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Programa antidesperdício financiou concessionárias
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo permitiu que as concessionárias usassem recursos
que deveriam ser empregados no
combate ao desperdício de energia em programas de modernização das próprias concessionárias.
Dos R$ 446 milhões investidos
pelas concessionárias em 1999 e
2000 em programas antidesperdício, cerca de R$ 297 milhões
-dois terços do total- foram
aplicados em trocas de linhas de
transmissão e geradores. Ou seja,
financiaram projetos que evitavam o desperdício da concessionária, não na sua casa.
Só um terço do valor (cerca de
R$ 149 milhões) foi usado em projetos para baixar o gasto do consumidor, como o de troca de lâmpadas que gastam menos. A conta
faz parte de um estudo sobre conservação de energia de Gilberto
Januzzi, professor de planejamento energético da Unicamp.
A operação foi toda legal, recebeu a aprovação da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) e
funcionou como uma espécie de
subsídio envergonhado.
Em 1999, no primeiro ano de
operação do programa, um terço
da verba para conservação de
energia foi usada pelas concessionárias na compra de medidores,
segundo Januzzi. Muitas casas
não tinham medidores, o que
causava prejuízo às empresas.
"Isso foi um escândalo", qualifica o pesquisador. Segundo ele,
nenhuma concessionária precisa
de incentivo do governo para colocar medidores que vão aumentar os seus ganhos. O mesmo raciocínio vale para a troca de linhas
de transmissão e geradores.
A Aneel, para Januzzi, deveria
atuar em áreas em que as concessionárias não têm interesse.
O equívoco faz parte de um erro
político maior, segundo o pesquisador: "Está errado entregar para
as concessionárias a área de conservação. Se elas lucram vendendo energia, não é razoável esperar
delas mais economia e ganhos
menores. Foi um erro básico."
A idéia de obrigar as empresas a
investir em programas contra o
desperdício e em pesquisa nasceu
com a privatização das energéticas, iniciada em 1995. A partir de
1997, os contratos de concessão
incluíram uma cláusula obrigando as empresas a aplicar 1% da receita nesse tipo de programa.
Em 1998, a Aneel definiu como
deveria ser gasto esse 1%, ou R$
300 milhões. A área de conservação de energia ficou com 0,9% e a
de pesquisa, com 0,1%. Da verba
para conservação, um terço iria
para projetos para o consumidor
e dois terços poderiam ser usados
em projetos da concessionária.
"Deram excesso de liberdade
para as concessionárias, e elas não
investiram no que traria mais economia de energia", afirma Roberto Schaeffer, professor de planejamento energético da Coppe
(Coordenação dos Programas de
Pós-Graduação em Engenharia)
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
Investir na própria concessionária nem é a forma mais barata
de evitar desperdício, segundo José Roberto Moreira, professor
aposentado do Instituto de Física
da USP, ex-secretário de Energia
do Ministério de Minas e Energia.
"Custa a metade do preço fazer a
economia na casa do cliente do
que na linha de distribuição", diz.
Ele dá um exemplo hipotético:
se são necessários US$ 1.000 para
economizar 1 kWh na fiação da
rua, dentro de casa dá para economizar isso com US$ 500.
Em julho do ano passado, o
Congresso alterou a lei. Do 1% da
receita, os programas de combate
ao desperdício perderam participação. Ficaram com 0,5%, em vez
de 0,9%. O outro 0,5% foi destinado à pesquisa.
A forma como a verba contra
desperdício será distribuída também mudou. As concessionárias
não poderão mais gastar dois terços dos recursos em seus projetos,
mas um terço. O consumidor ficou com os dois terços restantes.
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