São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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INTEGRAÇÃO

Possível entrada do país no bloco regional será decisão política, mais de apoio a Chávez, e não econômica

Venezuela quebrará a lógica do Mercosul

CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A adesão da Venezuela ao Mercosul como membro pleno, conforme anunciado pelo presidente Hugo Chávez na Cúpula Ibero-Americana de Salamanca (Espanha), na semana passada, é uma decisão política e não segue a racionalidade econômica dos processos de integração regional.
Se realmente entrar para o Mercosul, a Venezuela será o primeiro país a participar de duas uniões aduaneiras, já que o país faz parte da CAN (Comunidade Andina), com a Bolívia, a Colômbia, o Equador e o Peru. Portanto terá problemas com a diferença entre a TEC (Tarifa Externa Comum) aplicada em cada bloco.
Segundo a Folha apurou com diplomatas brasileiros e andinos, o anúncio é um gesto político de apoio a Chávez, que está isolado na CAN, já que Colômbia, Equador e Peru negociam acordos com os EUA há mais de um ano.
As negociações dos andinos com os Estados Unidos devem ser concluídas até dezembro, quando a entrada da Venezuela no Mercosul deverá ser anunciada, durante o encontro de Cúpula do bloco, em Montevidéu (Uruguai).
"Chávez sempre manifestou interesse em ser membro pleno do Mercosul, mas essa foi a primeira vez que recebemos uma proposta formal e vamos analisá-la. Há vontade política para integrar a Venezuela ao Mercosul porque isso vai ao encontro do projeto de integração da América do Sul", disse o embaixador José Eduardo Martins Felício, subsecretário-geral da América do Sul.
Ele não quis comentar o acordo dos andinos com os EUA nem eventuais problemas políticos que tal aproximação poderia gerar com os americanos, críticos do governo venezuelano e o principal alvo dos freqüentes ataques verbais proferidos por Chávez.
Os defensores de Chávez afirmam que o Mercosul acerta em acolher a Venezuela porque os EUA estariam tentando isolar o país, um de seus principais fornecedores de petróleo, por causa do estilo ameaçador de Chávez e do controle que ele exerceria sobre as instituições.
Os críticos afirmam que Chávez está mais interessado em investir os petrodólares que o país tem recebido, com a explosão do preço do óleo nos últimos meses, na compra de apoio na região do que em reduzir a pobreza na Venezuela. Para esse grupo, o discurso antiamericano de Chávez seria um bode expiatório para consolidar um governo autoritário.
Neste ano, Chávez bancou cerca de 70% dos custos da Telesur, um canal de TV comunitária em conjunto com a Argentina, Uruguai e Cuba, segundo publicou a revista "The Economist". Ele também comprou mais de US$ 400 milhões em títulos da dívida argentina e planeja comprar um velho reator nuclear argentino.
Chávez montou a Petrocaribe, para vender petróleo mais barato aos países do Caribe, e propõe criar a Petroandina, em parceria com os vizinhos andinos, e a Petrosur, com Brasil e Argentina.
Para os críticos, os investimentos são exemplos da compra de apoio. Para os defensores, são ações para integrar a América Latina e promover a sonhada "Revolução Bolivariana" de Chávez.

Tarifas
Para Felício, as dificuldades que o provável futuro sócio do Mercosul terá por causa da diferença entre as tarifas "é um problema da Venezuela, que terá de resolver com seus parceiros na CAN".
"Os países do Mercosul farão a sua parte, que é analisar a proposta, receber a Venezuela e, se preciso, conceder algumas exceções para que o país se ajuste.
O problema está justamente nas exceções. De acordo com o diretor da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina) no Brasil, Renato Baumann, o maior entrave do Mercosul são as exceções à TEC. Ao incluir outros países e abrir mais exceções, o Mercosul poderá ir na direção contrária à sua proposta -a de consolidar a TEC para fortalecer o bloco.
"Ainda não há detalhes sobre como será a adesão da Venezuela. Se for um gesto político, não sei como isso será ressaltado, já que a Venezuela é membro associado do Mercosul e, portanto, tem participação nos foros políticos do bloco. Esse status não confere circulação de mercadorias livre de impostos, mas apenas com preferências, e não prevê adesão à TEC. A Secretaria da Comunidade Andina, em Lima, não comentou a proposta da Venezuela, porque ainda não recebeu detalhes.
Em tese, a TEC é um conjunto comum de tarifas de importação adotados pelos sócios do bloco para as importações de terceiros países. Essa proteção garante acesso privilegiado no mercado dos sócios, já que entre eles não há tarifas e as importações de fora do bloco são mais caras, ou seja, é uma reserva de mercado.


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