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CRISE
Agricultores produzem mais do que conseguem vender e passam a converter bebida em combustível; garrafa é vendida a 1
Com superoferta, vinho vira álcool na França
SIMON PACKARD
DA "BLOOMBERG"
Serge Chiappa diz que terá de
erradicar as videiras de metade de
seu vinhedo de 65 hectares, localizado em Gironde-sur-Dropt, a
sudeste de Bordeaux, no momento em que uma enxurrada de vinho francês não-comercializado
reduz a demanda por suas uvas.
"Os preços alcançados pelas minhas uvas nestes últimos dois
anos não cobriram os empréstimos que tomei e eu não quis perder a propriedade", disse o agricultor de 47 anos, ao colher sua última safra de uvas Merlot, Cabernet Franc e Cabernet Sauvignon.
Os agricultores franceses estão
produzindo mais vinho do que
conseguem vender, num momento em que seus conterrâneos
passaram a beber menos. A parcela ocupada pela França no mercado de exportação de vinho está
caindo devido à concorrência gerada pela Austrália e pela Califórnia. A superoferta deprimiu os
preços e, atualmente, uma garrafa
de Côte du Rhône ou Bordeaux
Superieur está sendo comercializada no atacado por menos de 1
(US$ 1,20), o que obriga os viticultores a destruir vinhas, e os vinicultores, a reduzir a produção ou
converter vinhos Bordeaux e
Beaujolais em etanol, um combustível à base de álcool.
Pelo último cômputo, as vinícolas francesas tinham 32 milhões
de hectolitros de estoques não-comercializados, segundo o Onivins, o órgão governamental com
sede em Paris encarregado da vinicultura nacional. O setor de vinhos da França movimenta US$
14 bilhões e é o maior do mundo.
A superoferta está pondo em
risco os postos de trabalho de parte das 240 mil pessoas empregadas na vinicultura francesa, obrigando muitos a abandonar sua
tradição de várias gerações de arte
vinícola. O cidadão francês médio
consome atualmente 73 garrafas
por ano, ou metade do volume de
vinho que bebia na década de
1960, segundo o Onivins.
Outras áreas
A superoferta de vinho observada na França se reflete em outras
áreas do mercado mundial de vinho, que movimenta US$ 100 bilhões anuais, segundo a consultoria IWSR (International Wine &
Spirits Record). Enquanto a França e a Itália, os dois maiores produtores mundiais, estão reduzindo sua produção, seus concorrentes da Austrália, dos Estados Unidos, do Chile e da Espanha aumentam seus volumes.
Entre 1999 e 2004, a produção
desses quatro países cresceu 16%,
para um total de 70,6 milhões de
hectolitros, disse a IWSR, prevendo um salto de mais 21% até 2008.
Até o fim do ano, as viniculturas
estarão fabricando 50 milhões de
hectolitros a mais de vinho do que
conseguirão vender, disse a Organização Internacional de Videiras
e Vinho, sediada em Paris.
Problema mundial
"A crise não é exclusiva da França, trata-se de um problema mundial", disse Michel Bronzo, um
produtor de vinho de Bandol, no
sul da França, que presidiu no
mês passado a reunião do Institut
National des Appellations d'Origine, ou Inao, com sede em Paris.
A entidade foi criada há 70 anos
para fiscalizar a qualidade dos vinhos franceses.
Os 467 conselhos regionais da
organização controlam desde o tipo de uva usada na fabricação do
vinho até o número de garrafas
que um vinicultor é autorizado a
produzir. No dia 8 de setembro, o
conselho nacional determinou a
redução da produção.
Cerca de 300 manifestantes viticultores e vinicultores enfrentaram batalhões antichoque da polícia francesa em Macon, na região centro-leste da França, depois do anúncio do corte da produção. Eles queriam autorização
para produzir maiores volumes
de Chardonnay e Pinot Noir.
"Reduzir a produção é uma
aberração completa, pois temos
uma colheita excelente, que nos
dá uma safra capaz de estimular a
recuperação e a reconquista de
nossa participação de mercado",
disse Jean-Michel Aubinel, proprietário do vinhedo Domaine de
la Pierre des Dames, de 18 hectares, e presidente do conselho de
vinicultura local. "Enquanto isso,
australianos continuarão a tirar
nossa participação de mercado."
Participação menor
A França continua a ser o maior
país exportador de vinho do
mundo, com vendas externas de
14,2 milhões de hectolitros, no valor de 5,56 bilhões em 2004. No
entanto, sua participação no mercado exportador mundial caiu
dos 29% computados em 1990 para os atuais 19%, disse o Inao.
""Os consumidores de vinho estão muito mais exigentes e os vinhos de maior sucesso são os que
se destacam pela qualidade ou
procedem de vinícolas dotadas
das melhores estratégias de vendas", disse Catherine Montalbetti,
editora do guia dos consumidores
de vinho da editora Hachette.
As vinícolas da Austrália, da Argentina, do Chile e da Espanha estão abocanhando participação de
mercado devido aos preços mais
baixos e aos maiores gastos com
marketing, disse David Skalli,
consultor de marketing de vinhos
que trabalha em Paris.
A Austrália suplantou a França
em 2003 como a maior fornecedora de vinho para o Reino Unido, um dos mercados mundiais
mais competitivos. O governo
francês propôs em abril passado
um pacote de mais de 100 milhões para ajudar os viticultores a
eliminar videiras. No mesmo
mês, a União Européia aprovou o
programa da França destinado a
converter até 250 milhões de litros
de vinho em álcool industrial ou
em etanol. A superoferta atingiu
tamanha dimensão que até os vinhos Bordeaux estão sendo convertidos em combustível.
Os beneficiários dessa superoferta são os consumidores, que
podem comprar seus vinhos a
preços menores. Em sua liquidação anual de setembro, a rede de
supermercados Auchan vendeu
vinhos aos menores preços já praticados. O principal encarregado
de compras de vinho da rede, Olivier Mouchet, disse que as vinícolas se desdobraram para reduzir
os preços e assegurar algum espaço em suas prateleiras.
"Não houve necessidade de
pressionar os fornecedores para
que baixassem os preços, pois eles
estão fazendo isso por conta própria", disse ele.
Para as vinícolas e os viticultores como Chiappa, isso é um presságio de um modo de vida em rápida extinção.
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