São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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CAMPO

Maior produtor sucroalcooleiro do mundo quer abrir capital e ressalva a investidor que exigências legais são difíceis de cumprir

Usina diz não garantir cumprimento de lei

Joel Silva - 04.out.05/Folha Imagem
Bóia-fria corta cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto (SP)


RENATO ROSCHEL
GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO

O grupo Cosan, maior produtor sucroalcooleiro do mundo, quer abrir seu capital no mercado de ações. Se for aprovada pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários), a operação deve render cerca de R$ 660 milhões. A empresa, no entanto, pode ter dificuldade para concretizar a operação em razão de admitir que possivelmente não cumpre todas as regras de proteção à saúde dos funcionários e de não assegurar ao investidor que cumprirá as "leis, regulamentos e licenças" no futuro.
A informação está na página 41 do prospecto destinado a investidores, em trecho que trata dos fatores de risco. A empresa é alvo de investigação por causa de duas mortes de cortadores de cana ocorridas em uma de suas usinas.
O texto, no site da companhia, diz: "Também somos obrigados a obter determinadas licenças, emitidas por autoridades governamentais, com relação a determinados aspectos das nossas operações. Nós não podemos assegurar que sempre estivemos ou que permaneceremos em total cumprimento com tais leis, regulamentos e licenças. Referidas leis, regulamentos e licenças podem, com freqüência, exigir que compremos e instalemos equipamentos de custo muito elevado para controle da poluição ou que executemos mudanças operacionais a fim de limitar impactos ou potenciais impactos ao ambiente e/ou à saúde dos nossos funcionários".
O prospecto é documento obrigatório para a empresa que quer emitir ações. O da Cosan ainda precisa da aprovação da CVM. Segundo a Folha apurou, a admissão da empresa de que pode não cumprir a lei poderia dificultar a abertura de seu capital.
As duas mortes de bóias-frias que trabalhavam para a empresa ocorreram na usina Univalem, em Valparaíso (577 km a noroeste de São Paulo). Em abril de 2004, Moisés Alves dos Santos, 33, foi vítima de um infarto. No último dia 6, Valdir Alves de Souza, 43, morreu no alojamento da unidade. O corpo foi submetido a necropsia em Araçatuba, mas a causa da morte só vai ser definida após exames. Segundo a Cosan, ele estava de folga no dia em que morreu (leia texto nesta página).

Força-tarefa
As duas mortes, assim como outras nove ocorridas nos últimos 18 meses em usinas do interior paulista, são investigadas por uma força-tarefa formada por 13 entidades, entre elas o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. A suspeita é que elas tenham sido provocadas por excesso de esforço físico.
Para Ruth Vilela, secretária de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, a frase do prospeto da Cosan estabelece um paradoxo entre os programas de responsabilidade social que a empresa afirma ter e aquilo que ela diz aos seus investidores.
Segundo Vilela, "isso pode servir como reforço ou indicativo para um acompanhamento do que a Cosan faz com seus trabalhadores e servir de base para investigar a quais condições eles são submetidos".
Para o presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Valparaíso, Paulo de Oliveira Cruz, a Univalem tem elevado rigor de produção, que exige do cortador pelo menos oito toneladas em média por dia. "Eles já selecionam antes de a safra começar. Nem contratam quem corta menos." A usina diz não ter metas de produção.
Jadir Ribeiro, integrante da Pastoral do Migrante de Guariba, que faz parte da força-tarefa que investiga as mortes, disse que o grupo Cosan é um dos principais alvos da investigação devido às condições de trabalho.
"Nas visitas que fizemos aos alojamentos, encontramos cerca de 40% [de trabalhadores] afastados por acidentes de trabalho." A empresa contesta o dado.

Prática incomum
Procurado pela Folha, Roberto Gonzalez, diretor da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais), afirmou que são incomuns no mercado de capitais textos como o trecho do prospecto da Cosan no qual ela admite que pode não ter cumprido ou que não irá cumprir regras.
Segundo Gonzalez, há empresas que, no prospecto, criticam a legislação da área em que atuam, mas nenhuma diz que não pode assegurar o cumprimento da lei aos seus investidores.


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