São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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As novas feiras

PARA O CRÍTICO ARTHUR DANTO, AS BIENAIS DE ARTE SUBSTITUÍRAM AS EXPOSIÇÕES INTERNACIONAIS

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

As bienais substituíram as grandes feiras mundiais no jogo simbólico entre nações. Segundo Arthur Danto, por meio das megaexposições os países comunicam uns aos outros intenções políticas, integrando-se na cultura transnacional. Danto, 76, é um dos críticos de arte mais poderosos do mundo. Escreve para as revistas "Art Forum" e "The Nation".
Professor emérito de filosofia da Universidade de Columbia (EUA), publicou obras de referência internacional, como "A Transfiguração do Lugar-Comum" (1983), cuja tradução será lançada em breve no Brasil, pela editora Cosac & Naify.
"Após o Fim da Arte" (1996) confirmou Danto como o opositor de Clement Greenberg (1909-1994), teórico maior do formalismo na Guerra Fria. O livro sustenta que os critérios definidores da arte moderna, claramente delimitados por Greenberg, ruíram sozinhos após as caixas de sabão em pó de Andy Warhol serem consideradas obras de arte, em 1964. A expansão global da arte contemporânea desde a década de 60 é um passo em direção à liberdade, afirma o hegeliano Danto, que nunca veio ao Brasil.
Em entrevista à Folha, Danto situa a Bienal de São Paulo no panorama das megaexposições internacionais.

Folha - Por que há megaexposições, hoje?
Arthur Danto -
Para que as exposições chamem a atenção para si, elas devem ser grandes. Se uma exposição como a Bienal de São Paulo fosse pequena, seria uma desgraça. São como feiras mundiais de arte.

Folha - Elas ocupam o espaço das exposições universais do século 19 e começo do século 20?
Danto -
Há uma analogia entre ambos os fenômenos. A questão é despertar interesse mundial. Voltando ao exemplo de São Paulo, a Bienal não é apenas para as pessoas da cidade, mas apresenta São Paulo como um centro cultural ao mundo como um todo.

Folha - Por que essas exposições são tão grandes?
Danto -
Porque o mundo da arte global tornou-se grande. Hoje muitas nações integram a indústria da arte. Todos querem participar, tal como nas exposições universais, embora nessas houvesse uma diferença entre países colonialistas e colônias: aqueles eram participantes, enquanto estas eram objeto de exibição. Mas hoje todos querem mostrar que fazem parte da cultura cosmopolita da arte, não havendo mais a distinção anterior. O resultado é muito significativo para os países que mantêm megaexposições como centros de cultura.

Folha - Uma megaexposição num país periférico tem o mesmo sentido de uma num país "central"?
Danto -
É até mais importante num país periférico. Nos Estados Unidos temos a Bienal do museu Whitney, de Nova York, mas é um museu de arte norte-americana: embora tenha interesse internacional, não é uma exposição internacional. Para países como a África do Sul, Turquia e Coréia, que mantêm bienais, é muito importante ter uma identidade como centros de cultura artística internacional.

Folha - Esses países estão conseguindo construir uma identidade cosmopolita por meio das megaexposições?
Danto -
Sim. É cada vez mais perceptível a presença do mundo da arte transnacional nos eventos: jornais e revistas mandam repórteres para cobri-los, levantam-se fundos para enviar trabalhos, e os artistas consideram importante mostrar a própria obra. Já pertencem ao mundo da arte global.

