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INTEGRAÇÃO
Divergências ameaçam a concretização da aliança Brasília/Buenos Aires/Caracas, idealizada por Hugo Chávez
Venezuela chega tarde para formar o "eixo do bem"
CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
A entrada da Venezuela como
membro pleno do Mercosul pode
ser um pouco tardia.
Tarde, ao menos, para a utopia
de construção de uma América
do Sul unida e formando contraponto aos Estados Unidos.
Do ponto de vista do presidente
Hugo Chávez, o "eixo do bem"
nas Américas seria formado por
Brasil, Argentina e Venezuela.
Chávez usa a expressão para
ironizar a idéia de que esses países
seriam o "eixo do mal", conforme
a visão dos neoconservadores
norte-americanos, manifestada
assim que Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner se elegeram,
ambos supostamente esquerdistas (Chávez já era o presidente).
Também na visão da esquerda
nacionalista e anti-norte-americana, o eixo Brasília/Buenos Aires/Caracas era essencial, como
chegou a formular Darc Costa,
quando vice-presidente do
BNDES, no início do governo Lula, e principal ideólogo do processo de integração sul-americano.
Dizia Darc à época: "O processo
passa necessariamente por uma
aliança Brasil-Argentina-Venezuela. Se houver tal aliança, o resto vem por gravidade".
O poder de atração do eixo parece de fato importante: juntos, os
quatro países do Mercosul mais a
Venezuela respondem por 70%
da população, 76% da economia e
82% da produção de eletricidade
da América do Sul.
O problema é que, entre a expectativa de Darc Costa, logo encampada por Chávez, e a concretização da entrada da Venezuela
no bloco, surgiram percalços provavelmente mais importantes que
o poder de atração. A saber:
1) O Brasil e a Argentina, óbvias
usinas do processo de integração,
cultivam mais conflitos que intenções comuns.
2) O governo Lula perdeu peso
internacional, atolado em crise
interna que, de alguma maneira,
deslocou o foco para Chávez. Mas
ele é polêmico demais para liderar
um processo de integração desse
porte, sem mencionar o fato de
que a Venezuela é menos relevante que o Brasil para tal.
3) Os países do Pacto Andino
(Peru, Equador, Colômbia) estão
preferindo o ímã representado
pelos Estados Unidos, com o qual
negociam um acordo de livre comércio, ao "eixo do bem".
4) A Colômbia do presidente
Álvaro Uribe representa, hoje, o
porta-estandarte norte-americano na América do Sul.
Uribe tem notórias divergências
com Chávez, que tendem a aumentar na medida em que são os
dois presidentes de mais alta popularidade na região.
Mais ainda agora que a Corte
Suprema colombiana deu sinal
verde para o instituto da reeleição, o que, a princípio, assegura
novo mandato para o presidente.
5) Chávez e Lula já tiveram dois
bate-bocas sucessivos em encontros internacionais, ambos, aliás,
da Comunidade Sul-Americana
de Nações, que seria a forma institucional concreta do processo de
integração sul-americano.
Nas duas vezes, a divergência se
deu pela cobrança do venezuelano de resultados mais concretos
nas cúpulas, enquanto o brasileiro lhe pedia paciência.
Em Cusco, no final de 2004, Lula
criticou a ansiedade de Chávez, ao
que este retrucou, duro: "Ansiosos estão os que ainda não comeram nada hoje, ansiosos estão os
desempregados. Eu talvez seja
apenas quem lhes dê voz".
Não é exatamente o ambiente
mais adequado para a formação
de um "eixo do bem". Por isso, a
adesão da Venezuela, ao menos
nas atuais condições de temperatura e pressão, funcionará mais
como um oxigênio ao combalido
Mercosul do que como embrião
de um eixo que atraia, por gravidade, os demais países sul-americanos.
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