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LUÍS NASSIF
O Plano Trienal
e o governo Jango
O velho senhor mora em
uma casa ampla, em um
condomínio fechado do Leblon,
Rio de Janeiro, de onde se tem
uma vista do Cristo Redentor.
Aos 85 anos, Antonio Dias Leite
não desistiu do Brasil. No ano
passado, escreveu um livro de introdução à economia brasileira,
tentando devolver à ciência econômica visão sistêmica e princípios simples de economia.
No prefácio do livro, é citada
uma frase do economista Wilfredo Pareto, que o tinha impressionado 50 anos atrás. Dizia ele que
uma teoria é boa até que se encontre outra que explique melhor a realidade. E, em qualquer
hipótese, não se pode perder de
vista a realidade.
Suas lembranças saltam para
40 anos atrás, nos estertores do
governo João Goulart, quando,
restaurando o presidencialismo,
San Tiago Dantas, ministro da
Fazenda, e Celso Furtado, ministro do Planejamento, jogaram a
última cartada, o Plano Trienal,
tentando casar, pela primeira
vez, estabilização inflacionária
com crescimento econômico.
As lembranças foram registradas no excepcional livreto
"Atualidade de San Tiago Dantas", fruto de um seminário organizado no ano passado no Rio
pela Associação Comercial, dirigida pelo ex-discípulo de San
Tiago Marcílio Marques Moreira.
O presidencialismo voltou em
23 de janeiro de 1962. O Brasil tinha crescido muito nos anos 50.
A economia começara a desacelerar em 1960 e parou em 1963, a
inflação disparava.
Mas a ciência econômica havia evoluído bastante. Nos 15
anos anteriores, foram montados indicadores sistemáticos de
contabilidade nacional, índices
de preço e balanço de pagamentos. Eram precários os dados sobre execução orçamentária, com
dados divergentes entre a contabilidade pública e o Tesouro. Naqueles anos, começou a tomar
corpo em alguns centros a idéia
de que a inflação era inerente ao
crescimento, mas em breve a tese
foi abortada e houve a convergência, no próprio governo, sobre a importância de conter o
processo inflacionário.
No combate à inflação, diz
Dias Leite, o Plano Trienal era
surpreendentemente austero para um governo populista. No discurso de posse, San Tiago enfatizou que as emissões de moeda
obedeceriam ao disposto no orçamento monetário. Em 1963, a
expansão monetária seria de
apenas 29%, contra uma inflação de 50% -contenção monetária para monetarista nenhum
botar defeito. E estava programada para cair nos dois anos seguintes.
A moeda ainda era controlada
pela Sumoc (Superintendência
de Moeda e Crédito), dirigida
por Dias Carneiro, notável matemático, pai do economista Dionísio Dias Carneiro, da PUC-RJ.
A frente externa foi atacada
em uma viagem de San Tiago a
Washington, para uma reunião
com o FMI e uma conversa com
Douglas Dillon, secretário do Tesouro dos EUA e que se tornara
amigo do Brasil por obra do ex-embaixador Walther Moreira
Salles. O presidente norte-americano, John Kennedy, estava particularmente incomodado com a
encampação da American & Foreign Power pelo governador
Leonel Brizola e com críticas do
governador pernambucano Miguel Arraes à Aliança para o
Progresso.
As negociações duraram duas
semanas. Como sinal de boa
vontade, o FMI aprovou a prorrogação da obrigação de recompra de US$ 26,5 milhões pelo governo brasileiro. E definiram-se
as bases para um acordo "stand-by", a ser fechado em junho de
1963.
Pelo governo americano, as negociações foram conduzidas por
David E. Bell, administrador da
AID (Agency for International
Development). Ao final, Bell sancionava a ação de San Tiago e
prometia US$ 84 milhões do governo americano, com a possibilidade de chegar a US$ 400 milhões nos dois anos seguintes.
De volta ao Brasil, San Tiago
viu-se no meio de um duplo tiroteio. De um lado, o que ele chamava de "esquerda negativa", liderada por Brizola; do outro, a
direita raivosa de Carlos Lacerda. E o câncer que o mataria
pouco mais de um ano depois já
se manifestava.
San Tiago e Furtado caíram
em junho de 1963. O governo
João Goulart resistiria até março
de 1964.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
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