São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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LUÍS NASSIF

O Plano Trienal e o governo Jango

O velho senhor mora em uma casa ampla, em um condomínio fechado do Leblon, Rio de Janeiro, de onde se tem uma vista do Cristo Redentor. Aos 85 anos, Antonio Dias Leite não desistiu do Brasil. No ano passado, escreveu um livro de introdução à economia brasileira, tentando devolver à ciência econômica visão sistêmica e princípios simples de economia.
No prefácio do livro, é citada uma frase do economista Wilfredo Pareto, que o tinha impressionado 50 anos atrás. Dizia ele que uma teoria é boa até que se encontre outra que explique melhor a realidade. E, em qualquer hipótese, não se pode perder de vista a realidade.
Suas lembranças saltam para 40 anos atrás, nos estertores do governo João Goulart, quando, restaurando o presidencialismo, San Tiago Dantas, ministro da Fazenda, e Celso Furtado, ministro do Planejamento, jogaram a última cartada, o Plano Trienal, tentando casar, pela primeira vez, estabilização inflacionária com crescimento econômico.
As lembranças foram registradas no excepcional livreto "Atualidade de San Tiago Dantas", fruto de um seminário organizado no ano passado no Rio pela Associação Comercial, dirigida pelo ex-discípulo de San Tiago Marcílio Marques Moreira.
O presidencialismo voltou em 23 de janeiro de 1962. O Brasil tinha crescido muito nos anos 50. A economia começara a desacelerar em 1960 e parou em 1963, a inflação disparava.
Mas a ciência econômica havia evoluído bastante. Nos 15 anos anteriores, foram montados indicadores sistemáticos de contabilidade nacional, índices de preço e balanço de pagamentos. Eram precários os dados sobre execução orçamentária, com dados divergentes entre a contabilidade pública e o Tesouro. Naqueles anos, começou a tomar corpo em alguns centros a idéia de que a inflação era inerente ao crescimento, mas em breve a tese foi abortada e houve a convergência, no próprio governo, sobre a importância de conter o processo inflacionário.
No combate à inflação, diz Dias Leite, o Plano Trienal era surpreendentemente austero para um governo populista. No discurso de posse, San Tiago enfatizou que as emissões de moeda obedeceriam ao disposto no orçamento monetário. Em 1963, a expansão monetária seria de apenas 29%, contra uma inflação de 50% -contenção monetária para monetarista nenhum botar defeito. E estava programada para cair nos dois anos seguintes.
A moeda ainda era controlada pela Sumoc (Superintendência de Moeda e Crédito), dirigida por Dias Carneiro, notável matemático, pai do economista Dionísio Dias Carneiro, da PUC-RJ.
A frente externa foi atacada em uma viagem de San Tiago a Washington, para uma reunião com o FMI e uma conversa com Douglas Dillon, secretário do Tesouro dos EUA e que se tornara amigo do Brasil por obra do ex-embaixador Walther Moreira Salles. O presidente norte-americano, John Kennedy, estava particularmente incomodado com a encampação da American & Foreign Power pelo governador Leonel Brizola e com críticas do governador pernambucano Miguel Arraes à Aliança para o Progresso.
As negociações duraram duas semanas. Como sinal de boa vontade, o FMI aprovou a prorrogação da obrigação de recompra de US$ 26,5 milhões pelo governo brasileiro. E definiram-se as bases para um acordo "stand-by", a ser fechado em junho de 1963.
Pelo governo americano, as negociações foram conduzidas por David E. Bell, administrador da AID (Agency for International Development). Ao final, Bell sancionava a ação de San Tiago e prometia US$ 84 milhões do governo americano, com a possibilidade de chegar a US$ 400 milhões nos dois anos seguintes.
De volta ao Brasil, San Tiago viu-se no meio de um duplo tiroteio. De um lado, o que ele chamava de "esquerda negativa", liderada por Brizola; do outro, a direita raivosa de Carlos Lacerda. E o câncer que o mataria pouco mais de um ano depois já se manifestava.
San Tiago e Furtado caíram em junho de 1963. O governo João Goulart resistiria até março de 1964.

E-mail - Luisnassif@uol.com.br


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