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LUÍS NASSIF
Rainha do samba-canção
No começo de minha carreira jornalística, recebi o
convite para me tornar o crítico
de música da revista "Veja", em
substituição a Tarik de Souza,
que tinha decidido voltar para o
Rio. Isso lá pelos idos de 1974.
Acabei recusando e optando
pela economia, área que achava
um "porre", mas pelo menos
permitia aprofundar conhecimentos -porque a crítica de
música andava de um vazio de
dar gosto.
Tinha a figura maiúscula de
José Lino Grunewald, do próprio Tarik, as pesquisas do Tinhorão, o Maurício Kubrusly,
no "Jornal da Tarde", e dois jornalistas com conhecimento excepcional de história da música
brasileira, mas que escreviam
muito pouco sobre o tema -o
Alberto Helena Jr. e o João Máximo. E não se ia muito além.
Desde aquela época todo jovem candidato a crítico utilizava
padrões que se repetem até hoje.
Consistia nisso:
1) Critique um compositor, de
preferência dos maiores, e diga
que ele está decadente porque
seu último disco não é inovador
(como se fosse possível produzir
uma revolução musical por
ano);
2) Utilize padrões de gosto da
classe média, e simplifique os
critérios de análise em torno do
que é "in" e "out" (como fazem
os colunistas sociais).
Pensei muito sobre quando foi
criado esse padrão de análise,
tão pouco inovador, aliás.
Nelson Motta, que testemunhou esse período com olhos
bem abertos, talvez possa esclarecer. À distância, creio que esse
padrão de crítica deve ter surgido lá pelos idos dos anos 50, no
rastro da bossa nova, manobrado por seus porta-vozes jornalísticos.
Lá em Poços de Caldas, não tinha acesso aos jornais do Rio,
mas creio que Ronaldo Bôscoli
deve ter sido o aríete para a entrada do movimento na mídia.
A bossa nova passou a girar
em torno de alguns slogans que
são repetidos até hoje. Como o
de que a música brasileira da
época era dominada por bolerões, com cantores e cantoras
dramáticos e fora de moda, que
foram sufocados pela leveza do
novo movimento que surgiu assim, como que do nada, tese,
aliás, que Ruy Castro esposa
com enorme facilidade em seu,
de resto, belíssimo levantamento sobre o movimento.
Ora, que existiam o bolerão e
os dramáticos, não resta dúvida,
como sempre existiram, aliás, e
continuarão existindo, sob roupagens diversas -algumas,
aliás, muito bonitas. O que importa é que a bossa nova foi uma
continuação, não uma ruptura,
de um movimento de modernização da música brasileira que
tem início nos anos 40, sob influência dos cassinos, da moderna canção americana, de figuras
como Sinatra e Julie London, e
que tem como leito principal o
samba-canção, movimento que
ficou um tanto depreciado depois, porque seus maiores não
eram bonitões de praia, como os
jovens filhos da bossa.
A bossa nova é um afluente do
samba-canção, tão boa quanto,
mas afluente. A diferença está
apenas na batida de violão de
João Gilberto e na temática de
praia, trazida por Vinicius e
Bôscoli e depois repetida até a
exaustão pelos seguidores.
Aliás, todos os pioneiros da
chamada bossa nova vieram do
samba-canção, como o próprio
Tom Jobim, Newton Mendonça, Dolores Duran, Silvia Telles e
João Gilberto, que cantava imitando Orlando Silva, conforme
levantou a pesquisa minuciosa
de Ruy Castro.
Nesse período, em que prosperou a chamada "música de
fossa", não houve ninguém como Maísa Figueira Monjardim,
ex-Matarazzo, com exceção, talvez, de Dolores Duran, talentosíssima, mas sem o "appeal" de
Maísa.
Aluna do Sacre Coeur, tornou-se uma Matarazzo e não se enquadrou. Tinha um componente auto-destrutivo, fumava demais, bebia demais, engordava,
internava-se, voltava linda, tinha outra crise, outros amores.
E a gente lá em Poços de Caldas
esperando chegar o "Cruzeiro"
para saber a última que a deusa
tinha aprontado.
Conferindo a biografia de
Maísa, custa acreditar que tenha
morrido com apenas 41 anos, tal
a diversidade de sua vida e de
sua obra. Deixou o Brasil no auge da fama e da bebida, casou-se, mudou-se para a Espanha,
fez carreira internacional, voltou, começou a se tratar e morreu em um desastre quando voltara a ser bela.
O importante é que, além de
porta-voz de um estilo de vida
da época, foi a cantora sofisticada que passou pela bossa nova
mas que se tornou a intérprete
preferencial de uma geração de
compositores, que tem seu auge
entre 1945 e 1960.
Na média, essa geração foi
muito mais talentosa do que os
chamados "quadros da bossa"
(se excluir Jobim, Carlos Lyra e
Menescal). Músicos como Antônio Maria, Raul Sampaio, Benil Santos, José Maria de Abreu,
Haroldo Barbosa, Jair Amorim,
Evaldo Gouveia, Pernambuco e
Luiz Antônio, que deixaram um
dos mais consistentes, ricos e sofisticados acervos de música
brasileira do século.
Faltou a eles apenas um porta-voz como Bôscoli.
E-mail - lnassif@uol.com.br
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