o país, mais difícil é levantar o dinheiro necessário. O
atual curador do pavilhão alemão
na Bienal de Veneza contou-me
dos problemas para obter o dinheiro na Alemanha, pois a cultura teria se tornado muito cara aos
olhos governamentais. Nos Estados Unidos, o país megacapitalista, é muito difícil obter fundos governamentais; são particulares
envolvidos com o pavilhão norte-americano na Bienal de Veneza
que conseguem o dinheiro de
fontes privadas. O resultado das
exposições depende de quanto dinheiro tenha sido obtido. Não se
levantou dinheiro suficiente para
o pavilhão norte-americano que
levou a exposição de Ann Hamilton, prejudicando-a; já a de Bill
Viola foi um grande sucesso.
Quando se considera a Coréia,
contudo, não há capital privado
para a Bienal, apenas governamental. Não sei se é o destino correto para o dinheiro público, mas
quando se pensa o quanto custa
explodir estátuas no Afeganistão,
não é tão caro.
Folha - Qual é a relação entre o
público das megaexposições e a arte contemporânea?
Danto - O público está mais próximo da arte contemporânea, que
é muito pluralista. Para os organizadores das exposições, é importante torná-las atraentes para que
os países mandem artistas renomados.
Folha - Em reuniões tão amplas
de artistas, o público consegue interagir com a arte?
Danto - É uma oportunidade como qualquer outra, embora
exaustiva. Não é como visitar um
museu elegante e pequeno, como
a Coleção Frick, em Nova York,
onde se pode genuinamente experimentar a arte sob circunstâncias ideais. A superabundância
das megaexposições não é ideal,
tendo as qualidades de uma exposição universal: compete-se sucessivamente pela atenção do espectador. Mas, mesmo quando se
vai ao museu, a atenção varia, as
pessoas se cansam.
A multidão que vai ao Centro
Getty, na Califórnia, cria a atmosfera de um festival: as pessoas fazem piquenique, vão ao restaurante, tiram fotos para provar que
estiveram lá. Pense nas crianças
que correm pelos museus: elas
também estão experimentando
algo diante da arte. O mundo inteiro pensou sobre a última Bienal
de São Paulo, mas quanto o público experimentou dela?
Folha - Qual foi o impacto internacional da última Bienal de SP, cujo tema foi a antropofagia?
Danto - Foi uma exposição profunda. O catálogo teve repercussão internacional entre antropólogos, historiadores da arte etc.
Criou discussões sobre o sentido
da antropofagia e da transformação da cultura internacional.
Folha - O sr. veio à última Bienal
de São Paulo?
Danto - Não, mas li o catálogo e
conversei com muitas pessoas.
Foi um grande evento que não
acontece sempre.
Folha - A curadoria de megaexposições tem um papel importante?
Danto - Sim. É muito significativa do ponto de vista do conhecimento e da educação. A arte é tratada como veículo de informação.
Folha - No livro "Após o Fim da Arte", o sr. defende que a arte contemporânea tem uma liberdade
inexistente na arte moderna. A arte é hoje mais democrática?
Danto - Sim. Antes apenas poucos privilegiados podiam ir a exposições, enquanto hoje muita
gente vai.
Folha - A arte contemporânea
contribui para uma cultura internacional mais integrada?
Danto - Os países comprometem-se uns com os outros numa
bienal, declarando-se parte da comunidade mundial. Foi muito
significativo para a África do Sul,
a Turquia e Cuba a criação de suas
bienais. É um modo pelo qual as
nações comunicam intenções políticas.
Folha - Sempre num sentido democrático?
Danto - Nem sempre. Pensemos
na Bienal de Veneza durante o período fascista. Mas a Documenta
de Kassel, surgida após o nazismo, foi muito importante para indicar que a Alemanha Ocidental
estava preparada para entrar na
comunidade das nações, demonstrando-o pelo convite aos
países para mandarem arte contemporânea.
Folha - Qual é o estado da arte
contemporânea?
Danto - Nunca experimentamos
nada parecido, não temos com o
que compará-la. É muito diversa e
copiosa. Não me interessa o tempo todo, mas sou um entusiasta
da arte contemporânea.
Folha - As megaexposições devem ser mantidas?
Danto - Sim. Talvez chegue um
momento em que as pessoas pensem que elas perderam o sentido,
mas há cada vez mais arte e coisas
interessantes a dizer a seu respeito. Enquanto as megaexposições
mantidas pelos países despertarem a consciência internacional,
serão uma força positiva.
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