São Paulo, domingo, 17 de junho de 2007

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Monopólio estatal

Em um cenário de patrocínios de peso ao esporte dominados pelas estatais e investimentos privados pontuais, formato de lei de incentivo é bola da vez

EDUARDO OHATA
DA REPORTAGEM LOCAL

É fato. A política de patrocínios no país é dominada pelo paternalismo estatal e por apoios pontuais privados, que, muitas vezes, nascem por afinidades, e não por estratégia de mercado.
Pior, segundo especialistas, o ceticismo em relação à eficiência ou à seriedade do marketing esportivo afasta potenciais apoiadores. A solução? Receita do governo há décadas: o esporte acaba de ganhar uma lei de incentivo fiscal.
O patrocínio estatal, especialmente às modalidades mais populares, surgiu de uma decisão, em 1991, de Fernando Collor de Mello, então atlético presidente da República, como conta o presidente da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos, Coaracy Nunes.
��Ele disse à mídia, �hoje as estatais vão patrocinar os esportes de ponta�. Aí, procurei os Correios, que passaram a nos patrocinar. Assim várias confederações conseguiram patrocínio��, lembra Nunes, que, em contato anterior com a estatal, não havia tido sucesso.
O Ministério do Esporte, atualmente, participa das negociações, mas não admite que existam "canetadas". ��Hoje há interlocução nossa quando da renovação de contrato��, diz o ministro Orlando Silva Jr..
Segundo ele, os pedidos de patrocínios são encaminhados pelos interessados às estatais, mas depois são analisados por uma junta, com membros do ministério. ��É aí que damos a nossa opinião��, explica ele.
De qualquer forma, a escassez da oferta de parceiros privados e a relação com o governo tornam as estatais as favoritas das confederações, que exibem pouco interesse em trocar o certo pelo duvidoso.
��Fomos procurados por uma grande empresa nacional. Mas não é uma boa porque é aquela coisa de oportunismo, de �queremos na hora do Pan�. Nem chegamos a discutir valores, porque essa empresa queria ser parceira master, posição que hoje é da Petrobras��, conta Manoel Luiz Oliveira, presidente da confederação de handebol.
Por conta dessas vantagens _especialmente a estabilidade_, entidades como a dele se desdobram para manter seus contratos, lançando mão inclusive de ações institucionais.
��Mandamos relatórios regularmente aos Correios, o retorno de mídia. Desenvolvemos um trabalho dentro da empresa, levamos atletas para nadar revezamento com os funcionário��, afirma Nunes. O contrato de sua confederação com a estatal vai até o ano de 2012.
Prazos longos também existem do lado privado. Mas por outros motivos, exceções, que vão de gostos pessoais a metas sociais e ganhos de imagem.
Um exemplo de grande ��mecenas�� particular é a rede Pão de Açúcar, que há 15 anos patrocina atletas, organiza competições e ações institucionais, e cujo apoio ao esporte surgiu da afinidade da família Diniz, dona da rede, pelo atletismo.
��Eles trouxeram para a empresa o DNA da família, isso de gostar de esporte. Primeiro, quiseram beneficiar funcionários com o incentivo à prática. Depois, os clientes, com as maratonas. Daí surgiu o patrocínio a atletas��, diz Renata Araújo Gomide, 26, gerente de marketing esportivo da empresa.
��Há dez anos implantamos, no Paraná, o Centro Rexona, um projeto comunitário. Pesquisa recente mostrou que os atributos que mais importam na percepção das pessoas estão ligadas ao comportamento ético e social. Isso valida nosso pioneirismo��, diz Fabio Prado, vice de marketing da Unilever.
A multinacional mantém o Rio de Janeiro, tetracampeão da Superliga e realiza, concomitantemente, projetos sociais relacionados ao vôlei que já atenderam mais de 20 mil crianças e adolescentes.
São casos únicos, e há várias teorias para justificar a distância das empresas privadas.
��Talvez faltem projetos consistentes. E lembre, nenhuma empresa quer ligar seu nome a algo que pode dar problema��, afirma Sergio Coutinho, ex-presidente da Federação Paulista de Atletismo e diretor do Clube de atletismo BM&F.
��Há vários fatores. As empresas muitas vezes não entendem o potencial do marketing esportivo: não há só o patrocínio, há outras coisas que podem ser feitas. Existe o tabu de que uma derrota do patrocinado prejudica. E as agências, que hoje têm as contas das grandes empresas, não olham para o esporte��, enumera José Carlos Brunoro, da Brunoro Sports.
Diante de tantas hesitações, a saída encontrada pelo governo foi a lei de incentivo fiscal, em moldes parecidos à da Lei Rouanet (Cultura). É vista como ferramenta para despertar o interesse de investidores. E já desperta forte debate no setor.
��O ministro indicou que deseja �dinheiro novo�, mas nós sugerimos outra fórmula. Não queremos que a lei beneficie só quem está chegando agora, mas quem já apóia o esporte há tempos��, diz Lars Grael, da Comissão Nacional de Atletas, que pede, no entanto, a exclusão das estatais do benefício.
��Quem já apóia poderá fazer mais. Mas não acho que o que já é feito deve ser incluído, aí a lei beneficiaria as empresas, e não o esporte. A lei atrairá novos investidores. Eles verão que é bom [o apoio ao esporte] e seguirão até sem o benefício��, contra-argumenta Silva Jr., ao fazer alusão ao ��prazo de validade da lei��, com previsão para se manter em vigor até 2015.
Novos ou velhos, os recursos podem revolucionar o esporte de alto rendimento, mas ainda não são soluções para a base, que é de onde saem os atletas.
��Hoje, a base da pirâmide está muito pequena. Onde deveria haver mil atletas para a gente selecionar um, há só cem. Há uma ruptura entre os jovens que estão na escola e nós", diz o diretor da BM&F, para quem, é um problema histórico no país.
��Após o Pan, desenharemos um sistema nacional de esporte com definição de responsabilidades governamentais e confederações��, conta o ministro, que promete vincular a prática esportiva à educação.


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