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Equilibrio

Vida real

A vida jorra

Eu me desesperava com o quanto um ator pode parecer algo pat�tico diante da realidade pura

Uma das imagens mais c�lidas de minha inf�ncia � o sussurro de minha m�e no cinema lendo as legendas para a gente. Ela se recostava na cadeira, junt�vamos nossas cabe�as e v�amos filmes para maiores sob a sua "tradu��o simult�nea".

Inacreditavelmente, Terence Hill e Bud Spencer me pareciam perfeitos interpretados por ela.

Anos mais tarde, levei minha afilhada ao cinema e me lembrei de minha m�e.

Lili tinha uns nove anos e conviv�amos muito pouco. O filme era "Meu Primeiro Amor", com Macaulay Culkin, o menino do "Esqueceram de Mim". Achei perfeito. No come�o do filme, Lili solta a p�rola: "� em ingl�s? Ingl�s eu n�o sei, n�o".

Expliquei que ela precisaria ler as legendas. "� muito r�pido. N�o consigo, n�o." N�o tive d�vida, me recostei na cadeira e comecei a sussurrar-lhe as legendas.

"Meu Primeiro Amor" � um filme surpreendente. O menino morre no meio do filme e a com�dia infanto-juvenil-rom�ntica prometida vira um dramalh�o. Continuei dando minhas falas no ouvido da pequena, mas, � certa altura, n�o aguentei e desabei no choro. Fiquei ali, num misto de espectadora e atriz, chorando e interpretando as falas, at� que fui surpreendida por seus olhos de jabuticaba que brilhavam no escuro, na minha dire��o.

Minhas l�grimas tornaram-se para ela muito mais interessantes que o filme. Quando acenderam as luzes, perguntei se ela tinha gostado. "Minha madrinha chorou" --foi a resposta. O que restava da fic��o diante da vida pura? Eu me lembro menos de Terence Hill do que dos sussurros de minha m�e.

A vida supera a arte em muitos aspectos. Quando fiz "Retrato Falado", um programa de TV no qual eu representava hist�rias reais, eu me desesperava com o quanto um ator pode parecer algo pat�tico diante da realidade.

No formato do programa, eu aparecia representando a entrevistada logo depois de seu depoimento.

Muitas vezes, eu me sentia um arremedo tosco, uma tentativa de algo inalcan��vel. Foi a� que descobri uma coisa muito importante a respeito do meu of�cio: o real sentido da palavra interpretar. Mais do que ser ela, o que eu tinha a fazer ali era mostrar aos outros o que eu tinha visto nela. Apresent�-la atrav�s de mim, do meu filtro. Irene por Denise. N�o era mais ela, tampouco eu.

Era esta terceira pessoa que s� a arte � capaz de criar unindo int�rprete e inspira��o. Porque, se assim n�o for, a arte perde o p�reo quando a vida jorra ao lado.

NA PR�XIMA SEMANA
SUZANA HERCULANO-HOUZEL


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