São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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ESQUELETO

Solução encontrada após dez anos de negociação pode naufragar por causa de rombo de R$ 18 bi nas contas do governo

Acordo para Banco Nacional aumenta dívida pública

SHEILA D'AMORIM
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Foram necessários dez anos para o Banco Central e a família Magalhães Pinto começarem a falar a mesma língua nas negociações para encerrar a liquidação do Nacional, decretada em 1995. Agora que eles ensaiam um acordo, a solução que poria fim a um dos maiores escândalos financeiros do país esbarra no impacto que o acerto terá na dívida pública.
Mesmo sem o governo ter que desembolsar um tostão, o fim da liquidação do Nacional faria a dívida pública crescer cerca de R$ 18 bilhões. Esse valor corresponde ao estoque de créditos do antigo FCVS (Fundo de Compensação das Variações Salariais) -instrumento criado no final da década de 60 para cobrir resíduos de financiamentos habitacionais- que estão na massa falida do banco e seriam usados para pagar a dívida da instituição com o BC.
Os créditos são o principal ativo do Nacional e servem de garantia ao empréstimo concedido pelo BC no âmbito do Proer, o programa de socorro a bancos com dificuldade de caixa. Atualmente, o estoque de créditos do FCVS do Nacional é de R$ 20 bilhões.
O problema é que a maior parte, algo próximo a R$ 18 bilhões, ainda não foi oficialmente contabilizada na dívida pública e consta como esqueleto, débitos que o governo sabe que existem, mas não emitiu os títulos correspondentes. Esses valores, porém, estão registrados na contabilidade do BC.
Segundo a Folha apurou, um acordo para encerrar a liquidação do Nacional teria que passar pelo reconhecimento oficial desses créditos, o que faria o estoque da dívida pública subir. Isso deverá dificultar um desfecho para o caso, já que a Fazenda não admite gerar um impacto dessa magnitude de uma única vez.
Nos últimos anos, o governo federal vem promovendo um grande esforço para conter gastos e aumentar receitas, como forma de economizar dinheiro, que é utilizado para reduzir o endividamento público. A incorporação desses créditos na dívida jogaria por terra boa parte do ajuste fiscal.
É justamente por isso que a contabilização oficial desses créditos vem sendo feita gradualmente. O processo para emissão dos títulos é longo. Normalmente, com o fim dos contratos originais de financiamento habitacional cobertos pelo FCVS, todos os bancos que concederam os empréstimos podem se habilitar na Caixa Econômica Federal para receber o crédito, que equivale ao resíduo remanescente do contrato com o mutuário gerado pela diferença na correção do valor da prestação e do saldo devedor.
Esse processo serve para verificar se os empréstimos estão dentro das regras. A lei do FCVS só permite, por exemplo, a cobertura de um financiamento por mutuário. Segundo o governo, alguns bancos concederam até nove financiamentos para a mesma pessoa. Nesse caso, a área técnica da Caixa irá reconhecer o crédito em só uma dessas operações.
Reconhecida a dívida, o banco entra na fila para aguardar o Tesouro emitir os CVS, títulos correspondentes ao total devido pelo FCVS. Esses papéis têm data de vencimento somente em 2027, mas a partir deste ano começaram a pagar juros mensais.

Caso sem solução
O problema com os créditos do FCVS não tinha sido levantado antes porque o Nacional era considerado pelo governo "um caso sem solução". Com uma dívida de cerca de R$ 14 bilhões somente com o BC e as divergências sérias com os antigos controladores, o Nacional era tido como prejuízo certo para os cofres públicos.
No entanto, nos últimos meses, a sinalização por parte da família Magalhães Pinto de que estaria disposta a aceitar o entendimento do BC de que a dívida seria atualizada por uma taxa superior à variação da TR (Taxa Referencial), usada nos casos de falência, possibilitou a retomada das conversas.
A disputa sempre foi porque o BC entendia que a dívida, por ter garantias reais, deveria ser corrigida por juros de mercado, até o limite das garantias. Com isso, não sobraria nada para a família. Como, com o passar do tempo, os créditos do FCVS passaram a ser atualizados por um valor superior à TR, a família lutava para ter o direito de pagar a dívida corrigida pela TR enquanto os créditos se valorizavam.
Hoje, os Magalhães Pinto já admitem "sair no zero a zero", segundo informou à Folha um dos envolvidos nas negociações, e isso teria possibilitado a retomada das conversas suspensas em 2002. Mas um desfecho para o caso precisará do aval da Fazenda.


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