Folha - Qual é a relação entre arte e capital em megaexposições com custos milionários?
Danto -
O custo é negligenciável quando o comparamos, por exemplo, com o mercado de capitais. E, no entanto, quanto mais próspero o país, mais difícil é levantar o dinheiro necessário. O atual curador do pavilhão alemão na Bienal de Veneza contou-me dos problemas para obter o dinheiro na Alemanha, pois a cultura teria se tornado muito cara aos olhos governamentais. Nos Estados Unidos, o país megacapitalista, é muito difícil obter fundos governamentais; são particulares envolvidos com o pavilhão norte-americano na Bienal de Veneza que conseguem o dinheiro de fontes privadas. O resultado das exposições depende de quanto dinheiro tenha sido obtido. Não se levantou dinheiro suficiente para o pavilhão norte-americano que levou a exposição de Ann Hamilton, prejudicando-a; já a de Bill Viola foi um grande sucesso. Quando se considera a Coréia, contudo, não há capital privado para a Bienal, apenas governamental. Não sei se é o destino correto para o dinheiro público, mas quando se pensa o quanto custa explodir estátuas no Afeganistão, não é tão caro.

Folha - Qual é a relação entre o público das megaexposições e a arte contemporânea?
Danto -
O público está mais próximo da arte contemporânea, que é muito pluralista. Para os organizadores das exposições, é importante torná-las atraentes para que os países mandem artistas renomados.

Folha - Em reuniões tão amplas de artistas, o público consegue interagir com a arte?
Danto -
É uma oportunidade como qualquer outra, embora exaustiva. Não é como visitar um museu elegante e pequeno, como a Coleção Frick, em Nova York, onde se pode genuinamente experimentar a arte sob circunstâncias ideais. A superabundância das megaexposições não é ideal, tendo as qualidades de uma exposição universal: compete-se sucessivamente pela atenção do espectador. Mas, mesmo quando se vai ao museu, a atenção varia, as pessoas se cansam.
A multidão que vai ao Centro Getty, na Califórnia, cria a atmosfera de um festival: as pessoas fazem piquenique, vão ao restaurante, tiram fotos para provar que estiveram lá. Pense nas crianças que correm pelos museus: elas também estão experimentando algo diante da arte. O mundo inteiro pensou sobre a última Bienal de São Paulo, mas quanto o público experimentou dela?

Folha - Qual foi o impacto internacional da última Bienal de SP, cujo tema foi a antropofagia?
Danto -
Foi uma exposição profunda. O catálogo teve repercussão internacional entre antropólogos, historiadores da arte etc. Criou discussões sobre o sentido da antropofagia e da transformação da cultura internacional.

Folha - O sr. veio à última Bienal de São Paulo?
Danto -
Não, mas li o catálogo e conversei com muitas pessoas. Foi um grande evento que não acontece sempre.

Folha - A curadoria de megaexposições tem um papel importante?
Danto -
Sim. É muito significativa do ponto de vista do conhecimento e da educação. A arte é tratada como veículo de informação.

Folha - No livro "Após o Fim da Arte", o sr. defende que a arte contemporânea tem uma liberdade inexistente na arte moderna. A arte é hoje mais democrática?
Danto -
Sim. Antes apenas poucos privilegiados podiam ir a exposições, enquanto hoje muita gente vai.

Folha - A arte contemporânea contribui para uma cultura internacional mais integrada?
Danto -
Os países comprometem-se uns com os outros numa bienal, declarando-se parte da comunidade mundial. Foi muito significativo para a África do Sul, a Turquia e Cuba a criação de suas bienais. É um modo pelo qual as nações comunicam intenções políticas.

Folha - Sempre num sentido democrático?
Danto -
Nem sempre. Pensemos na Bienal de Veneza durante o período fascista. Mas a Documenta de Kassel, surgida após o nazismo, foi muito importante para indicar que a Alemanha Ocidental estava preparada para entrar na comunidade das nações, demonstrando-o pelo convite aos países para mandarem arte contemporânea.

Folha - Qual é o estado da arte contemporânea?
Danto -
Nunca experimentamos nada parecido, não temos com o que compará-la. É muito diversa e copiosa. Não me interessa o tempo todo, mas sou um entusiasta da arte contemporânea.

Folha - As megaexposições devem ser mantidas?
Danto -
Sim. Talvez chegue um momento em que as pessoas pensem que elas perderam o sentido, mas há cada vez mais arte e coisas interessantes a dizer a seu respeito. Enquanto as megaexposições mantidas pelos países despertarem a consciência internacional, serão uma força positiva.


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