São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Déficit, subsídio e pressão política dão origem à crise

CÉLIA CHAIM
DA REPORTAGEM LOCAL

O velho modelo energético das grandes estatais morreu asfixiado pela falta de investimentos, contidos para reduzir o déficit público (os investimentos em estatais entravam nas contas do governo) e garantir um bom boletim para o país apresentar ao FMI (Fundo Monetário Internacional).
"Morreu também pela utilização política, um dos muitos problemas que geraram sua ineficiência", diz o professor Maurício Tolmasquim, da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Energia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. E morreu afogado pelo excesso cometido na concessão de subsídios às empresas chamadas de eletrointensivas, ou seja, as grandes empresas que utilizam energia com intensidade.
Só nos projetos de alumínio da Albrás, da Alumar e da Camargo Corrêa Metais, a Eletrobrás divulgou dados em 1989 que envolviam subsídios em torno de US$ 1,1 bilhão pelo prazo fixado na época em 20 anos. As chamadas empresas eletrointensivas -grandes multinacionais como a americana Alcoa e grandes grupos nacionais como a Votorantim- sempre pagaram pela energia um preço abaixo do custo, algo entre US$ 10 por MWh e US$ 20 por MWh, enquanto o custo de geração de Tucuruí, por exemplo, era de US$ 38 MWh, causando a perda de centenas de milhões de dólares.

Pontapé inicial
Some-se a isso a extrema vulnerabilidade a pressões e influências políticas -a indicação de presidentes e diretores das empresas elétricas sempre foi feita diretamente pelo presidente da República, para atender acomodações políticas- e o cenário está montado para a crise energética que teve como ato de abertura oficial o jogo entre Corinthians e Atlético-PR, quinta-feira, 17, pela Copa do Brasil, transferido das 20h30 para as 15h.
Foi um jogo com racionamento de energia, de gols (o resultado foi um monótono empate em 0 a 0) e de público (não mais do que 5.000 corintianos, segundo a polícia), suficiente, porém, para revelar o primeiro suspiro do impacto da falta de luz no mundo dos negócios: os ambulantes que foram ao estádio do Pacaembu levaram de volta para casa cerca de 80% de suas mercadorias.
Para os especialistas, essa é uma crise anunciada desde os anos 80, quando as fontes de financiamento do setor secaram, as obras -carregadas de sobrecustos pelas empreiteiras- foram paralisadas. Só a usina de Tucuruí, prevista para envolver investimento de US$ 500 por kW, custou quatro vezes mais.

Petróleo e subsídio
Quem resume com propriedade o final dessa história de estrangulamento do setor é o físico Luiz Pinguelli Rosa: "A crise do petróleo desestruturou o balanço de pagamentos e fez com que o governo subsidiasse com tarifas reduzidas a implantação de indústrias eletrointensivas e substituísse o consumo do combustível por eletricidade nos processos industriais em geral".
Isso obrigou o setor a investir em novas plantas com financiamento do exterior, enquanto o governo segurava as tarifas em níveis inferiores aos demais aumentos de preços, para reduzir o impacto inflacionário.
O desfecho é conhecido: veio a moratória do México, o dólar levantou vôo, os custos setoriais dispararam e o desempenho técnico e financeiro do setor de energia desandou.

Pelo telhado da casa
Com os indiscutíveis argumentos de fim do monopólio do Estado, maior competitividade, eficiência, competência, produtividade e descentralização, o governo deslanchou o processo de privatização. Às pressas, "pelo telhado da casa", diz o professor Maurício Tolmasquim. Não definiu um modelo para o país, mantendo os princípios básicos do modelo inglês que lhe foram vendidos a peso de ouro pela empresa multinacional de consultoria Coopers&Lybrand. Agora, à meia-luz, percebe que mais uma vez errou. Os técnicos brasileiros da Eletrobrás, excluídos sob suspeita de corporativismo, poderiam ter sido melhores conselheiros.


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