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Bagaço de cana daria luz a 355 mil pessoas
ISABEL CLEMENTE
DA SUCURSAL DO RIO
As 308 usinas de açúcar do país
poderiam acrescentar à matriz
energética, de imediato, megawatts suficientes para cerca de 355
mil pessoas. O cálculo é considerado conservador. Leva em conta
que, em média, 1,5 MW (megawatt) estaria sendo desperdiçado
na cogeração de energia a partir
do bagaço da cana-de-açúcar. A
conta é do especialista em cogeração e planejamento energético, da
área de comercialização de energia da CPFL (Companhia Paulista
de Força e Luz), Barsanulfo Jacinto, que tem percorrido o país para
falar do quanto "a energia de cogeração é bem-vinda".
A indústria sucro-alcooleira
atinge a auto-suficiência em energia na safra, de maio a novembro,
período que coincide com a estiagem agravou a crise. Nessa fase
sobra energia, que poderia ser
comprada pelas distribuidoras.
A versão um pouco mais otimista, de muitos especialistas,
aponta para algo em torno de
1.500 MW extras, volume que
atenderia 1,35 milhão de pessoas
em até um ano. As usinas teriam
que fazer investimentos de até R$
1 milhão para melhorar "um pouco" sua eficiência.
Para o Inee (Instituto Nacional
de Eficiência Energética), o setor
ficou muito tempo esquecido. O
diretor-geral, Jayme Buarque de
Hollanda, diz que a capacidade de
geração de energia das usinas supera em muito a possibilidade
atual, podendo chegar a 10% da
matriz energética do país.
Para isso, é preciso investir na
modernização das caldeiras, aumentar o aproveitamento do vapor e do bagaço e construir linhas
de transmissão e subestações
adaptadas. "O potencial de uma
usina sozinha é pequeno, de 30, 40
ou 60 MW, mas todas juntas somam uma coisa muito grande."
O economista Octávio Tourinho, coordenador-geral de macroeconomia do Ipea (Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada), diz que "as usinas são uma
oportunidade esquecida". "É só
explorar o que já está aí. O combustível é o bagaço mal usado em
caldeiras e o equipamento, turbinas mais eficientes."
Em meio à crise, o governo promete tirar o setor do esquecimento e prepara um anúncio para fomentar, em caráter de urgência,
projetos na área. O BNDES já tem
pronto um programa específico,
o primeiro do tipo. A Folha apurou que o banco deverá abrir uma
linha de crédito de R$ 250 milhões. Já estão na fila cerca de 35
projetos aguardando aval, a
maioria em São Paulo. Segundo o
banco, esses projetos somam uma
capacidade instalada de 400 MW,
algo como uma usina termelétrica
de grande porte, mas que levarão
mais tempo para amenizar a crise.
Um projeto é o da Açucareira
Corona. Vislumbrando a crise
com antecedência, a Corona,
quarta maior usina do país, localizada no interior de São Paulo, traçou planos: pretende investir US$
20 milhões na modernização das
caldeiras para gerar 50 MW em
2003, sendo 36 MW para venda.
"O governo não estava enxergando isso", reclama o diretor de
planejamento da Corona, José
Eduardo Pontes. O projeto foi encaminhado ao BNDES. O momento nunca foi tão propício, diz.
Ele lembra que, "até o ano passado, não tinha mercado para isso,
porque a distribuidora não pagaria mais que R$ 6 por MWh". O
preço subiu há muito tempo. No
Mercado Atacadista de Energia,
bateu na casa dos R$ 400.
"Ninguém faz investimentos
tão volumosos sem um mercado
garantido à frente", diz.
A frase sintetiza a crítica mais
recorrente sobre o negócio. Tourinho defende que a regulamentação seja aprimorada, porque há
uma lacuna importante, que é a
do preço. Se no atacado a energia
sai tão caro e a distribuidora compra barato de Furnas, por que pagaria mais pela energia das usinas,
em períodos de fartura? "É uma
distorção para quem compra e
vende", diz. Para ele, tal distorção
prejudicou os investimentos.
Nos EUA, as distribuidoras são
obrigadas, por lei, a comprar a
energia excedente de cogeração,
segundo o coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe (Coordenação dos
Cursos de pós-Graduação da Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maurício Tolmasquim.
O aproveitamento imediato da
energia desperdiçada em usinas,
porém, enfrenta limitações. Por
conta do súbito aquecimento do
mercado, faltam equipamentos
para conectar as usinas com o sistema, segundo Jacinto.
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