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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Aos que ainda têm voz: falem!
MARIA DA CONCEIÇÃO
TAVARES
"Em nenhum momento da nossa
história foi tão grande a distância
entre o que somos e o que esperávamos ser." Celso Furtado
A esta altura dos acontecimentos, com o desemprego brutal, a
violência e a corrupção corroendo
a nossa sociedade, ainda temos de
aturar os economistas do governo. A inflação repicou, a taxa de
câmbio está sendo contida a duras penas e, depois dos fracassos
das experiências asiáticas, russa e
latino-americanas da década de
90, contar histórias da carochinha sobre a "auto-regulação" dos
mercados financeiros globais é
demais! Pregar a "plena conversibilidade" da nossa pobre moeda é
um escárnio que as "autoridades"
monetárias podiam nos poupar.
O argumento principal sobre as
vantagens da "conversibilidade
plena" é o de que ela terminará
por produzir um aumento dos
fluxos de capitais para o país, pois
"o capital só entra aonde pode
sair" (sic). A falácia é de dar dó,
uma vez que é notório que não
houve qualquer controle de saída
de capital, desde 1992, nem sequer
na crise cambial de julho de 1998
a fevereiro de 1999.
A "conversibilidade" já é tamanha que permitiu aos rentistas locais remeter livremente US$ 70
bilhões em menos de um ano. As
remessas são feitas por meio de
contas "legais", entre outras as famosas CC-5, que acobertam qualquer tipo de transação e negócio
lícito ou ilícito, como, por exemplo, o do narcotráfico.
O Banco Central não adotou a
"quarentena" chilena para entrada de capitais nem praticou qualquer tipo de fiscalização sobre
operações bancárias duvidosas.
Ou seja, em matéria de "liberalização" temos sido o máximo. Assim, essa nova conversa sobre
"conversibilidade" parece apenas
uma tentativa de acalmar os bancos internacionais ante a perda
de reservas e o repique da inflação. Além, é claro, de ser uma manifestação inequívoca dos nossos
"yes men" de que estão "repercutindo" a última reunião do BIS
(na Suíça) e a desregulamentação
da lei bancária norte-americana
recentemente anunciada e se preparando para desnacionalizar o
Banespa.
A conversibilidade sem controles cambiais não é apenas uma
questão legal ou de boas intenções de aderir ao "Primeiro Mundo", pois depende antes de tudo
da disponibilidade de divisas para bancá-la. Sem controle dos
movimentos de capitais não conseguiremos financiar o balanço
de pagamentos, e a perda de reservas se acentuará além dos limites tolerados pelo FMI. As projeções das contas externas, juntamente com a retomada da inflação, tem impactos óbvios sobre a
taxa de juros, como as já verificadas: estancamento da queda da
taxa básica e subida nos mercados futuros. Assim, o que tende a
ocorrer, com ou sem declarações
tranquilizadoras dos mandatários da República, é uma maior
volatilidade do câmbio e dos juros que obrigará o BC a intervir
no mercado de qualquer maneira.
Mesmo um aumento da entrada de capitais (prometido pelo
ministro da Fazenda) não melhoraria a situação do balanço de
pagamentos, já que propiciaria o
correspondente aumento nas
contas de juros e de remessas de
lucros, a curto prazo. Essas, já no
ano que vem, devem superar o volume de investimento direto estrangeiro, ainda que ele se mantivesse nos altíssimos volumes alcançados com as privatizações e
as desnacionalizações. A manutenção dos níveis projetados de
endividamento externo (e interno) com relativa estabilidade monetária é impraticável, com ou
sem "conversibilidade" da moeda, com ou sem câmbio flutuante.
Os economistas de oposição (ao
governo, não à nação) sabem que
as contas financeiras externas levarão muito tempo até ser reequacionadas do ponto de vista
patrimonial, mesmo em condições de moratória soberana. Por
isso, propõem a centralização do
câmbio e uma política ativa de
exportações e de substituição de
importações, para permitir que o
superávit comercial seja capaz de
financiar por si mesmo os fluxos
de serviços mínimos do balanço
de transações correntes.
Os economistas de oposição sabem que a primeira e mais importante "reforma estrutural" para
enfrentar a crise diz respeito à renacionalização do dinheiro e do
crédito, o oposto do que o governo
central está propondo. E que isso
requer um Banco Central realmente "independente", não do
Tesouro Nacional, mas do capital
especulativo internacional e da
submissão (mesmo que "pragmática") às instruções do acordo
FMI-BIS.
Os economistas "oficiais" devem parar de fazer crer aos incautos que um regime de câmbio flutuante é capaz de equilibrar em
simultâneo as finanças públicas e
o balanço de pagamentos. Que,
com qualquer nível de demanda
efetiva (mesmo em recessão), o
BC possa fixar a meta de inflação
autônoma, quando o próprio governo atropela a "meta" autorizando sucessivos choques de tarifas. Têm de parar de acreditar
que o "Deus Mercado" é brasileiro e que os preços decisivos do dinheiro e das matérias-primas estratégicas obedecem a um sistema de equações simultâneas que
determinam ou convergem para
o equilíbrio. Devem parar de
mentir e dizer que a inflação, o
balanço de pagamentos e as contas públicas estão sob controle.
Têm de parar de atribuir aos inativos, aos governos locais e até
mesmo aos bandidos as culpas
pela terrível situação em que o
país se encontra. Têm de parar de
buscar as supostas "divergências
das oposições" como prova de que
não há "alternativas viáveis".
Se querem continuar "pragmáticos" e "subservientes", parem ao
menos de ofender nossa inteligência, de escarnecer da opinião pública e de corromper as consciências dos seus próprios quadros de
elite.
Basta! Um pouco de seriedade,
senhores. O espetáculo pode continuar, mas pelo menos com um
pouco mais de compostura. Afinal, o Império não irá nos salvar e
o circo não é suficiente sem o pão
nosso de cada dia. Um minuto de
silêncio pelos nossos mortos! Um
minuto de recolhimento pelo passamento da República! Um minuto de atenção aos que ainda têm
voz e consciência nacional e a seu
manifesto em defesa do Brasil, da
democracia e do trabalho.
Maria da Conceição Tavares, 69, economista, é professora emérita da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), professora
associada da Universidade de Campinas
(Unicamp) e ex-deputada federal (PT-RJ).
www.abordo.com.br/mctavares
e-mail: mctavares@cdsid.com.br
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