São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001
![]() |
![]() |
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MOSTRA É PONTUA DA POR EMBATES POLÍTICOS, FINANCEIROS E CULTURAIS A Bienal de crises
ALVARO MACHADO
VERBAS DA INDÚSTRIA Não é demais recordar que a memória dessas instituições culturais sobrepujou o sucesso das marcas alimentícias e jornalísticas de seus mecenas, hoje quase extintas ou em mãos de terceiros. A partir da 3� Bienal, em 55, começam a se registrar discordâncias dos participantes brasileiros quanto aos critérios de seleção e premiação das obras. Parte dessas "crises estéticas" está ao longo do caderno, em quadros com a cronologia da Bienal. Em 59, o pavilhão Armando Arruda Pereira, no parque Ibirapuera, passou a abrigar não apenas a Bienal, mas também o próprio MAM. Em 62, porém, a Bienal já se tornara muito maior e de administração mais complexa do que o museu ao qual eram destinadas as obras premiadas na mostra. Descontente, Ciccillo afirmava que o MAM se mantinha exclusivamente com verbas retiradas de suas indústrias. "Poucos conselheiros do museu se dispunham a seguir seu exemplo, e além do mais a segurança do acervo no Ibirapuera era precária", diz Walter Zanini, professor de história da arte da Universidade de São Paulo nos anos 60 e nome de referência para a Bienal nos anos 80. Assim, em abril de 62, Ciccillo pediu a separação de MAM e Bienal como entidades autônomas. O confronto entre MAM e Bienal veio meses depois, quando Ciccillo e Yolanda doaram à USP suas três coleções particulares de obras de arte, além da coleção que formava o acervo MAM, destituído assim da noite para o dia de seus fundamentos visuais. Reza a história que a decisão de Ciccillo foi tomada durante uma viagem à Europa em companhia do médico Antônio Barros Ulhôa Cintra, reitor da USP, que lhe prometeu um terreno no campus e a construção de um novo museu. A classificação das quatro coleções doadas foi feita por Zanini num andar inteiro do Pavilhão Bienal. Em 63, foi criado o Museu de Arte Contemporânea da USP, com Zanini como seu primeiro diretor e ramificação no terceiro andar do Pavilhão do Ibirapuera (em funcionamento até hoje), já que o prédio do museu na Cidade Universitária só viria a ser inaugurado em 1990. RESSENTIMENTOS Indignados com a atitude de Ciccillo, diretores e conselheiros do MAM, liderados pelo crítico Mário Pedrosa (1900-81) e pelos irmãos Arnaldo e Oscar Pedroso d'Horta, reivindicaram judicialmente a sigla do museu, bem como a sua coleção. Tiveram de se contentar com o nome e, em 69, estabeleceram "provisoriamente" o museu num extremo da marquise do Ibirapuera, local onde se encontra até hoje. Os ressentimentos ainda são latentes: há cerca de dois anos foram feitos estudos para calcular as chances de o MAC devolver ao MAM parte de seu acervo. A segunda maior crise atravessada pela Bienal teve início em 69, ano da decretação do AI-5, quando a mostra foi identificada com o regime militar brasileiro pelo meio artístico internacional. Tal atitude pode ter sido motivada, entre outros fatos, pela presença de generais-presidentes em aberturas de Bienais nos anos 60. Lamentavelmente, o episódio derrubou a credibilidade da mostra no momento mesmo em que era possível reputá-la como o maior evento mundial de arte contemporânea, à frente até da Bienal de Veneza, mais antiga, porém vivendo uma crise de conceitos naqueles anos.
No auge do regime de exceção, artistas como Hélio Oiticica, vivendo então na França, insuflaram as delegações estrangeiras a boicotar a Bienal. Após a adesão de críticos importantes, como o francês Pierre Restany, o dominó de desistências avançou com a queda de Alemanha, Suécia, Áustria, Itália e outros países. No Brasil, os artistas mais importantes imitaram o comportamento, esvaziando completamente a 10� Bienal. "Além da forte repressão, sabíamos que os militares também haviam proibido algumas exposições", lembra o artista argentino Julio Le Parc (em 64, a mostra "Civilização do Nordeste", organizada pela arquiteta Lina Bo Bardi para Roma, foi proibida pela embaixada brasileira na Itália). A Bienal de SP não foi a única grande mostra internacional a enfrentar oposição naqueles anos turbulentos. Na Europa, a onda de rebelião jovem questionou eventos como a Bienal de Veneza e a Bienal Jovem de Paris. Porém, São Paulo continuou sofrendo boicotes e desconfiança ainda por dez anos. O artista Marcelo Grassmann, que recebeu os prêmios de gravura e desenho na 3� e na 4� Bienais, analisa: "Apesar de experimentarmos a possibilidade insuportável de corte quando uma obra era considerada "subversiva" (pela organização do evento), o boicote dos brasileiros foi um erro político, pois os militares estavam pouco interessados em manifestações culturais desse gênero", diz. "Isso deu oportunidade ao pipocamento de "bienaizinhas" de "paisecos" em todo o mundo, que se diziam "livres" e, portanto, hipoteticamente mais importantes que a de SP", lembra o artista. "Nas primeiras Bienais", prossegue Grassmann, "tivemos o privilégio de ver "Guernica", telas de Van Gogh e outras obras históricas trazidas pelo prestígio do evento. Isso se perdeu, e, na década de 70, a seção museológica foi substituída por obras herméticas ou publicitárias, num processo novidadeiro autofágico." Texto Anterior: Cartografia atual Próximo Texto: Polêmicas na era dos megaeventos Índice |
|