São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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OPINIÃO ECONÔMICA

Os juros e o câmbio

JOSÉ ALEXANDRE SCHEINKMAN

Nas últimas semanas, o Banco Central tem sido um assíduo comprador de dólares. A versão oficial é que as intervenções visam aumentar as reservas internacionais do Brasil e que o BC não está procurando controlar a taxa de câmbio.
Não é simples determinar o nível adequado de reservas internacionais para um país. Na teoria, um país com regime de câmbio flutuante não necessita reservas, e o governo e o banco central devem ficar fora do mercado de câmbio. Na prática, a teoria é outra. Países com moeda flutuante mantêm reservas para diminuir a volatilidade do câmbio nos momentos de crise.
Há muita controvérsia sobre a efetividade das intervenções, principalmente num momento de crise, mas a prudência recomenda a manutenção de reservas. Nem a teoria nem a experiência empírica, no entanto, dão recomendações precisas sobre o nível de reservas que um país necessita.
Segundo alguns indicadores, as reservas atuais do Brasil parecem mais do que adequadas. No final de 2004, essas reservas, descontada a dívida com o FMI, totalizavam US$ 27,5 bilhões, mas em agosto deste ano já ultrapassavam US$ 40 bilhões. Hoje, as reservas provavelmente excedem US$ 43 bilhões e representam mais de 20% da dívida externa e duas vezes e meia a dívida externa de curto prazo. Por essa razão, muitos observadores acreditam que as intervenções do BC devem-se mais a um objetivo de diminuir o ritmo da subida do real do que a uma preocupação com insuficiência de reservas.
O BC e o governo estariam apreensivos sobre o futuro das exportações brasileiras. Essa não é uma inquietação absurda. O Brasil tem uma história muito curta de câmbio flutuante, mas, em países para os quais temos bons dados, aumentos do câmbio real foram em geral seguidos, dentro de dois anos, por uma deterioração na balança comercial.
Mas é preciso considerar também os custos dessas reservas. Quando um banco central compra moeda estrangeira usando moeda local, a base monetária expande. Numa situação, como a do Brasil, em que se está utilizando a política monetária para diminuir a inflação, o BC vende títulos para contrair de novo a base monetária. Dessa forma, a contrapartida às reservas é o aumento da dívida. Com a Selic a 14% em termos reais e as reservas rendendo provavelmente menos de 2% reais, cada US$ 1 de reserva custa US$ 0,12 por ano ao país. O BC age como um cidadão que toma um empréstimo com cheque especial e guarda o dinheiro em casa. Pode até ser útil para uma emergência, mas que não é recomendável que o faça em grandes montantes. Os US$ 43 bilhões de reservas têm hoje um custo anual de cerca de US$ 5 bilhões, o que excede 0,6% do PIB.
O real se beneficia neste momento de condições favoráveis na economia mundial, da melhoria da balança de pagamentos nos últimos anos e do aumento generalizado de confiança no Brasil. Mas a sua valorização se explica também pelo desejo dos investidores internacionais de se aproveitarem de taxas de juros extraordinárias para os padrões globais de hoje.
A solução para esses problemas não é criar novas distorções com o controle do fluxo de capitais, mas acelerar o processo de queda de taxas de juros. Com taxas mais baixas, diminuiria o influxo de capitais de curto prazo, o que atenuaria a valorização do real. Além disso, o custo de manter reservas cairia. A taxa de câmbio é um motivo adicional para uma política monetária mais racional.
 
PS: Esta Folha publicou na quinta um artigo de um sr. Francini, diretor da Fiesp, em resposta à minha última coluna. O artigo repete as lamúrias fiespianas, mas não discute a questão da proteção efetiva. A única nova informação é que a Fiesp defende o que "acredita ser o melhor para o país", o que só por uma feliz coincidência é também aquilo que aumenta o lucro dos seus associados.


José Alexandre Scheinkman, 57, professor de economia na Universidade Princeton (EUA), escreve quinzenalmente aos domingos nesta coluna.
E-mail - jose.scheinkman@gmail.com


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