São Paulo, Sexta-feira, 27 de Agosto de 1999
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OPINIÃO ECONÔMICA

O subsídio à agricultura

MAILSON DA NÓBREGA

Com a recente investida da bancada ruralista em prol do perdão de dívidas bancárias de agricultores, muitos se perguntaram se não havia uma certa razão na demanda dos devedores. Afinal, se a agricultura é subsidiada em todo o mundo, por que não aqui?
No artigo de sexta-feira passada, critiquei os ruralistas e sua proposta. Recebi mensagens de elogios e irados protestos, incluindo agressões pessoais. É natural. O tema se presta a visões emocionadas e impressionistas, principalmente pela desinformação quanto à forma pela qual outros países subsidiam a agricultura.
Dessa vez, até o PT entrou na onda, aliando-se ao deputado Ronaldo Caiado, um dos mais agressivos membros da bancada e histórico adversário dos petistas. Pegou mal. O partido tentou consertar o estrago de imagem afirmando que seu objetivo era beneficiar os pequenos e médios agricultores.
Em entrevista à jornalista Dora Kramer ("Jornal do Brasil", 21/8/99), o deputado José Genoino (PT-SP) disse que seu partido buscou "uma saída para a crise da agricultura", além de "estender o diálogo do PT aos agricultores e a setores que tradicionalmente foram mobilizados pela direita".
Genoino procurou ainda dar um certo conteúdo ético ao seu apoio ao perdão ao afirmar que o PT "exigiu que ficassem de fora os devedores contumazes e os que desviaram o dinheiro dos objetivos do crédito".
Essa versão "light" tenta provar que o PT não teria embarcado em um trem de privilégios nem votado com os ruralistas apenas porque eles estavam contra o governo.
A exclusão dos grandes devedores na sua versão da anistia não elide o fato de o PT ter participado de uma articulação para extrair benefícios do Tesouro. Mesmo que seu apoio se restrinja a uma categoria menos favorecida, a atitude não é menos criticável.
Poucos duvidam da necessidade de conceder algum alívio nas dívidas de pequenos e médios produtores adimplentes. Mas muitos se esquecem, inclusive o PT, que mesmo assim a idéia da anistia é defeituosa.
Há milhares de agricultores que não se beneficiariam de nenhuma das versões da anistia. São os que se endividaram com fornecedores de insumos, indústrias de beneficiamento e até com agiotas.
Na verdade, no afã de cortejar segmentos antes mobilizados pela direita, o PT entrou nessa história de perdão de dívidas com a velha visão de que agricultura se subsidia essencialmente com crédito rural do governo ou com anistias.
Qualquer um sabe que a agricultura é subsidiada em todo o mundo. Há inúmeras e justificáveis razões para isso. Nos EUA, calcula-se que metade da renda agrícola é explicada por distintas formas de subsídio governamental.
Na União Européia (UE), cerca de 50% do orçamento comunitário (já foi 65%) se destina a programas de apoio aos agricultores, basicamente para sustentar níveis relativamente elevados de preços. É frequente a compra da produção e a formação de grandes estoques, conhecidos como "montanhas" de queijo, manteiga, carne etc.
Sucede que a Política Agrícola Comum da UE beneficia todos os produtores, e não apenas os que têm acesso ao crédito rural. Seu papel é eliminar incertezas na comercialização, evitar os efeitos das oscilações de preços sobre a renda dos agricultores e criar barreiras à competição externa (o Brasil é um dos prejudicados por tais ações).
Em viagens de estudo e em contatos com autoridades, agricultores, especialistas e instituições financeiras, conheci de perto outras políticas agrícolas, particularmente as dos EUA, Canadá, Austrália, França, Inglaterra e Japão. Em nenhum desses casos o subsídio creditício foi erigido como centro das políticas agrícolas, como aconteceu no Brasil.
O crédito rural a taxas de juro inferiores às de mercado pode ser encontrado em casos limitados, como os da "Farm Credit Agency" (EUA) e do "Credit Agricole" (França).
As políticas agrícolas modernas objetivam aumentar a produtividade, estabilizar a renda do produtor rural e reduzir os riscos a que está sujeita a atividade. O crédito subsidiado jamais será o instrumento adequado para gerar todos esses resultados.
A agricultura não precisa de defensores de perdões nem do retorno ao antigo crédito subsidiado, até porque isso não é justificável. Precisa, sim, de uma política agrícola sensata e viável, associada a um novo sistema de crédito rural, para incentivar de forma sustentada o setor, aumentar sua produtividade, reduzir incertezas e juros e promover os pequenos.
Felizmente, estão nascendo as condições para construir mecanismos duradouros e confiáveis de financiamento à agricultura, o que comentarei em próximo artigo.


Mailson da Nóbrega, 57, ex-ministro da Fazenda (governo José Sarney), sócio da Tendências Consultoria Integrada, escreve às sextas-feiras nesta coluna.
E-mail: mailson@palavra.inf.br



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