São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Programa antidesperdício financiou concessionárias

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

O governo permitiu que as concessionárias usassem recursos que deveriam ser empregados no combate ao desperdício de energia em programas de modernização das próprias concessionárias.
Dos R$ 446 milhões investidos pelas concessionárias em 1999 e 2000 em programas antidesperdício, cerca de R$ 297 milhões -dois terços do total- foram aplicados em trocas de linhas de transmissão e geradores. Ou seja, financiaram projetos que evitavam o desperdício da concessionária, não na sua casa.
Só um terço do valor (cerca de R$ 149 milhões) foi usado em projetos para baixar o gasto do consumidor, como o de troca de lâmpadas que gastam menos. A conta faz parte de um estudo sobre conservação de energia de Gilberto Januzzi, professor de planejamento energético da Unicamp.
A operação foi toda legal, recebeu a aprovação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e funcionou como uma espécie de subsídio envergonhado.
Em 1999, no primeiro ano de operação do programa, um terço da verba para conservação de energia foi usada pelas concessionárias na compra de medidores, segundo Januzzi. Muitas casas não tinham medidores, o que causava prejuízo às empresas.
"Isso foi um escândalo", qualifica o pesquisador. Segundo ele, nenhuma concessionária precisa de incentivo do governo para colocar medidores que vão aumentar os seus ganhos. O mesmo raciocínio vale para a troca de linhas de transmissão e geradores.
A Aneel, para Januzzi, deveria atuar em áreas em que as concessionárias não têm interesse.
O equívoco faz parte de um erro político maior, segundo o pesquisador: "Está errado entregar para as concessionárias a área de conservação. Se elas lucram vendendo energia, não é razoável esperar delas mais economia e ganhos menores. Foi um erro básico."
A idéia de obrigar as empresas a investir em programas contra o desperdício e em pesquisa nasceu com a privatização das energéticas, iniciada em 1995. A partir de 1997, os contratos de concessão incluíram uma cláusula obrigando as empresas a aplicar 1% da receita nesse tipo de programa.
Em 1998, a Aneel definiu como deveria ser gasto esse 1%, ou R$ 300 milhões. A área de conservação de energia ficou com 0,9% e a de pesquisa, com 0,1%. Da verba para conservação, um terço iria para projetos para o consumidor e dois terços poderiam ser usados em projetos da concessionária.
"Deram excesso de liberdade para as concessionárias, e elas não investiram no que traria mais economia de energia", afirma Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia) da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Investir na própria concessionária nem é a forma mais barata de evitar desperdício, segundo José Roberto Moreira, professor aposentado do Instituto de Física da USP, ex-secretário de Energia do Ministério de Minas e Energia. "Custa a metade do preço fazer a economia na casa do cliente do que na linha de distribuição", diz.
Ele dá um exemplo hipotético: se são necessários US$ 1.000 para economizar 1 kWh na fiação da rua, dentro de casa dá para economizar isso com US$ 500.
Em julho do ano passado, o Congresso alterou a lei. Do 1% da receita, os programas de combate ao desperdício perderam participação. Ficaram com 0,5%, em vez de 0,9%. O outro 0,5% foi destinado à pesquisa.
A forma como a verba contra desperdício será distribuída também mudou. As concessionárias não poderão mais gastar dois terços dos recursos em seus projetos, mas um terço. O consumidor ficou com os dois terços restantes.


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