São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Bagaço de cana daria luz a 355 mil pessoas

ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO

As 308 usinas de açúcar do país poderiam acrescentar à matriz energética, de imediato, megawatts suficientes para cerca de 355 mil pessoas. O cálculo é considerado conservador. Leva em conta que, em média, 1,5 MW (megawatt) estaria sendo desperdiçado na cogeração de energia a partir do bagaço da cana-de-açúcar. A conta é do especialista em cogeração e planejamento energético, da área de comercialização de energia da CPFL (Companhia Paulista de Força e Luz), Barsanulfo Jacinto, que tem percorrido o país para falar do quanto "a energia de cogeração é bem-vinda".
A indústria sucro-alcooleira atinge a auto-suficiência em energia na safra, de maio a novembro, período que coincide com a estiagem agravou a crise. Nessa fase sobra energia, que poderia ser comprada pelas distribuidoras.
A versão um pouco mais otimista, de muitos especialistas, aponta para algo em torno de 1.500 MW extras, volume que atenderia 1,35 milhão de pessoas em até um ano. As usinas teriam que fazer investimentos de até R$ 1 milhão para melhorar "um pouco" sua eficiência.
Para o Inee (Instituto Nacional de Eficiência Energética), o setor ficou muito tempo esquecido. O diretor-geral, Jayme Buarque de Hollanda, diz que a capacidade de geração de energia das usinas supera em muito a possibilidade atual, podendo chegar a 10% da matriz energética do país.
Para isso, é preciso investir na modernização das caldeiras, aumentar o aproveitamento do vapor e do bagaço e construir linhas de transmissão e subestações adaptadas. "O potencial de uma usina sozinha é pequeno, de 30, 40 ou 60 MW, mas todas juntas somam uma coisa muito grande."
O economista Octávio Tourinho, coordenador-geral de macroeconomia do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que "as usinas são uma oportunidade esquecida". "É só explorar o que já está aí. O combustível é o bagaço mal usado em caldeiras e o equipamento, turbinas mais eficientes."
Em meio à crise, o governo promete tirar o setor do esquecimento e prepara um anúncio para fomentar, em caráter de urgência, projetos na área. O BNDES já tem pronto um programa específico, o primeiro do tipo. A Folha apurou que o banco deverá abrir uma linha de crédito de R$ 250 milhões. Já estão na fila cerca de 35 projetos aguardando aval, a maioria em São Paulo. Segundo o banco, esses projetos somam uma capacidade instalada de 400 MW, algo como uma usina termelétrica de grande porte, mas que levarão mais tempo para amenizar a crise.
Um projeto é o da Açucareira Corona. Vislumbrando a crise com antecedência, a Corona, quarta maior usina do país, localizada no interior de São Paulo, traçou planos: pretende investir US$ 20 milhões na modernização das caldeiras para gerar 50 MW em 2003, sendo 36 MW para venda.
"O governo não estava enxergando isso", reclama o diretor de planejamento da Corona, José Eduardo Pontes. O projeto foi encaminhado ao BNDES. O momento nunca foi tão propício, diz. Ele lembra que, "até o ano passado, não tinha mercado para isso, porque a distribuidora não pagaria mais que R$ 6 por MWh". O preço subiu há muito tempo. No Mercado Atacadista de Energia, bateu na casa dos R$ 400.
"Ninguém faz investimentos tão volumosos sem um mercado garantido à frente", diz.
A frase sintetiza a crítica mais recorrente sobre o negócio. Tourinho defende que a regulamentação seja aprimorada, porque há uma lacuna importante, que é a do preço. Se no atacado a energia sai tão caro e a distribuidora compra barato de Furnas, por que pagaria mais pela energia das usinas, em períodos de fartura? "É uma distorção para quem compra e vende", diz. Para ele, tal distorção prejudicou os investimentos.
Nos EUA, as distribuidoras são obrigadas, por lei, a comprar a energia excedente de cogeração, segundo o coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe (Coordenação dos Cursos de pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maurício Tolmasquim.
O aproveitamento imediato da energia desperdiçada em usinas, porém, enfrenta limitações. Por conta do súbito aquecimento do mercado, faltam equipamentos para conectar as usinas com o sistema, segundo Jacinto.


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