São Paulo, sábado, 21 de maio de 2005

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ARTIGO

Desvalorizar traria problemas

PAUL KRUGMAN

As informações sobre o relatório do Tesouro que condena a política cambial chinesa provavelmente causaram estranheza entre os leitores. A questão também confunde os economistas profissionais. Mas permita-me tentar explicar o que ocorre.
Ao longo dos últimos anos, a China vem agindo como facilitadora tanto da irresponsabilidade fiscal dos EUA quanto de mania especulativa no mercado da habitação. Agora, o governo norte-americano enfim começa a admitir que há um problema -mas que ele é da China, não nosso.
Não há sinal de que alguém no governo esteja vendo que a economia americana se tornou dependente de empréstimos a juros baixos da China e de outros governos, e é provável que tenha problemas quando eles não estiverem disponíveis.
A China vem recebendo enorme corrente de dinheiro, tanto devido ao seu superávit comercial quanto ao investimento de companhias ocidentais e japonesas. Esse influxo se corrigiria automaticamente: tanto o superávit comercial chinês quanto o investimento estrangeiro forçariam alta do yuan, tornando as exportações do país menos competitivas.
Mas o governo chinês, que não quer permitir que isso ocorra, manteve baixa a cotação do yuan com transações que devolvem para fora do país o dinheiro que entra, pela compra de enorme volume de ativos em dólares. E os EUA se tornaram dependentes disso. Compras de dólares pela China e por outros governos isolaram a economia americana dos efeitos dos déficits orçamentários que o país vem acumulando. O dinheiro que vem do exterior manteve baixas as taxas de juros americanas a despeito da enorme captação que o governo tem feito para cobrir seu déficit.
As baixas taxas de juros, em resumo, se tornaram cruciais para o boom da habitação nos EUA.
Assim, por que o governo dos EUA está reclamando? O relatório do Tesouro nada diz sobre a maneira que a política cambial chinesa afeta os EUA -tudo o que oferece, sobre o aspecto interno do problema, são lisonjas às decisões do governo. O estudo se concentra nas desvantagens da política chinesa para os chineses. E desde quando isso é uma preocupação importante para os EUA?
Na realidade, é evidente que o governo não se preocupa nada com a economia da China. Está se queixando do yuan devido a pressões políticas dos industriais norte-americanos, incomodados com os superávits comerciais chineses. Assim, é tudo política. E esse é o problema: quando as decisões estratégicas são tomadas por motivos só políticos, ninguém pondera a fundo quanto às conseqüências reais que elas terão.
Eis o que eu acredito que se dará quando e se a China alterar sua política cambial: as taxas de juros americanas subirão; a bolha no mercado de habitação explodirá; o emprego na construção civil e o consumo cairão; a queda nos preços dos imóveis residenciais pode gerar uma onda de falências.
Não estou dizendo que deveríamos tentar manter as coisas como estão. Afinal, um dia a China vai deixar de comprar dólares sem que ninguém o peça. Além disso, em longo prazo, acabar com a dependência das compras de dólar por estrangeiros dará economia mais saudável. Alta no yuan e nas demais moedas asiáticas tornará mais competitivo o setor industrial da economia americana, no qual mais de 3 milhões de empregos foram perdidos desde 2000.
Mas os efeitos negativos de mudança na política cambial chinesa seriam provavelmente imediatos, enquanto os positivos podem demorar anos para aparecer. E, até onde posso afirmar, ninguém em posição de influência nos EUA está pensando como deveríamos lidar com conseqüências de a China deixar o yuan subir.


Paul Krugman, economista, é colunista do "New York Times" e professor na Universidade Princeton (EUA). Este artigo foi publicado originalmente no "New York Times".

Tradução de Paulo Migliacci


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