São Paulo, domingo, 20 de maio de 2001

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Estado financiou privatização e inibiu investimento privado

MARCELO BILLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Empresas privadas na disputa para conquistar clientes. A livre concorrência pressiona os preços para baixo. O interesse das empresas por novas oportunidades de negócio gera investimentos em distribuição e geração de energia.
Esse era o cenário ideal do governo quando desenhou o novo modelo do sistema elétrico. Modelo que desenhou e ajudou a financiar, em parte, por meio de empréstimos do BNDES a investidores e empresas que compraram estatais, recursos obtidos no Fundo de Amparo ao Trabalhador.
Não deu certo. O modelo funcionaria, segundo o raciocínio de quem o criou, se todas as empresas que atuam no sistema fossem privatizadas. Nenhuma empresa, por exemplo, poderia ter grande capacidade geradora e distribuir energia. Caso o fizesse, poderia manipular o mercado.
O governo conseguiu privatizar a maior parte das distribuidoras (empresas que entregam a energia ao consumidor). Mas a privatização das geradoras emperrou. Mais de 70% da energia gerada no país é produzida por estatais.
As maiores empresas do setor são federais: Furnas, Chesf, Eletronorte. Três grandes estaduais não foram vendidas: Cesp (SP), Cemig (MG) e Copel (PR).
Os planos de privatização começaram a ser delineados em 1998, quando a lei 9.648/98 determinou que todas as estatais do setor elétrico deveriam ser cindidas e vendidas. A cisão era necessária para evitar que o comprador ficasse com empresas que controlam geração, distribuição e transmissão de energia, o que lhes conferiria muito poder de mercado.
Foram criadas uma agência para regular o setor, a Aneel, e uma empresa privada para monitorar todo o sistema elétrico, o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrica). O ONS monitora diariamente o consumo de energia no Brasil. Se falta luz no Sudeste e sobra no Norte, ele faz as transferências necessárias de energia.
A Aneel deveria ser uma agência independente cuja função seria zelar pelo bom funcionamento do sistema elétrico, agindo para:
1) garantir o equilíbrio da oferta e procura de energia elétrica;
2) dar concessões para construção de usinas, redes de distribuição ou transmissão;
3) fiscalizar as empresas;
4) regular o mercado de forma a impedir que empresas cometessem abusos contra o consumidor;
Hoje, o governo controla praticamente todos os preços do setor de energia. Com o novo modelo, os controles serão eliminados gradativamente. Hoje já existem dois preços no Brasil: o da energia "velha" e o da "nova". A energia velha é aquela gerada pelas usinas que já existiam quando começou a implantação do novo modelo. Na maioria ainda estatais, essas usinas só terão o preço liberado a partir de 2003 quando, espera o governo, elas já serão privadas.
A energia "nova" é aquela gerada por novas usinas, implantadas por investidores privados ou pelas estatais. Essa energia, cuja venda ainda não foi contratada, pode ser vendida no mercado.
Para isso o governo criou o MAE (Mercado Atacadista de Energia), espécie de Bolsa de Valores onde empresas podem comprar e vender energia elétrica.
A intenção era que o MAE servisse de sinalizador e regularizador para o mercado. Assim, se começasse a faltar energia, os preços subiriam no MAE. Isso seria um sinal para investidores de que seria um bom negócio investir em usinas, pois eles poderiam vender energia a preços atrativos.
Com a entrada de novas usinas, a oferta de energia subiria: os preços voltariam a se normalizar.
O governo, no entanto, não investiu em geração enquanto tentava, sem sucesso, privatizar suas empresas. A Aneel não definiu regras claras para o setor e as empresas privadas não investiram. Resultado: a escassez de energia atropelou todos os planos de implementação do novo modelo.
Especialistas alertam que entregar as geradoras para a iniciativa privada poderia ser um tiro no pé. Os novos donos simplesmente não investiriam porque prefeririam aproveitar e vender energia cara em épocas de escassez. É a chamada especulação de espera.
Eles aconselham o governo a seguir o modelo dos EUA: o país expandiu a oferta de energia com investimentos privados em termelétricas, que hoje geram a maior parte da eletricidade consumida nos EUA. As grandes hidrelétricas do país continuam estatais.



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