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Polêmicas na era dos megaeventos
FREE-LANCE PARA A FOLHA
A falta de documentação em
fotos, filmes e vídeos é um
problema identificado por vários
artistas brasileiros que tiveram
destaque nas edições do evento
realizadas nas décadas de 50 e 60.
Marcelo Grassmann aponta o
descaso: "Hoje podemos ver jogos de futebol de 40 anos atrás,
porém as brilhantes Bienais dos
anos 50 e 60 se tornaram lendas e
só podem ser apreciadas em catálogos "mortos'; mesmo agora,
com tantos recursos, não existe
preocupação de registrar o evento
de uma maneira mais exaustiva".
No final dos anos 70, com o panorama político brasileiro se arejando, o então presidente da Bienal, o industrial Luiz Villares, chamou Walter Zanini para percorrerem juntos países de três continentes, conclamando o retorno
geral à Bienal paulistana.
"Países como os EUA ficaram
vários anos sem vir ou mandando
coisas menores. Em nossas visitas, tanto tempo depois de 69, o
mal-estar ainda era enorme", recorda Zanini.
A mesma época viu nascer ainda outra crise, enraizada na consolidação do mercado brasileiro
de arte, que manifestava talentos
especiais para jogos de manipulação financeira. Em 77, sem instrumentos para controlar tais pressões, a Bienal aboliu suas premiações, embora estas alimentassem
acervos museológicos, especialmente o do MAC-USP.
"A GRANDE TELA"
As aberrações do sistema de
prêmios eram apontadas pelos
críticos mais independentes e pela maioria dos artistas. De um lado, a seleção demasiado concessiva dos júris favorecia uma quantidade exagerada de artistas brasileiros: "Entrava tudo, sem rigor,
como num salão", lembra Zanini.
Já Mário Pedrosa observou: "Os
prêmios e escolhas dos júris começaram a ficar muito ligados a
interesses de marchands e mercados. Porém as premiações perderam representatividade não só
por questões políticas mas pela
própria diversidade da arte contemporânea" (os novos suportes,
instalações, arte conceitual etc.).
Zanini assumiu a direção das
Bienais de 81 e 83 e inaugurou um
estilo autoral de curadoria, restaurando em parte o prestígio do
evento. Para tanto, acabou com a
seleção de brasileiros via inscrição
e passou a convidar diretamente
os artistas, inclusive os estrangeiros, antes selecionados pelos respectivos corpos diplomáticos.
Sobretudo, Zanini extinguiu o
modo de exibição por países (as
"jaulas") e passou a mesclar as representações, explorando analogias e contrastes de linguagem.
"Faltava um sentido crítico, que
começou a ser fornecido pelas curadorias, pois o que havia antes
eram apenas convites consulares,
um mal que até hoje subsiste", diz
o ex-diretor do MAC. Nessa fase
também foi instituído o núcleo
histórico da mostra.
Um pequeno escândalo, ligado
justamente à radicalização do
olhar crítico, atravessou a 18� Bienal (85), com curadoria de Sheila
Leirner. Atualizando a mostra
com uma montagem pós-modernista, a crítica alinhou centenas de
quadros num corredor gigante
intitulado "A Grande Tela".
Em protesto a tal nivelamento,
várias delegações européias, entre
elas a alemã, retiraram obras do
mural gulliveriano. "Foi um ato
de coragem da curadora", considera o crítico Tadeu Chiarelli, ex-curador do MAM.
A partir de 89, montagens deficientes e conceitos obscuros são
apontados pela crítica, porém a
maior e mais recente crise liga-se,
outra vez, às instâncias administrativas da Fundação Bienal -e a
seus 60 conselheiros, entre intelectuais, banqueiros e empresários, com graus diversos de esclarecimento, ou seja, uma espécie
de microcosmo do poder na cidade mais rica do país.
Assim, a última pedra no caminho da Fundação Bienal -que
recebe anualmente a dotação de
R$ 1 milhão da Prefeitura para
realizar exposições- começou a
se materializar com a cessão do
Pavilhão Bienal para a Mostra do
Redescobrimento, realizada em
2000 pela Associação Brasil + 500,
entidade presidida pelo banqueiro Edemar Cid Ferreira, também
integrante do Conselho da Bienal.
A megaexposição, inaugurada
por FHC, ainda repercute no exterior as comemorações brasileiras
pelos 500 Anos e responde pelo
feito de atrair ao Ibirapuera um
público recorde de mais de 1,8 milhão de visitantes. De outro lado,
ficou em cartaz por cerca de seis
meses, o que impossibilitou, na
prática, a realização da 25� Bienal
no mesmo ano.
Entre outros prédios do Ibirapuera, a Associação Brasil + 500
obteve a cessão da chamada Oca,
prédio vizinho ao MAM, que passou por grande reforma para abrigar uma das seções da mostra. Segundo o atual presidente da Fundação Bienal, o arquiteto e construtor Carlos Bratke, isso teria irritado a conselheira Milú Villela,
atual presidente do MAM e também do Instituto Cultural Itaú.
"Tanto Edemar como Milú disputavam aquele prédio, e os grupos que eles lideravam no Conselho da Bienal chegaram às raias da
agressão", recapitula Bratke.
Ainda que o embate seja negado
hoje pelos principais protagonistas, a administração de 2000 foi
sacudida por episódios como a
disponibilização dos cargos de
Bratke e do presidente do Conselho da Bienal, Luiz Seraphico.
O EVENTO ADIADO
O primeiro foi confirmado em
seu cargo, e o segundo, de comportamento considerado "pouco
ético" por alguns conselheiros,
solicitou sua demissão. Ao mesmo tempo, o crítico Ivo Mesquita,
contratado para curar a 25� Bienal
em 2001, discordou publicamente
de um novo adiamento, para
2002, aprovado pelo conselho.
"A maioria considerou que seria impossível realizar outro megaevento poucos meses após a
Mostra do Redescobrimento", diz
Bratke. O curador Mesquita foi
demitido, reintegrado e, finalmente, pediu demissão. "Foi pena, pois ele já havia trabalhado
muito", lamenta seu ex-professor
Walter Zanini.
Como desfecho, Milú Villela e
um grupo de seis conselheiros ligados a ela se retiraram da Fundação. Quebrando silêncio de quase
um ano sobre o assunto, Milú declarou à Folha: "A Oca ou Edemar
jamais seriam motivo para a minha saída, junto a outros seis conselheiros totalmente idôneos. O
MAM não assumiria a Oca nem se
esta lhe fosse oferecida. Na verdade, saímos acompanhando o curador Ivo Mesquita, em protesto
pelos rumos tomados na administração da Bienal".
Evento adiado, optou-se pela
solução intermediária da atual
mostra-homenagem a Ciccillo e
aos 50 anos de sua invenção. Para
Bratke, uma das grandes virtudes
da exposição comemorativa foi
ter mantido empenhadas em tarefas de organização e captação
de recursos as três ou quatro facções em que veladamente se divide hoje o corpo da Bienal.
Para descrever melhor a situação, o presidente recorre a um
aforismo do reformador religioso
Lutero: "Com a mostra "50 Anos"
os conselheiros ficaram longe das
fofocas; felizmente, pois, como se
viu no ano passado, "cabeça vazia
é oficina do diabo'".
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