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CAMPO
Maior produtor sucroalcooleiro do mundo quer abrir capital e ressalva a investidor que exigências legais são difíceis de cumprir
Usina diz não garantir cumprimento de lei
Joel Silva - 04.out.05/Folha Imagem
![](https://cdn.statically.io/img/www1.folha.uol.com.br/../images/b2310200501.jpg) |
Bóia-fria corta cana-de-açúcar na região de Ribeirão Preto (SP) |
RENATO ROSCHEL
GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO
O grupo Cosan, maior produtor
sucroalcooleiro do mundo, quer
abrir seu capital no mercado de
ações. Se for aprovada pela CVM
(Comissão de Valores Mobiliários), a operação deve render cerca de R$ 660 milhões. A empresa,
no entanto, pode ter dificuldade
para concretizar a operação em
razão de admitir que possivelmente não cumpre todas as regras
de proteção à saúde dos funcionários e de não assegurar ao investidor que cumprirá as "leis, regulamentos e licenças" no futuro.
A informação está na página 41
do prospecto destinado a investidores, em trecho que trata dos fatores de risco. A empresa é alvo de
investigação por causa de duas
mortes de cortadores de cana
ocorridas em uma de suas usinas.
O texto, no site da companhia,
diz: "Também somos obrigados a
obter determinadas licenças, emitidas por autoridades governamentais, com relação a determinados aspectos das nossas operações. Nós não podemos assegurar
que sempre estivemos ou que permaneceremos em total cumprimento com tais leis, regulamentos
e licenças. Referidas leis, regulamentos e licenças podem, com
freqüência, exigir que compremos e instalemos equipamentos
de custo muito elevado para controle da poluição ou que executemos mudanças operacionais a
fim de limitar impactos ou potenciais impactos ao ambiente e/ou à
saúde dos nossos funcionários".
O prospecto é documento obrigatório para a empresa que quer
emitir ações. O da Cosan ainda
precisa da aprovação da CVM. Segundo a Folha apurou, a admissão da empresa de que pode não
cumprir a lei poderia dificultar a
abertura de seu capital.
As duas mortes de bóias-frias
que trabalhavam para a empresa
ocorreram na usina Univalem,
em Valparaíso (577 km a noroeste
de São Paulo). Em abril de 2004,
Moisés Alves dos Santos, 33, foi
vítima de um infarto. No último
dia 6, Valdir Alves de Souza, 43,
morreu no alojamento da unidade. O corpo foi submetido a necropsia em Araçatuba, mas a causa da morte só vai ser definida
após exames. Segundo a Cosan,
ele estava de folga no dia em que
morreu (leia texto nesta página).
Força-tarefa
As duas mortes, assim como outras nove ocorridas nos últimos 18
meses em usinas do interior paulista, são investigadas por uma
força-tarefa formada por 13 entidades, entre elas o Ministério Público Federal e o Ministério Público do Trabalho. A suspeita é que
elas tenham sido provocadas por
excesso de esforço físico.
Para Ruth Vilela, secretária de
Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, a frase do prospeto da Cosan estabelece um paradoxo entre os programas de responsabilidade social
que a empresa afirma ter e aquilo
que ela diz aos seus investidores.
Segundo Vilela, "isso pode servir como reforço ou indicativo
para um acompanhamento do
que a Cosan faz com seus trabalhadores e servir de base para investigar a quais condições eles são
submetidos".
Para o presidente do Sindicato
dos Trabalhadores de Valparaíso,
Paulo de Oliveira Cruz, a Univalem tem elevado rigor de produção, que exige do cortador pelo
menos oito toneladas em média
por dia. "Eles já selecionam antes
de a safra começar. Nem contratam quem corta menos." A usina
diz não ter metas de produção.
Jadir Ribeiro, integrante da Pastoral do Migrante de Guariba, que
faz parte da força-tarefa que investiga as mortes, disse que o grupo Cosan é um dos principais alvos da investigação devido às
condições de trabalho.
"Nas visitas que fizemos aos
alojamentos, encontramos cerca
de 40% [de trabalhadores] afastados por acidentes de trabalho." A
empresa contesta o dado.
Prática incomum
Procurado pela Folha, Roberto
Gonzalez, diretor da Apimec (Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado
de Capitais), afirmou que são incomuns no mercado de capitais
textos como o trecho do prospecto da Cosan no qual ela admite
que pode não ter cumprido ou
que não irá cumprir regras.
Segundo Gonzalez, há empresas
que, no prospecto, criticam a legislação da área em que atuam,
mas nenhuma diz que não pode
assegurar o cumprimento da lei
aos seus investidores.
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