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Déficit, subsídio e pressão política dão origem à crise
CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL
O velho modelo energético das
grandes estatais morreu asfixiado
pela falta de investimentos, contidos para reduzir o déficit público
(os investimentos em estatais entravam nas contas do governo) e
garantir um bom boletim para o
país apresentar ao FMI (Fundo
Monetário Internacional).
"Morreu também pela utilização política, um dos muitos problemas que geraram sua ineficiência", diz o professor Maurício
Tolmasquim, da Coordenação
dos Programas de Pós-Graduação em Energia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E morreu afogado pelo excesso cometido na concessão de subsídios às empresas chamadas de
eletrointensivas, ou seja, as grandes empresas que utilizam energia com intensidade.
Só nos projetos de alumínio da
Albrás, da Alumar e da Camargo
Corrêa Metais, a Eletrobrás divulgou dados em 1989 que envolviam subsídios em torno de US$
1,1 bilhão pelo prazo fixado na
época em 20 anos. As chamadas
empresas eletrointensivas
-grandes multinacionais como
a americana Alcoa e grandes grupos nacionais como a Votorantim- sempre pagaram pela energia um preço abaixo do custo, algo entre US$ 10 por MWh e US$
20 por MWh, enquanto o custo de
geração de Tucuruí, por exemplo,
era de US$ 38 MWh, causando a
perda de centenas de milhões de
dólares.
Pontapé inicial
Some-se a isso a extrema vulnerabilidade a pressões e influências
políticas -a indicação de presidentes e diretores das empresas
elétricas sempre foi feita diretamente pelo presidente da República, para atender acomodações
políticas- e o cenário está montado para a crise energética que
teve como ato de abertura oficial o
jogo entre Corinthians e Atlético-PR, quinta-feira, 17, pela Copa do
Brasil, transferido das 20h30 para
as 15h.
Foi um jogo com racionamento
de energia, de gols (o resultado foi
um monótono empate em 0 a 0) e
de público (não mais do que 5.000
corintianos, segundo a polícia),
suficiente, porém, para revelar o
primeiro suspiro do impacto da
falta de luz no mundo dos negócios: os ambulantes que foram ao
estádio do Pacaembu levaram de
volta para casa cerca de 80% de
suas mercadorias.
Para os especialistas, essa é uma
crise anunciada desde os anos 80,
quando as fontes de financiamento do setor secaram, as obras
-carregadas de sobrecustos pelas empreiteiras- foram paralisadas. Só a usina de Tucuruí, prevista para envolver investimento
de US$ 500 por kW, custou quatro vezes mais.
Petróleo e subsídio
Quem resume com propriedade
o final dessa história de estrangulamento do setor é o físico Luiz
Pinguelli Rosa: "A crise do petróleo desestruturou o balanço de
pagamentos e fez com que o governo subsidiasse com tarifas reduzidas a implantação de indústrias eletrointensivas e substituísse o consumo do combustível por
eletricidade nos processos industriais em geral".
Isso obrigou o setor a investir
em novas plantas com financiamento do exterior, enquanto o
governo segurava as tarifas em níveis inferiores aos demais aumentos de preços, para reduzir o impacto inflacionário.
O desfecho é conhecido: veio a
moratória do México, o dólar levantou vôo, os custos setoriais
dispararam e o desempenho técnico e financeiro do setor de energia desandou.
Pelo telhado da casa
Com os indiscutíveis argumentos de fim do monopólio do Estado, maior competitividade, eficiência, competência, produtividade e descentralização, o governo deslanchou o processo de privatização. Às pressas, "pelo telhado da casa", diz o professor Maurício Tolmasquim. Não definiu
um modelo para o país, mantendo os princípios básicos do modelo inglês que lhe foram vendidos a
peso de ouro pela empresa multinacional de consultoria Coopers&Lybrand. Agora, à meia-luz, percebe que mais uma vez errou. Os técnicos brasileiros da
Eletrobrás, excluídos sob suspeita
de corporativismo, poderiam ter
sido melhores conselheiros.
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